Da sabedoria de Nanã ao sopro sagrado de Tempo: os 80 anos de resistência de Mameto Zulmira

FONTEPor Rita de Cássia Hipólito, enviado ao Portal Geledés
Mãe Zu e Tia Cidá servindo mungunzá. 26/07/2019. (Foto: acervo pessoal)

Nos últimos tempos a internet se tornou espaço privilegiado para celebrar datas até então desconhecidas pela grande maioria do público e o mês de julho nos oferece terreno fértil para quem gosta de festejar, como o dia do amigo, dia da mulher negra latino-americana e caribenha.

Em seu sermão dominical do último dia 25, Papa Francisco instituiu 26 de julho como dia Internacional dos idosos e avós. Na segunda-feira, as redes sociais amanheceram dividas entre a aclamação da pequena Rayssa Leal, medalhista de prata nos jogos olímpicos e declarações açucaradas às vovós. Essas celebrações são fundamentais para a reafirmação de valores como amizade, importância da mulher negra e a astúcia do tempo, elo de ligação que conecta a alegria de nossa fadinha à sabedoria das vovós. Tempo, matéria prima, energia sem a qual não há vida, por isso mesmo comemorado nos candomblés angola dia 10 de agosto.

Para nós do Terreiro Tumbenci, 26 de julho não é só dia dos avós, mas sim dia de entregar presente no Dique do Tororó, de se render as delícias do mungunzá, de agradecer e abraçar. Vinte e seis de julho é dia de Nanã. Segundo as palavras de Mameto Zulmira, Saluba, como também é conhecida, é o orixá mais antigo do universo afro-religioso. Afetuosa, acolhedora, força ancestral da filha, mãe e avó.

Aos que desejam conhecer um pouco mais sobre a natureza do candomblé, a arte é o melhor caminho. Em Cordeiro de Nanã, canção de Mateus Aleluia, nosso eterno Tincoã ensina que Saluba é a entidade primeira que veio enquanto a Terra se formava, os elementos se moviam, dando origem à lama, morada da divindade que ocupa o Templo de Savalu, no Benin. Aliás esse é o ponto de partida do imprescindível romance de Ana Maria Gonçalves: Um defeito de Cor. A história remonta o tráfico negreiro, durante o período colonial, em que a personagem principal, Kehinde, ao longo da obra se revelará mãe de Luíz Gama. Importante dizer que o principal elo da personagem com sua ancestralidade é exatamente sua avó, que antes de morrer deixa a súplica: “nunca se esqueça da África, de sua mãe, de Nanã”.

Nanã, Senhora dos segredos da vida e da morte. É da lama de Nanã que fomos moldados e a ela retornaremos. Mãe Zu, a melhor expressão de Saluba em terra, memória viva da Bahia. Tia Cidá, grande amiga e companheira. Mãe Pequena do Tumbenci. Em 2021 completam 80 anos de iniciação. Uma vida inteira voltada ao sacerdócio. 

Sábias meninas que exaltam a vida com a mesma alegria e leveza de Rayssa Leal, a sapeca que nos últimos dias nos transportou a um tempo passado, quiçá futuro, mostrando que ainda nos é permitido sonhar. 

Simbora meu povo, que o tempo não espera! É hora de festejar! 

Mãe Zu ao centro da foto no presente de Nanã, 26/07/2021. (Foto: acervo pessoal)

Rita de Cássia Hipólito

Mestre em Sociologia

Muzenza do Tumbenci de Lauro de Freitas

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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