Tia Ciata

FONTEPor  Fabio Gomes, jornalista do blog Foto & Cinema
Tia Ciata é considerada matriarca do samba brasileiro e referência do candomblé no início do século DIVULGAÇÃO / ACERVO DA ORGANIZAÇÃO CULTURAL REMANESCENTES DE TIA CIATA

A imagem que temos hoje de Tia Ciata surgiu em maio de 1949, quando o radialista e pesquisador Almirante realizou na Escola Nacional de Música (Rio de Janeiro) a conferência O Samba Não Nasceu no Morro, com o apoio musical de Aracy de Almeida e O Pessoal da Velha Guarda. Almirante buscou demonstrar que era uma lenda afirmar que o samba teria nascido no morro; ele seria, ao contrário, o resultado de uma série de manifestações de origem negra que se concentraria, particularmente, na Cidade Nova. Citou como exemplo que o “Pelo Telefone”, que considerava o primeiro samba gravado, nasceu em 1916 na casa de tia Ciata, na rua Visconde de Itaúna, 117, freqüentada por músicos que nunca haviam morado no morro. As festas na casa de tia Ciata serviam ainda para a divulgação de sambas novos, pois o rádio ainda não existia, as festas da Penha aconteciam apenas nos domingos de outubro e era difícil o acesso dos compositores mais humildes aos empresários do teatro de revista para colocar suas músicas.

Almirante fixou portanto nesta conferência não apenas o modo como Hilária Batista de Almeida seria conhecida pela posteridade – seu apelido variava até então entre Ciata, Asseata, Assiata, Siata, Seata e Asseiata – mas também o seu caráter de uma anfitriã do samba, aspecto ao qual foi sendo dada gradativamente maior importância à medida em que “Pelo Telefone” deixou de ser considerado apenas o primeiro samba gravado, para ser apontado como o primeiro samba a ser composto. Passa-se então a se referir a casa de tia Ciata, ou mais especificamente o seu quintal, como “o berço do samba”, e nisso se resume quase tudo o que dela tem sido dito (inclusive poucas vezes se tem buscado apontar as causas que tornariam sua casa tão especial).

Muitos outros sambas foram gravados e muitos mais ainda compostos antes do “Pelo Telefone”, que, deste modo, não tem como ser considerado um “ponto inicial” do samba, embora seja inegável seu papel histórico de ter sido o primeiro samba a fazer grande sucesso no Carnaval carioca, sendo cantado em toda a cidade, e não apenas no círculo que o gerou, como era comum até então. Felizmente o valor de tia Ciata não se resume a seu hipotético papel de ser a dona do quintal “berço do samba”.

Embora da pessoa, mesmo, de tia Ciata poucas informações circulem, a simples menção do seu nome desperta um sentimento positivo em quem ouve. Certamente foi por isso que os cariocas Leandro Braga (pianista), Carlinhos Sete Cordas (violonista) e Armando Marçal, Marcelinho Moreira, Ovídio Brito e Zero (percussionistas) deram o nome de “Tia Ciata” a seu grupo de samba instrumental.

Não foram nada positivas, porém, as menções que o jornalista João do Rio fez a tia Ciata na Gazeta de Notícias em 1904. Ele publicou nesse jornal carioca uma série de textos sobre as diversas práticas religiosas existentes então na capital federal.

Estes textos são considerados hoje o marco inicial da reportagem no Brasil – pela primeira vez um jornalista saía da redação e ia às ruas em busca do assunto sobre o qual escreveria. Só o fato de os textos terem sido publicados no mesmo ano em livro (intitulado As Religiões do Rio) e de este ter merecido uma segunda edição (fato raro na época) já em 1906 atesta seu sucesso.

A série abre falando dos cultos afro-brasileiros (qualificados por João do Rio como “feitiços”). Tia Ciata aparece como Assiata em três desses textos: “As Iauô” (12 de março), “O Feitiço” (14 de março) e “A Casa das Almas” (16 de março). O autor a considera uma “feiticeira de embromação”, que fingia ser mãe-de-santo e trabalharia com “três ogans falsos” (“João Ratão, um moleque chamado Macário e certo cabra pernóstico, o Germano.”). Seria ainda uma “exploradora”, uma “negra baixa, fula e presunçosa”. O fato de Assiata, em sua visão, não ser uma legítima mãe-de-santo teria sido a causa de uma grande confusão em sua casa, na Rua da Alfândega, 304, quando “meteu na festa de Iemanjá algumas iauô feitas por ela”, o que causou “um escândalo dos diabos”: “os pais-de-santo protestaram, a negra danou, e teve que pagar a multa marcada pelo santo.” Acusou-a ainda de ter posto “doida” uma “senhora distinta” da Tijuca, “dando-lhe misturadas para certa moléstia do útero.” João do Rio não informa o que a teria levado a fazer isso.

