Ser LGBT é ainda mais complicado para uma pessoa gorda

Traduzido do artigo de Charlotte Morabito para o site The Establishment

No Lado Bi 

Eu saí do armário como uma pessoa gorda para mim mesma há mais ou menos cinco anos. Eu também saí do armário para mim mesma como uma pessoa bissexual por volta da mesma época. Os dois processos aconteceram gradual e mutuamente.

“Acho que há um processo de sair do armário sobre ser gordo que raramente é discutido”, escreveu a dra. Carla Pfeffer, professora assistente de Sociologia e Estudos de Genero e Femininos na Universidade da Carolina do Sul, em entrevista por e-mail. A dra. Pfeffer realizou pesquisas aprofundadas sobre as implicações sociológicas que envolvem a gordura e a sexualidade.

“As pessoas assumem que, como a gordura é tão visível, não há necessidade de uma pessoa sair do armário como gorda”, continua a dra. Pfeffer. “Mas algumas pessoas consideram declarar-se gordo uma maneira de apropriar-se e tomar as rédeas do discurso que cerca a gordura.”

Segundo as sociólogas Abigail Saguy e Anna Ward, “declarar-se gordo envolve uma pessoa que é facilmente reconhecida como gorda afirmar para si mesma e para os outros que sua gordura é um aspecto não-negociável de quem ela é, ao invés de considerá-la um estado temporário a ser remediado por meio da perda de peso”.

Quando uma pessoa gorda afirma para si mesma e para os outros que sua gordura é parte de sua identidade, não algo que ela tem que mudar a respeito de si mesma, ela está tomando uma atitude radical de amor próprio e de autoaceitação. Declarar-se gordo significa recusar-se a ser um “gordinho comportado”.

Viver num corpo gordo frequentemente complica como uma pessoa vivencia sua sexualidade e sua expressão de gênero. “Por causa das mensagens odiosas e onipresentes a respeito da gordura – que ela é feia, nojenta, suja, pouco atraente e não-saudável – muitas pessoas gordas têm dificuldade para abrir-se para o sexo e sua sexualidade”, afirma Pfeffer.

O apagamento sexual das pessoas gordas ocorre seja a pessoa em questão heterossexual ou homossexual. Esse apagamento torna-se mais difícil de navegar quanto mais “fora do padrão” se torna a sexualidade dessa pessoa gorda. Gordos gays e cis são vistos como “afeminados” porque são gordos, então são duplamente atingidos pelo mote “não curto gordos nem afeminados”. Gordas lésbicas e cis têm que lidar com a narrativa de que escolheram serem lésbicas porque é impossível que um homem sinta atração por seus corpos gordos. E uma pessoa trans gorda, não importa sua sexualidade ou gênero, tem que encarar as expectativas da sociedade para que se passem por pessoas cis e a maneira como sua gordura desafia os padrões de gênero.

“Nossas identidades sexuais e de gênero dependem tanto de nossos corpos e das maneiras como nós os vemos, os consideramos e os compreendemos, tanto no mundo como em relação aos corpos das outras pessoas”, explica Pfeffer. “Quando se vive numa cultura que continuamente manda a mensagem de que seu gênero depende de seus genitais ou de seus cromossomos, ou que seu corpo só pode ser considerado atraente, saudável, digno de cuidado e desejável se seus contornos encontram-se dentro de certas métricas e parâmetros muito estreitos, a reação natural é começar a se sentir desconectado do próprio corpo.”

Assim como ser publicamente queer ou publicamente trans, ser publicamente gordo e não sentir culpa por isso é um ato político. Declarar que não se sente vergonha nem por ser gorda nem por ser queer e/ou trans exige uma quantidade enorme de esforço emocional que muitas pessoas esbeltas, heterossexuais e cisgênero sequer imaginam. As pessoas gordas da comunidade LGBT são forçadas a batalhar com vários fatores ao tornarem-se visíveis: justificarem seus corpos gordos, justificarem sua identidade queer, justificarem sua identidade de gênero e como se expressa esse gênero com um corpo gordo.

Pessoas bissexuais, pansexuais ou onissexuais, queer ou trans, muitas vezes têm que ouvir que seus corpos já são excessivos. A “cobiça” personificada em seus corpos tende a ser enxergada também em suas sexualidades. Além da gordofobia, transfobia e homofobia, pessoas gordas que não são monossexuais têm também que lidar com o monossexismo, também chamado de bifobia. A bissexualidade frequentemente é apagada pela narrativa de que mulheres bissexuais são apenas mulheres hétero que estão “experimentando”. Da mesma forma, homens bissexuais costumam serem considerados gays que não querem sair do armário. (É interessante considerar que esses dois métodos de se apagar a bissexualidade acabam com a pessoa bissexual em questão, no fundo, “gostando de homens desde o começo”.)

Cada vez que temos que nos deparar com atos de violência homofóbica, nós dentro da comunidade queer temos que processar as implicações dessa agressão. Qual é o significado de se insistir em ser visível como pessoa queer e/ou trans? Declarar-se queer ou trans é um ato político. Sair do armário significa que uma pessoa queer ou trans insiste em ser visível numa sociedade heteronormativa que deseja apagar sua sexualidade e identidade de gênero. Numa definição simples, sair do armário é se recusar a se fazer passar por uma pessoa heterossexual e/ou cisgênero.

Ter que me defender e defender minha própria identidade é algo tão exaustivo que às vezes eu chego a pensar se vale a pena mesmo sair do armário (como gorda ou como queer). Isso quer dizer que tenho vergonha de ser quem eu sou? Não. Quer dizer que dou valor a minha integridade. E, perante tantos crimes de ódio contra pessoas LGBT – e principalmente pessoas LGBT negras e latinas – isso pode ser um ato de autopreservação.

A gordofobia mata pessoas: por meio de procedimentos médicos irresponsáveis, por meio de distúrbios alimentares, por meio de suicídios.

A homofobia e a transfobia matam pessoas: por meio de crimes de ódio, por meio de expulsões, por meio de suicídios.

Essas formas de opressão não podem serem ignoradas, especialmente quando coexistem. Para pessoas gordas e queer, nossa identidade sexual e de gênero está intrinsecamente ligada à nossa gordura, por causa da maneira como nossos corpos são vistos. Reconhecer os riscos adicionais de se declarar gordo e queer é um passo necessário para que tenhamos os recursos, apoio e inclusão de que precisamos.

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