No dia 28 de abril de 2024, completa-se 6 anos da morte do pastor e teólogo James Cone, o sistematizador da teologia negra. Esta é uma oportunidade para refletirmos sobre seu legado para a luta contra o racismo e suas influências no protestantismo negro antirracista brasileiro.
As obras de James Cone no Brasil
As obras Black Teology and Black Power (Teologia Negra e Poder Negro, 1969), Black Teology of Liberation (Teologia Negra da Libertação, 1970) e God of Opressed (Deus dos Oprimidos, 1975), de James Cone, são consideradas obras seminais para a sistematização da teologia negra.
A primeira vez que obras de James Cone foram traduzidas e publicadas no Brasil foi na década de 1980, pela editora Paulinas. Deus dos Oprimidos é lançada em 1985; e a coletânea de textos intitulada Teologia Negra, de autoria de Cone e Gayraud Wilmore, em 1986, ambas pela mesma editora – contudo, é importante salientar que essa coletânea não é uma tradução de Black Teology of Liberation (1970).
Após muitos anos fora de catálogo, em 2020, a editora Recriar publicou as obras Teologia Negra e Deus dos Oprimidos. Na Tradução de Black Teology of Liberation, a Recriar optou por retirar o termo “Libertação”, entendendo que o uso dessa terminologia induziria o leitor a classificar a teologia negra da libertação como uma ramificação da teologia da libertação latino-americana.
O prefácio da obra Teologia Negra é escrito pelo teólogo e pastor Ronilso Pacheco e a apresentação pelo pastor Rás André. Já a obra Deus dos Oprimidos é prefaciada pelo filósofo, jurista e atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida e conta com apresentação do pastor e deputado federal Henrique Vieira.
A publicação das obras de Cone nos últimos anos acontece em um período de rápida expansão do protestantismo negro de esquerda em todo território nacional, fenômeno este que já havia sido observado pelo antropólogo John Burdick, no início dos anos 2000.
“Contra o pecado do racismo”
Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado uma ascensão de atores sociais que articulam identidade evangélica, identidade política de esquerda e luta política contra o racismo. Tratam-se de coletivos informais, organizações políticas, movimentos sociais, igrejas, grupos de estudos, movimentos sociais etc.
Esse segmento é minoritário tanto no campo evangélico, quanto no campo da esquerda política, porém, atuam de forma constante, desenvolvendo ações diversificadas, como organização de congressos, simpósios, seminários, debates, eventos culturais e encontros ecumênicos. Também publicam livros, cartilhas, panfletos, manifestos. Muitos atuam em pré-vestibulares populares, promovem ações sociais, realizam intervenções na mídia, lançam candidaturas para a política institucional nos pleitos eleitorais, produzem programas de rádio, de podcast, criam conteúdo para sites, blogs, redes sociais e canais em plataformas de vídeos. A teologia negra da libertação de James Cone é, sem dúvida, uma das principais referências para as concepções teóricas e práticas do protestantismo negro de esquerda engajado na luta antirracista.
Cone parte do princípio de que Deus sempre escolhe os oprimidos, Deus faz da condição dos oprimidos a sua condição e, por isso, intervém na história a favor dos oprimidos e contra os opressores. Exemplo disso seria a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito, narrativa presente no livro de Êxodos, e a materialização de Deus na figura de Jesus de Nazaré em um contexto de opressão do Império Romano em toda região da Palestina.
Pensando a questão racial nos Estados Unidos, Cone afirma que Deus interviu na história para libertar o povo negro da escravidão e da opressão racial. Neste sentido, “a missão da teologia negra é analisar a natureza do evangelho de Jesus pelo viés das pessoas negras oprimidas” (CONE, 2020a, p. 57). Para Cone, toda opressão constitui-se como uma forma de pecado perante Deus e uma negação do evangelho; neste sentido, o racismo também é um pecado. A ideia de racismo como uma forma de pecado é constantemente mobilizada pelos atores sociais do protestantismo negro no Brasil.
Para James Cone, Jesus não trouxe uma palavra para todos – conforme a teologia de teólogos brancos –, Jesus veio para os oprimidos deste mundo e somente para estes. “No Novo Testamento, Jesus não é para todos, mas para os oprimidos, os pobres e os desprezados da sociedade e contrário aos opressores” (CONE, 2020a, p. 58).
