O Ceará e a questão quilombola

O SR. EUDES XAVIER (PT-CE. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, amigos e colegas Deputadas e Deputados, faço neste pronunciamento homenagem a uma grande liderança quilombola do Município de Crateús, no Ceará, Nenê Lourenço, que deixou como marca sua luta pela organização dos trabalhadores quilombolas da comunidade de Queimadas, em Crateús.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, venho a esta tribuna para abordar um assunto que considero de extrema importância. Trata-se de questão que envolve a demarcação de terras de remanescentes de quilombos e o descumprimento de artigos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Primeiramente quero deixar claro que apoio integralmente as lutas da população quilombola e do Movimento. No Estado do Ceará, a invisibilidade das comunidades quilombolas é hoje uma situação de conflitos agrários adormecidos.

A invisibilidade das comunidades rurais quilombolas no Brasil, e no Ceará em particular, é reflexo de uma ordem jurídica dominante e elitista e expressa também uma violência simbólica contra o povo negro. A característica principal dessa ordem jurídica é a exclusão e a criminalização daqueles que lutam para permanecer em suas terras de herança, usufruto e ocupação tradicional, terras que, em muitos casos, os grupos étnico-raciais quilombolas ocupam desde os tempos da escravatura, quando seus ancestrais cativos se tornaram livresformalmente, mas sem direitos de cidadania e sem possibilidades de registrar as terras que passaram a ocupar em suas áreas de origem ou em outras áreas para onde migraram. Essa invisibilidade, que tem como base de sustentaçãoo controle de acesso à justiça, é uma modalidade de violação dos direitos humanos.

A Lei de Terras de 1850 contribuiu decisivamente para tornar invisíveis os africanos e seus descendentes, na medida em que estabeleceu um novo ordenamento jurídico-territorial para o País, excluindo do direito àpropriedade da terra os escravos e negros alforriados, bem como seus descendentes. Essa Lei teve um caráter racista incontestável e um poder de favorecimento das elites rurais indisfarçável. Porém, o processo de racialização introduzido por essa lei é sutil e passou a legitimar as diversas formas de favorecimento das elites rurais, a partir da concepção de um suposto direito universal que não inclui os quilombolas.

Dentre os direitos sociais emanados da Constituição Cidadã de 1988, surgiu pela primeira vez o reconhecimento legal das chamadas comunidades remanescentes de quilombos, no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. Combinado com esse direito constitucional, veio o princípio da autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais, estabelecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é um dos países signatários. Por esse princípio, as comunidades quilombolas passaram a ter garantido o direito de se autodefinirem como tal.

O direito quilombola emerge no cenário da redemocratização do País, após 2 décadas de ditadura militar, como um elemento representativo de grupos étnico-raciais até então invisíveis no cenário político nacional. Emerge como demanda de grupos com reduzido grau de mobilização política. Mas nem por isso as demandas desses grupos podem ser consideradas menos legítimas ou ancoradas em premissas falsas. O art. 68 do ADCT da Constituição Federal foi regulamentado pelo Decreto nº 4.887, assinado pelo Presidente Lula em 20 de novembro de 2003, que atribuiu ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA a responsabilidade pelo reconhecimento, identificação, demarcação e titulação dos territórios quilombolas, com base em critérios de autoidentificação das comunidades e em estudos técnico-científicos que comprovem as demandas quilombolas, mediante pesquisas de campo de natureza antropológica, agronômica e cartográfica.

No caso do Ceará, o trabalho de demarcação de territórios quilombolas desenvolvido pelo INCRA tem revelado alguns conflitos agrários adormecidos ao longo do tempo, como são os casos das comunidades quilombolas de Queimadas, em Crateús, e de Três Irmãos, em Croatá. Em ambos os casos temos comunidades quilombolas que se autodefiniram como tal e que já são certificadas pela Fundação Cultural Palmares como comunidades remanescentes de quilombos, o que significa que já têm sua identidade étnico-racial reconhecida pelo Governo Federal. Porém, a partir do momento em que essas comunidades requereram do INCRA a identificação e demarcação de suas terras de ocupação tradicional, em cumprimento ao Decreto nº 4.887, de 2003, os conflitos agrários adormecidos vieram à tona.

No caso da Comunidade Quilombola de Queimadas, em Crateús, o processo de demarcação já deveria estar numa fase bem mais avançada, mas está emperrado há mais de 2 anos em virtude de inúmeras contestações feitas por proprietários contrários aos interesses dos quilombolas. Esses proprietários têm contado com o apoio de diversas autoridades municipais e estaduais, tanto do Poder Executivo quanto do Legislativo, que agem contra os direitos quilombolas. No caso da Comunidade Quilombola Três Irmãos, em Croatá, há um litígio antigo da comunidade com o único proprietário das terras onde vivem, e este tem utilizado de todos os meios, legais e ilegais, para pressionar e tentar expulsar os quilombolas de suas áreas de uso e ocupação tradicional, usando inclusive da violência física e psicológica e da força policial de Croatá, mas os quilombolas resistem em suas áreas de posse tradicional, tendo inclusive seu direito de manutenção de posse confirmado pela Justiça Estadual, em primeira e segunda instâncias.

Portanto, deixo aqui registrada na tribuna desta Casa a minha solidariedade a essa luta justa, ressaltando a importância da criação de políticas públicas para os negros. Que essa luta se torne visível para o povo brasileiro!

Sr. Presidente, nos dias 24 e 25 do mês passado, realizamos, com apoio do INCRA Nacional, o 1º Seminário de Regularização Fundiária dos Territórios Quilombolas. O seminário significa um avanço do Governo do Presidente Lula em reconhecer essas áreas, que, em sua grande maioria, são áreas de conflitos, tomadas das comunidades quilombolas, registradas em cartório de forma irregular, cujas famílias, muitas vezes, não recebem assistência do Estado brasileiro.

Parabenizo o jovem Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do INCRA, Dr. Richard, também da Superintendência Estadual do INCRA do Ceará, que apoiou o encontro realizado em Crateús. A Prefeitura de Crateús também deu suporte para que o encontro fosse realizado. E de lá saiu uma carta feita em comum acordo com o movimento estadual negro do Ceará. De acordo com a carta, o movimento quilombola no Ceará iráresistir. O movimento conta com o apoio da bancada federal do PT para que a regularização fundiária dos territórios quilombolas seja feita, por ser um direito de cidadania, um direito humano.

Fonte: Camara dos Deputados

Sr. Presidente, gostaria que este pronunciamento fosse divulgado pelos meios de comunicação da Casa, principalmente pelo programa A Voz do Brasil.
Muito obrigado

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