Os percalços da união civil homossexual no Brasil

Recentemente, a Argentina se tornou o primeiro país latino-americano a autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A decisão pressiona o vizinho Brasil a intensificar o debate público sobre o tema e fazer com que ele chegue ao Executivo e ao Legislativo nacionais. “Depois de muitos anos de conservadorismo, temos agora a possibilidade de colocar este tema na agenda do Brasil. Vi os candidatos à presidência discutindo essa questão e isso é muito positivo”, explica o deputado federal José Genoino (PT-SP).

Genoino é o autor do projeto de lei que pretende legalizar a união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. “A discussão sobre esse projeto levanta uma visão democrática e pluralista da sociedade, de tolerância de valores. Temos que enfrentar estes obstáculos políticos e ideológicos”. Confira a íntegra da entrevista com o parlamentar abaixo.

Fórum – Como surgiu a ideia de elaborar um projeto pela legalização da união estável entre pessoas do mesmo sexo?

José Genoino – Estamos tratando deste tema no Congresso Nacional desde a Assembléia Constituinte de 1988. Na ocasião, apresentei uma emenda à Constituição estabelecendo o direito à orientação sexual e ela foi rejeitada. Depois, em 1995, começamos a trabalhar com o projeto da então deputada Marta Suplicy, elaborado antes do novo Código Civil e que tem como base a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com as mudanças feitas no novo Código e com a nova Constituição, estabeleceu-se a união estável como parâmetro familiar.

Nesta nova versão do documento, suprimimos a parte do casamento e adoção e focamos nos direitos civis de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo. Seja para aquisição de bens, previdência, herança, situação jurídica após a morte de um dos parceiros. Com isso, trabalhamos com uma visão mais ampla, o que, no meu modo de entender, facilita a tramitação no Congresso. O projeto foi apoiado por parlamentares de todos os partidos.

Fórum – Quais são os principais pontos do projeto?

Genoino – A essência dele é simples. Aplicamos o conceito de união estável estabelecido no novo Código Civil, excluindo o casamento e a adoção, para fins de direitos e deveres entre pessoas do mesmo sexo. Com isso essas pessoas passam a ter liberdade para fazer contratos, conta em banco, adquirir bens, enfim, todos os direitos civis do cidadão podem ser exercidos, independentemente de sua orientação sexual. Excluindo o casamento, diminuímos a resistência de setores da Igreja e outros setores conservadores, e colocamos a questão num terreno amplo. E esse é um projeto que está sendo trabalhado para ser aprovado após a eleição.

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Fórum – Quantos projetos existem em tramitação no Congresso?

Genoino – Existem muitos projetos, inclusive opostos, que criminalizam e não reconhecem a relação entre pessoas do mesmo sexo. Isso é a barbárie. Há o projeto da Marta Suplicy, que trabalha com a união civil, e também o do Clodovil, que trata especificamente de adoção. E o meu projeto, que amplia a visão de direitos e deveres civis.

Estes três últimos dialogam entre si, pois partem de uma base comum que é o conceito de união estável. O projeto que apresentei ao Congresso Nacional foi preparado pela organização do movimento LGBT e tem a adesão de vários partidos, sejam eles de esquerda, direita, oposição ou situação.

Fórum – Você acredita que a legalização da união estável entre homossexuais na Argentina pressiona o Brasil a também adotar a medida? É possível que, caso o Congresso brasileiro rejeite o projeto de lei, o país fique com uma imagem retrógada?

Genoino – O Brasil foi o primeiro país a tramitar um documento dessa natureza e não pode ser o último a aprovar. Não podemos ficar com essa visão ultrapassada. O fato de a Argentina ter discutido a questão no Senado e no Congresso faz com que o tema entre na nossa agenda. A discussão está se dando na Espanha, lá o Parlamento aprovou e agora resta a decisão da Justiça. A importância dessa exposição é que o tema não fica sendo tratado como um tema marginal, pequeno. Este debate faz com que a sociedade se preocupe com o combate ao preconceito.

Depois de muitos anos de conservadorismo, temos agora, a possibilidade de colocar este tema na agenda do Brasil. Ver os candidatos à presidência discutindo essa questão, e isso é muito positivo.

Fórum – Quais são os maiores entraves para que o projeto de lei seja aprovado no Congresso?

Genoino – Juridicamente não existem entraves, pois estamos amparados pelo novo Código Civil e pela Constituição, que é clara ao proibir qualquer tipo de discriminação por sexo, idade, etnia e orientação sexual.

Do ponto de vista político e ideológico, sim, encontramos entraves monstruosos. Como, por exemplo, a militância da Igreja Católica, que é contra a união civil entre homossexuais.  Em meus diálogos com a Igreja, muitas vezes conflituosos, digo que a religião não é uma lei da consciência. E perde o sentido quando ela quer definir o que é bom e o que é ruim para a sociedade. A religião é uma relação de subjetividade com uma crença, um valor, e não pode ser transformada numa questão de Estado.

A discussão sobre esse projeto levanta uma visão democrática e pluralista da sociedade, de tolerância de valores. Temos que enfrentar estes obstáculos políticos e ideológicos.

Fórum – Como o novo presidente da república deverá conduzir esta questão?

Genoino – O debate já está dentro do governo, com a I Conferência Nacional LGBT, realizada pelo nosso governo. Lá discutimos e implantamos políticas públicas que contam com investimentos do governo federal para programas de combate à homofobia.

No meu modo de entender, a questão da união civil entre pessoas do mesmo sexo não pode ser tratada de maneira partidária nem ideológica. E sim dentro de uma visão pluripartidária e suprapartidária. Desejo que o próximo presidente sancione o projeto a favor da legalização.

Fórum – Como lidar com a opinião pública brasileira, que em sua maioria tem uma visão preconceituosa sobre o assunto?

Genoino – Sempre trabalhei com esse tema e já houve maior hostilidade por parte da sociedade. Participei de todas as paradas do orgulho LGBT e nas primeiras tinha até perseguição, xingamento, atos de violência. Agora, o assunto está ganhando relevância com o apelo dado, o tema está sendo discutido. É uma questão de respeito às opiniões contrárias à sua, ou seja, as pessoas têm que deixar este individualismo de lado para trabalhar com base em uma visão solidária. E este debate tem sido bem sucedido.

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