Edital oferece apoio a comunidades quilombolas para suprir lacunas do Estado brasileiro

Valor de R$ 30 mil será destinado a 28 comunidades com o objetivo de apoiar produção de alimentos dentro das comunidades

FONTEBrasil de Fato, por Lucas Weber
Em Cidade Ocidental (GO), quilombola Edilson Pereira Dutra mostra sua plantação dentro do território - José Cruz/Agência Brasil “Eu planto de tudo um pouco. To com um pouquinho de medo, porque eles vão querer invadir o resto do nosso território. Nós estamos trabalhando contra a redução”

Iniciativa da Conaq quer garantir que futuras gerações deem continuidade à agricultura sustentável

Até o dia 29 de setembro, estão abertas as inscrições do edital “Fortalecendo os saberes e fazeres da agricultura quilombola”, que vai disponibilizar R$ 30 mil reais para famílias produtoras de alimentos.

A iniciativa é da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e tem o objetivo de garantir que “as futuras gerações possam dar continuidade a esse modelo de agricultura familiar sustentável desenvolvido ao longo dos séculos”, explica Kátia Penha, diretora de Projetos da Coordenação.

“A gente sabe fazer, existe um saber que vem de nossa ancestralidade. É um modelo que a gente planta, colhe e cuida”, defende a diretora em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (1º).

Penha reconhece que o valor é insuficiente diante das necessidades das famílias. Para a diretora, o edital vem para suprir uma lacuna deixada pelo Estado brasileiro de não dar condições para o desenvolvimento da agricultura familiar quilombola.

“O que adianta o governo federal assinar um monte de decretos, no 20 de novembro, de desapropriação de territórios se não dá ferramentas para a gente permanecer nesses territórios?”, questiona Penha, fazendo referência às medidas que costumam ser publicadas no dia da Consciência Negra de apoio à população quilombola.

Outro ponto levantado por Penha é como a demora pela regularização dos territórios quilombolas afeta o acesso a políticas públicas. 

A liderança cita o próprio Plano Safra para Agricultura Familiar, apresentado em junho deste ano, que, apesar de ter linhas específicas para a população quilombola, exige algumas condicionantes às quais algumas famílias não têm acesso.

“Nós somos invisíveis. A população quilombola faz parte dos 70% dos agricultores familiares que produzem alimentos. Mas muitas das nossas terras não estão regularizadas, então, documentalmente, nós não existimos”, ressalta Penha.

De acordo com o IBGE, existem atualmente 494 territórios quilombolas oficialmente delimitados e 4.859 comunidades fora de terras oficialmente delimitadas.

Uma conquista importante para as comunidades veio a partir do Decreto nº 4.887/2003, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que concedeu a essas populações o direito à autoatribuição como único critério para identificação das comunidades quilombolas, tendo como fundamentação a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o direito de autodeterminação dos povos indígenas e tribais.

Em 2022, pela primeira vez, o Censo divulgou dados sobre a demografia da população quilombola no Brasil. São 1,3 milhão de pessoas autodeclaradas no Brasil. 

Foi a primeira vez em que foram adicionadas perguntas especificamente direcionadas a esse público, definido pela pesquisa como indivíduos “com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão historicamente sofrida”. 

Mais de 87% dessas pessoas, 1,16 milhão no total, estão fora das 494 das áreas destinadas oficialmente às comunidades tradicionais com origem nos quilombos. Apenas 167 mil quilombolas vivem em territórios reconhecidos, ou seja, 12,6%. 

Kátia Penha finaliza afirmando que “a gente tem que extrair da terra, mas a gente também tem que deixar. E esse deixar é viver em um território e cuidar dele para que as futuras gerações também possam se alimentar dele”

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