Geledés cobra justiça racial em reunião ministerial da América Latina e Caribe

Presença da sociedade civil reforça que os afrodescendentes devem estar no centro das políticas ambientais da América Latina rumo à COP30

Entre os dias 25 e 26 de agosto, ministros do Meio Ambiente de 22 países latino-americanos e caribenhos reuniram-se na Cidade do México para alinhar compromissos e fortalecer a liderança regional na preparação para a COP30, que ocorrerá em novembro, em Belém do Pará.

Ministros e representantes da sociedade civil trabalham para assegurar e reforçar o regime climático multilateral — ancorado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e no Acordo de Paris — em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, considerados essenciais para enfrentar as vulnerabilidades da região.

O encontro resultou na Declaração Ministerial da Cidade do México, documento que reúne compromissos concretos sobre mitigação, adaptação e financiamento climático, além de enfatizar justiça social, direitos humanos e uma transição energética justa.

Geledés – Instituto da Mulher Negra integrou a comitiva formada por organizações e movimentos negros, indígenas e ambientalistas, responsável pela elaboração de um documento da sociedade civil entregue à presidência da COP30.

A assessora internacional do instituto, Letícia Leobet, teve a oportunidade de apresentar intervenções diretamente aos ministros presentes. Ela reforçou a necessidade de colocar a justiça climática no epicentro das políticas públicas de maneira a garantir que o financiamento internacional alcance as comunidades responsáveis por preservar a biodiversidade.

Para Letícia Leobet, a agenda climática não pode ignorar a população vulnerabilizada. “Hoje, quando falamos do direito humano a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável, não podemos ignorar que os impactos da crise climática não são neutros: afetam de maneira desproporcional afrodescendentes, povos indígenas, comunidades ribeirinhas, camponesas e periféricas, as mulheres, os jovens e as crianças, bem como as pessoas com deficiência. Essas desigualdades estruturais devem ser enfrentadas não como um aspecto secundário, mas como o coração da ação climática.”

Leobet destacou ainda que a cooperação regional precisa superar a justificativa recorrente da falta de dados desagregados por raça, etnia, território ou gênero. “Já não podemos aceitar a desculpa de que não existem dados desagregados por raça, etnia, território ou gênero devido à falta de capacidade técnica. A cooperação regional deve ser um compromisso real entre nossos países, que nos permita apresentar a verdadeira dimensão de nossas realidades territoriais. Porque somente reconhecendo essas desigualdades poderemos repará-las e construir políticas públicas à altura dos desafios”, completou.

Além da reparação, a assessora internacional de Geledés defendeu uma mudança de paradigma na ação climática. “Devemos valorizar e colocar no centro os saberes tradicionais, as tecnologias comunitárias e a cosmovisão dos povos indígenas, quilombolas, afrodescendentes e comunidades tradicionais. Eles nos mostram que outra forma de habitar o mundo é possível — e que justamente essas diretrizes podem nos salvar da devastação climática”, disse ela.

Leobet também enfatizou que o reconhecimento dos afrodescendentes não deve ser tratado como disputa por recursos financeiros, mas como um esforço para “tensionar a corda da justiça climática”, de maneira a garantir as vozes historicamente silenciadas na construção de soluções globais.

O grupo de ministros publicou declaração de apoio à COP30 no Brasil e às agendas prioritárias da conferência do clima. O documento assinado durante reunião de ministros de Meio Ambiente na Cidade do México destaca o compromisso com a implementação do Acordo de Paris e a liderança regional no combate à mudança do clima.

Segue abaixo trecho do documento de posicionamento e propostas de organizações da sociedade civil no marco da reunião ministerial da América Latina e do Caribe para a Implementação de uma Ação Climática Regional:

“Da Patagônia ao Rio Bravo, do Pacífico às Antilhas, a América Latina e o Caribe formam uma região decisiva no planeta diante da crise climática. Aqui se resguarda a maior biodiversidade do mundo e uma riqueza cultural sem igual: a floresta amazônica como o principal sumidouro terrestre de carbono, as florestas da América Central que atuam como corredores biológicos vitais para a conectividade do continente, os recifes mesoamericanos e do Caribe que protegem milhões de vidas costeiras, e os oceanos profundos que regulam o clima global.

Foto: Felipe Werneck (COP30)

Essa inestimável riqueza regional tem sido resguardada pelos povos, incluindo indígenas, afrodescendentes e comunidades locais. Seus conhecimentos e práticas ancestrais sustentam a vida, as sociedades e as economias da região em um contexto de crescente vulnerabilidade climática.

As organizações da sociedade civil participantes da Reunião Ministerial da América Latina e do Caribe para a Implementação de uma Ação Climática Regional reafirmamos uma verdade inegável: Só haverá ação climática justa, duradoura e efetiva com a participação plena das comunidades locais (marinho-costeiras, ribeirinhas, florestais, migrantes e pessoas trabalhadoras e ex-trabalhadoras das indústrias fósseis), dos povos indígenas e afrodescendentes, e em especial: das mulheres e juventudes, seja em contexto urbano ou rural”.

Confira a íntegra do documento aqui.

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