Mais um 20 de novembro

A reeleição do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o trabalho impecável do ministro Joaquim Barbosa – atualmente presidente do Supremo Tribunal Federal – como relator do caso Mensalão e o soberano Nelson Mandela, hoje com 94 anos, presidente da África do Sul entre 1994/99 não deixam dúvidas: a constelação negra é uma realidade.

Às vésperas de mais um 20 de novembro, data em que se comemora a Consciência Negra no Brasil e também marca o assassinato de Zumbi dos Palmares pelas tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho, paira no ar o questionamento: até que ponto a comunidade negra reconhece o valor da luta e a mensagens passadas por Obama, Barbosa e Mandela?

Somos privilegiados, pois estamos vivendo a história.

A organização político-social da comunidade negra, em diversos municípios brasileiros, aponta que os avanços existiram, mas, insignificantes se dissolvidos na dura realidade que ainda assusta e encurrala muitos. A abolição da escravatura completa 124 anos em 2012. Parece muito tempo se a régua da medida do tempo for o tempo médio de vida do brasileiro: cerca de 70 anos.

Na realidade, 124 anos na linha do tempo não representa nada, ou quase nada. Vale lembrar que a Constituição Brasileira ainda não completou Bodas de Prata e com 24 anos ainda apresenta falhas grotescas que levam a nação, por exemplo, a colher mais de 1 milhão de assinaturas para exigir a purificação do processo eleitoral.

Se com 24 anos a Constituição ainda é uma criança o que podemos dizer dos 124 anos de libertação de uma raça inteira? O caminho, neste segundo caso, é mais tortuoso já que a crueldade do início, ao se abrir os portões das fazendas sem dar a mínima estrutura e chance de vitória aos recém-libertos, se mantém nos dias hoje de forma ainda mais nefasta.

A organização da sociedade passa obrigatoriamente pelo campo político. É neste cenário que os apaniguados perpetuam suas linhagens familiares no poder enquanto a comunidade negra, com raríssimas exceções, sobrevive – como diz Cazuza – “da caridade de quem lhe detesta”.

De forma ainda mais nefasta os que detêm o poder cultivam com precisão ao longo dos anos, fazendo com que a mentira se torne uma realidade, a frase que “os negros são desunidos”.

A desunião existe, mas, assim como uma bomba biológica ela é implantada no seio da comunidade negra como um vírus. Qualquer possibilidade de aglutinação de forças, principalmente no campo político, gera, rapidamente, reação de grupos que disputam o comando do poder. Desta forma, irmãos, primos e até pais e filhos são colocados na mesma arena para dividir votos e terminarem a caminhada no mesmo ponto onde iniciaram: é sair do nada para chegar a lugar nenhum.

A desfaçatez chega ser gritante no processo que visa manter a comunidade negra em um curral. Nos últimos 30 anos, em Rio Claro, tivemos o saudoso professor Sebastião Ambrósio, como secretário da Educação (1983-1988), professor José Antonio David Chagas, secretário municipal da Cultura no Governo Nevoeiro (2005-2008) e mais nada. Isso mesmo.

Nestas três décadas, a comunidade negra foi agraciada pelos “donos do poder” com poucos cargos de assessoria, talvez uma ou duas diretorias e muita conversa fiada. Ou seja, a quirela.

Anualmente, os estrategistas discursam sobre a importância da cultura negra para o desenvolvimento do país mas lembram efetivamente da comunidade somente “para dar o molho no macarrão” nos dias da festa de Momo.

Será que em 30 anos, a comunidade negra não produziu nenhum negro – fora Ambrósio e Chagas – capaz de integrar o Primeiro Escalão da administração municipal? Com tanta gente de péssima qualidade que causou transtornos diversos para os moradores da Cidade Azul, será que não existe um negro capaz de sentar-se à mesa ao lado dos “apóstolos” do alcaide?

Parece que não, mas, existe. Basta abrir os olhos, já que o coração seria pedir muito. Basta tirar o traje do preconceito, deixar de ver a comunidade negra como grupo de segunda classe. A partir daí, o discurso de que se “governa para as pessoas” estará fundamentado. Sairá do campo teórico para entrar no campo prático.

Que as correntes da ignorância possam ser quebradas. Afinal, a cada processo eleitoral existe um clima de renovação. Se a África do Sul mudou, se os Estados Unidos – maior berço da segregação racial – curvaram-se e se os mentores do mensalão estão sendo condenados, um a um, é sinal que a esperança existe. É preciso abrir a mente para exercitá-la. Discutir o 20 de novembro apenas no campo se é válido ou não o feriado municipal é desviar o foco do assunto principal.

Emerson Augusto
Negro, jornalista há 25 anos

 

 

Fonte: Canal Rio Claro

-+=
Sair da versão mobile