Outro ponto importante da obra de Cone é a concepção de que Jesus é negro. Este é, sem dúvida, um dos aspectos mais atacados e o menos compreendido em sua concepção teológica. Como já foi dito, para James Cone, Deus sempre se identifica com os oprimidos e, na figura de Jesus, indica sua identificação com os oprimidos, pois Jesus nasceu em um estábulo, dormiu em uma manjedoura, nasceu em uma região subjugada pelo Império Romano, andou com os pobres, mulheres prostituídas, órfãs, pessoas com deficiência, estrangeiros, viúvas, famélicos. Jesus vive a condição de oprimido, neste sentido, ele tem a cara dos oprimidos. Em uma sociedade racista, como a estadunidense – e a brasileira também –, Jesus se identifica com a comunidade negra oprimida, neste sentido, Jesus é negro.
Afirmar a existência de um Jesus negro ultrapassa os limites da dimensão fenotípica, geográfica e cultural, trata-se de uma metáfora teológica e política que se conecta concretamente com a experiência dos oprimidos. Uma realidade ontológica assentada na experiência da comunidade negra estadunidense.
As obras de James Cone em contexto estadunidense são a síntese dinâmica historicamente determinada, no âmbito teológico, da luta política da comunidade negra por direitos civis. Trata-se de uma resposta a um contexto estrutural de opressão racial.
Apesar ter sido produzida de acordo com as especificidades do racismo estadunidense, a obra de Cone fornece elementos teóricos, metodológicos, conceituais e categoriais, para os atores sociais do protestantismo negro antirracista brasileiro, pensar a questão racial no Brasil.
Críticas à obra de James Cone
A obra de Cone não ficou isenta de críticas, inclusive de seus admiradores e admiradoras. Cone recebeu críticas discordantes de pensadoras do movimento Womanist, por fazer uma reflexão demasiadamente centrada na figura masculina e por dar pouca atenção às especificidades da experiência de mulheres negras – esta, como uma das principais críticas à obra de Cone, é apontada Dolores Williams, uma das articuladoras mais conhecidas do Womanist.
Biografia
James Hal Cone nasceu no dia 05 de agosto em Fordyce, Arkansas, e faleceu no dia 28 de abril de 2018, aos 79 anos, em Nova York. Cone era membro da Igreja Episcopal Metodista Africana, a primeira igreja formalmente fundada pela comunidade negra nos Estados Unidos, em 1816.
Graduou-se no Shorter College e no Philander Smith College, em 1958. Obteve título de bacharel no Garrett Theological Seminary, em 1961, mestrado em 1963 e doutorado em 1965, ambos pela Northwestern University.
Apesar de ter sido ordenado pastor, Cone nunca liderou uma igreja, preferiu se dedicar à vida acadêmica, compondo o corpo docente da Union Theological Seminary em Nova York, por quase 50 anos. Durante sua carreira acadêmica, Cone publicou 12 livros e mais de 150 artigos.
Bibliografia
BURDICK, John. Why is the Black Evangelical Movement Growing in Brazil? Journal of Latin American Studies / Volume 37 / Issue 02 / May 2005, pp 311 – 332. DOI: 10.1017/S0022216X05009028.
CONE, James. El contexto social de la teología: libertad, historia y esperanza. Teologia negra y teologia de la liberacion. Ediciones Sigueme: Salamanca, 1974.
CONE, James. Teologia Negra. São Paulo: Recriar, 2020a.
CONE, James. O Deus dos oprimidos. São Paulo: Recriar, 2020b.
OLIVEIRA, Rosenilton Silva de. Hoje eu orei, Ele é negro: a gêneses do movimento negro evangélico no Brasil. Religião & Sociedade, v. 41, n. 3, p. 169–192, set. 2021.
Wallace Cabral Ribeiro
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS-UFF), membro do Laboratório de Estudos Socioantropológicos em Política, Arte e Religião (LePar). Pesquisa protestantismo negro brasileiro. Autor do livro Religião e Revolução: a sociologia da religião de Friedrich Engels (2021).
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