Geledes Instituto da Mulher Negra se solidariza com a Associação Cachuera na tristeza pela perda de um de seus mais queridos membros. Siga em paz Reverendo

Criador do aplicativo, Daniel Dora (dir.) faz demonstração do programa

Muita tristeza por aqui. Nosso querido Daniel Reverendo voou para o lado de lá. Amigo, músico, compositor, cantor, instrumentista, poeta, artesão, grande cachuerense, mestre da cultura popular afro-brasileira, Daniel foi para o céu de Aruanda ontem à tarde, por complicações do coração. 

Tantas boas lembranças ele nos deixa: seu largo sorriso, suas lindas músicas, os tambores por ele construídos, entre outras.O velório acontecerá hoje, a partir das 19h, no Espaço Cachuera! (Rua Monte Alegre, 1.094 – Perdizes – São Paulo). O enterro será amanhã, às 13h, no Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha (Rua João Marcelino Branco, s/n° – São Paulo). Equipe da Associação Cultural Cachuera!(Foto: Mason Hiatt – 2013)

O Tambor Como Canção (trecho)

 Por Paulo Dias

Foi no Bairro do Limão, onde laranja não entra, que Daniel Toledo ingressou na escola desta vida, correndo as ruas da Vila Carolina pra visitar os primos no Navio Negreiro, reduto negro do bairro batizado com o nome de triste lembrança.

Filho de pastor evangélico, converteu-se ao samba no dia em que pisou na quadra da Portelinha. E na Rosas do Ouro recebeu sua ordenação como Reverendo. Foi lá que o encontrei, no ano de 1991, trajado com grande apuro, para juntos organizarmos o coral da ala das baianas. Logo compreendi tratar-se de um embaixador, um chanceler da sua escola e do seu povo negro da periferia, dono de um refinamento intelectual e de uma poesia no falar que me cativaram e conquistaram para sempre. O coral durou pouco, porém não a amizade. E as parcerias.

Da Cachoeirinha, o Reverendo pulou pro Cachuera!, grupo então nascente que se reunia sob as árvores da USP, ao pé da fogueira, para pôr em prática aquilo que aprendíamos em viagens de campo às comunidades negras da nossa região Sudeste: tocar o tambor, cantar o canto e dançar a dança, e, acima de tudo, respeitar e meditar sobre os mistérios da arte espiritualizada africana que irriga corpo e alma do ser brasileiro.

Esse laboratório vivo, a ingoma Cachuera!, foi outra etapa iniciática na vida do nosso artista. Em visita à comunidade do Batuque de Umbigada em Tietê, Daniel Reverendo se descobre parente de Rei Domingos Arruda, maior compositor de modas da região, então com 103 anos de idade. Tendo recuperado sua ancestralidade familiar e artística, partiu para uma nova viagem, junto aos companheiros do Cachuera! : trazer a fala afrosudestina para a música que almejávamos.

Não se tratava de tentar transplantar raízes, mas de fazer brotar mudas novas, em solo urbano e cosmopolita, a partir do humo fértil da tradição afrobrasileira. Esse processo, Daniel Reverendo o encarnou como ninguém. Junto ao nosso rei e conselheiro Matusalém Silvério, multi-artista negro que hoje nos observa e guia do alto das claridades d ‘Aruanda, Daniel começa a compor modas de Batuque, pontos de Jongo e cânticos de Congado, num brotar continuo que perdura até hoje.

As músicas deste CD constituem apenas uma pequena – porém significativa – amostra de sua produção. Algumas de suas canções já foram gravadas em disco, e apresentadas até na Europa pelo compositor.

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Sobre o CD reverendotamboresdosudeste

Por Nei Lopes

Quando Mestre Darcy, do jongo da Serrinha, no Rio, adicionou à sonoridade de seu grupo instrumentos europeus, como o violão e o violino, seu gesto foi visto como subserviência; como a capitulação da cultura afro-brasileira diante da “hegemonia colonial”. Se vivesse um pouquinho mais, o Mestre, falecido em 2001, teria visto o seu jongo saindo do terreiro, da volta da fogueira, para as platéias dos melhores teatros, e prestes a ser acolhido, oito anos depois de sua partida, no escorregadio mas inevitável terreno da indústria musical planetária.

Digo “escorregadio mas inevitável” porque o ambiente a que nos referimos tanto pode elevar quanto derrubar. Mas… Convenhamos: de que serve ao criador criar sem público; produzir sem consumo; interpretar sem platéia?

Mesmo perigoso, o lugar de qualquer manifestação artística que se respeite tem que ser este aqui, o da produção cultural hegemônica. Assim, os que hoje só vêem o jongo, o batuque, o moçambique, ou mesmo o samba, restritos à chamada “periferia”, reproduzem os mesmos preconceitos dos que, através dos tempos, opuseram a cultura “clássica” à “popular”; o samba “do morro” ao samba “do rádio” etc.

É a partir desta visão que tenho a alegria de apresentar ao grande público este “Tambores do Sudeste”, de Daniel Reverendo, coletânea exemplar, trabalhada com apuro técnico admirável, a partir de criações portadoras de uma verdade intrínseca, e de um enraizamento profundo. Onde a raiz é sustentáculo e não amarra. Onde os ramos vão ramificando e subindo. Em busca de ar, sol, público. E assim, nutrindo-se dessa energia, e de tudo o que está à volta, é que – acreditamos – o trabalho do nosso Reverendo vai chegar onde deve.

“World music”? Talvez, sim. Mas naquela acepção que designa a grande família que compreende todas as músicas “tradicionais” ou “não ocidentais”. “Música do mundo”, mas nunca “periférica”. Porque este magnífico “Tambores do Sudeste” nasceu com a sina de virar o jogo. Pois chega com a disposição de, irmanando jongo e rap, entrar no centro da roda e gritar: “Tô aqui graças a Deus! E vim pra ficar”.

Como o venerando Darcy queria, Reverendo!

 

No dia 07 de Setembro de 2013  o jongueiro Daniel Reverendo fez uma das suas ultimas apareções com o grupo Bloco de Pedra, assista:

 

 

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