Quanto vale a dor de uma pessoa preta?

FONTEPor Ana Paulo Cristina Oliveira Freitas, enviado ao Portal Geledés
Foto: Stock/Adobe

Como é de conhecimento de todos, o Brasil ostentou o regime escravocrata por 300 anos. Após a Lei Áurea a liberdade não alcançou a população negra, vez que o estado recorreu à legislação, especialmente os Códigos Penais, para segregar os negros. Então, a senzala foi proibida, mas as cadeias, instituto disciplinar e manicômios estavam de portas abertas para receber e excluir esse público.

Após anos de lutas buscando a igualdade, batalha que não se encerrou com a promulgação da Constituição Federal, a população negra continua sendo excluída do desenvolvimento social, e sofrendo com o racismo.

Para manutenção da resistência, em um estado dito democrático, o judiciário é, ou deveria ser, a ferramenta aliada para buscar a igualdade preconizada na Carta Magna. Contudo, em que pese a população negra resiste e busque equiparação histórica, o judiciário também resiste e nos nega proteção dos direitos fundamentais.

Sentenças por condutas discriminatórias, racistas, ainda demonstram o racismo estrutural que ergueu o poder judiciário do país. Diversas decisões que visam reparação financeira em decorrência de um dano moral, condenam ao pagamento com valor irrisório, afastando de que a vítima, a pessoa negra, não enriqueça ilicitamente. Afinal, não podemos fazer o que eles fizeram, não é?

Pedidos de R$ 100.000,00 (cem mil reais) são reduzidos a um valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para evitar enriquecimento ilícito, discursando que ao fixar o valor fora ponderado sobre os objetivos do instituto da indenização por dano moral. Contudo, considerando um país que ostentou 300 anos de escravidão, e após a abolição buscou formas de manter o controle sobre os corpos da população negra, indenizações por discriminação não deveriam corrigir efetivamente? Como manter um argumento de enriquecimento sem causa em um país com o histórico do Brasil? Pensando ainda, que no país a taca de homicídio entre negros chega a ser 37,8 a cada 100 mil habitantes, como dizer que condutas que coadunam com o extermínio da população negra não podem acarretar enriquecimento injusto?

O que justifica esses argumentos, e desfoque sobre a realidade social brasileira, é o racismo estrutural e institucional. Que por mais que assumam que existe a discriminação racial, e que coíbem toda prática discriminatória, é visível que inexiste empatia e empenho para alcançar os objetivos contidos na Constituição Federal de 1988, bem como, a verdadeira igualdade e estado democrático.

As sentenças de casos que levantam a discussão da discriminação racial, demonstram uma esquiva do judiciário em garantir a dignidade da pessoa humanos aos negros, conforme preconiza a Carta Magna. Da mesma forma, esquivam-se da responsabilidade social para erradicar a desigualdade, e promover o bem de todos sem qualquer discriminação, para tanto, recorrem ao argumento de enriquecimento injusto e mero aborrecimento.

Questiona-se: como promover o bem de todos, se acreditam que uma indenização pode acarretar enriquecimento sem causa?

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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