Na África do Sul, Geledés defende empoderamento econômico das mulheres negras e justiça climática

Na 2ª edição do Ciclo da Diversidade, assessora internacional apresentou programas da organização na economia do cuidado

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Letícia Leobet e o embaixador do Brasil na África do Sul, Benedicto Fonseca Filho
Letícia Leobet e o embaixador do Brasil na África do Sul, Benedicto Fonseca Filho

Geledés – Instituto da Mulher Negra participou nesta quinta (7) e sexta-feira (8) da segunda edição do Ciclo da Diversidade, na Universidade de Wits, em Johanesburgo. A iniciativa foi promovida pela Embaixada do Brasil em Pretória no contexto das comemorações do 9 de agosto, Dia da Mulher na África do Sul. O evento reuniu representantes de instituições governamentais brasileiras e sul-africanas, organismos internacionais, universidades, sociedade civil e setor privado para discutir formas de combater a discriminação e promover a inclusão política e econômica de mulheres, pessoas negras, jovens, LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência no marco do desenvolvimento sustentável.

Na abertura de sua fala, a assessora internacional de Geledés, Letícia Leobet, destacou a relevância de o encontro acontecer em tempos de reaproximação entre o país e o continente africano. “Em um momento em que a reconstrução das relações entre Brasil e África se torna uma prioridade, este encontro é uma expressão concreta de uma diplomacia que pode ser antirracista, feminista, diversa e comprometida com a reparação histórica”, afirmou ela ao abrir sua fala.

Ao longo do último ano, Geledés priorizou o debate sobre empoderamento econômico de mulheres negras em diferentes espaços da ONU. Um marco desse trabalho ocorreu em abril do ano passado, durante evento paralelo à 3ª Sessão do Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes, na sede das Nações Unidas em Genebra. Na ocasião, a jornalista Flávia Oliveira, participante do evento, publicou um artigo no jornal O Globo em que cita a proposta da fundadora e coordenadora de Geledés, Sueli Carneiro, de criação de um programa nacional de desenvolvimento econômico voltado à população negra. “O Brasil tem uma longa experiência de mobilidade social de imigrantes europeus, com políticas subvencionadas pelo Estado”, lembrou Sueli à época.

Essa proposta está sistematizada no documento “Empoderamento Econômico da População Afrodescendente e o Papel dos Bancos Nacionais e Multilaterais de Desenvolvimento”, lançado por Geledés e organizações parceiras em novembro de 2024. A publicação defende que bancos como o BNDES e organismos multilaterais de financiamento direcionem subsídios e linhas de crédito para impulsionar o empreendedorismo afrodescendente, combatendo a informalidade e a precarização do trabalho, como bem lembrou Letícia.

Letícia destacou os impactos positivos do recém-lançado Plano Nacional de Cuidados, batizado de “Brasil que Cuida”, uma iniciativa com potencial de transformar a vida das mulheres negras, que historicamente sustentam os pilares invisíveis do cuidado no país. Afinal, esta é a primeira vez que o Brasil reconhece o cuidado como um direito universal, compartilhado entre Estado, família, sociedade civil e setor privado.

“Foi um momento importante de poder visibilizar as articulações e conexões que Geledés tem feito no âmbito internacional, bem como destacar ações e programas realizados historicamente pela organização que podem impulsionar e fomentar as políticas públicas nacionais. Tudo isso buscando fortalecer as relações com o continente africano, é importante que eles conheçam a realidade brasileira a partir de uma ótica que considere raça e gênero”, afirmou Letícia.

Para exemplificar como podem se dar essas ações, Letícia apresentou iniciativas práticas do instituto no campo da economia do cuidado, como o projeto Enquanto Viver, Luto!, que promove geração de renda e solidariedade feminista entre mulheres afetadas por diversas formas de violência na cidade de São Paulo. O projeto agrega mulheres que lutam separadamente, de acordo com os impactos de diferentes violências. São mães de jovens assassinados pela polícia, mulheres em situação de violência doméstica e sexual, profissionais do sexo, transexuais, travestis, lésbicas, estudantes universitárias, ativistas do movimento de mulheres negras, que trabalham conjuntamente pela construção do viver social e produzem economia solidária, explicou.

Outra iniciativa destacada por ela foi o programa Promotoras Legais Populares (PLPs), iniciado por Geledés em 1999. Segundo Letícia, trata-se de uma estratégia de acesso à justiça a partir da formação de lideranças comunitárias que orientam mulheres vítimas de violência e promovem o uso do Direito como instrumento de emancipação. Além do papel orientador, as PLPs compartilham informações e promovem o uso instrumental do Direito para efetivação dos seus próprios direitos.

Sobre o empoderamento econômico da população afrodescendente, Letícia criticou a lógica que mantém a população negra nos limites da vulnerabilidade. É sabido que o Brasil já criou modelos de construção de riqueza tanto quanto insiste em manter certos grupos no limite da vulnerabilidade. O Plano Safra 2023/2024, por exemplo, destinou R$ 360 bilhões ao crédito agrícola, mais que o dobro do orçamento do Bolsa Família. Do total, 70% ficaram com soja e milho, lavouras de exportação; feijão, da agricultura familiar, levou 1%, segundo cálculos de Arnoldo de Campos, especialista na área.

A participação de Geledés no 2º. Ciclo da Diversidade reforça uma demanda histórica: não há justiça social sem reparação econômica para as mulheres negras. Mais do que inclusão simbólica ou ações pontuais, o instituto defende a formulação de políticas estruturais que revertam desigualdades raciais e de gênero com base na redistribuição real de recursos e poder.