Talvez não considerasse necessário, pois em As Religiões do Rio ele afirma que todos os praticantes de cultos afro-brasileiros eram “feiticeiros” que “formigam no Rio, espalhados por toda a cidade, do cais à Estrada de Santa Cruz” e que estavam espalhando o mal fora do limite do “estreito meio dos negros”. Não era, portanto, algo pessoal de João do Rio contra tia Ciata. Por essa mistura da opinião do autor com a exposição do fato ao leitor, a série As Religiões do Rio dificilmente seria considerada reportagem no quadro jornalístico atual, estando mais para o ensaio.

Bem, ao menos o endereço de Ciata fornecido por João do Rio está livre de contestação. Com efeito, ela ainda morava no Centro nesta época. Aliás, residia na Rua da Alfândega desde que chegara da Bahia, provavelmente em 1870 (ou pouco depois). Nascida em Santo Amaro da Purificação no dia de São Jorge, 23 de abril, em 1854, teria então 16 anos. Mesmo tão jovem, já participara da fundação da Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira, outra cidade do Recôncavo baiano. A Irmandade existe até hoje e é do seu acervo a foto de tia Ciata que ilustra este texto (pela qual agradecemos a Valmir da Boa Morte).

Ao chegar à Corte, Ciata foi morar na casa do baiano Miguel, casado com outra conterrânea, Amélia Quindunde. A residência do casal na Rua da Alfândega era uma espécie de “consulado baiano” no Rio. Por essa época, começavam a chegar à capital grande número de ex-escravos baianos, que tinham saído da terra natal levados para trabalhar nas lavouras de café do Vale do Paraíba, na província do Rio de Janeiro; essa migração foi aumentando conforme se aproximava o fim do regime escravocrata e continuou após a assinatura da Lei Áurea (1888). Perto do final do século 19, baianos e nordestinos que haviam sido soldados nas expedições enviadas contra Canudos também se fixaram no Rio.

A maioria escolhia a região central da cidade, indo morar nas casas de cômodos, também chamadas cortiços ou cabeças-de-porco. Estes palacetes construídos ao tempo da Colônia ou do Império estavam sendo abandonados pela antiga nobreza, incomodada pelo aumento da população pobre na área abrangida hoje pelo Centro e área portuária (Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Morro da Providência ou da Favela), incluindo inicialmente os morros do Castelo e Santo Antônio (demolidos mais tarde) e avançando depois em direção à Zona Norte (morros da Mangueira, Salgueiro e Santos Rodrigues, também chamado de São Carlos e hoje mais conhecido como Estácio).

No começo do século 20, quase um quarto da população carioca vivia em cortiços, mesmo com as sucessivas campanhas da Prefeitura contra esse tipo de habitação, ora apontada como a causa de epidemias como as de varíola e febre amarela, ora como fator de insegurança do restante da população. Foi pensando em saneamento que o prefeito Barata Ribeiro ordenou a derrubada de cabeças-de-porco em 1893. Já a famosa política do “bota-abaixo” de seu sucessor, Pereira Passos, em 1904, visava tornar o Rio de Janeiro uma cidade capaz de rivalizar com as maiores capitais européias, tendo Paris como modelo assumido. A partir daí, como o Centro não mais poderia ter casas de cômodos, seus antigos ocupantes se transferiram para a Zona Norte ou para a Cidade Nova – caso de tia Ciata, que se estabeleceu então no famoso endereço da Rua Visconde de Itaúna, 117, em frente à Praça Onze, onde morou até morrer, em 1924. O casarão era uma legítima casa de cômodos, com seus 6 quartos, 2 salas, um longo corredor e quintal com árvores (um abacateiro, ao menos). Parte da família seguiu, porém, morando na Rua da Alfândega: foi lá que em 1909 nasceu Bucy Moreira, mesmo com a determinação de Ciata para que seu neto viesse ao mundo no casarão. Poucos meses depois, o futuro grande sambista mudou-se com a família para a Rua Minervina, perto da Praça Onze.

Além da Prefeitura, a imprensa também não tinha em bom conceito a Cidade Nova: em 1905 a revista Renascença publicou uma matéria intitulada “Onde moram os pobres”, mencionando a Visconde de Itaúna como uma das ruas onde as casas de cômodos escondiam “a negra miséria de uma população enorme”. É difícil avaliar hoje o real teor racista da expressão “negra miséria” nesse contexto. De todo modo, é bom acrescentar que eram vizinhos de tia Ciata também imigrantes italianos, caixeiros, tipógrafos e funcionários públicos. (A Visconde de Itaúna não existe mais, desapareceu quando das obras para a abertura da avenida Presidente Vargas).

Ah, e claro, a afirmação de João do Rio sobre tia Ciata ser falsa mãe-de-santo não tem o menor fundamento. Ela chegara ao Rio já iniciada: tivera a cabeça feita ainda na Bahia, no Ilê Iyá Nassô do Engenho Velho. No Rio, tornou-se filha-de-santo de João Alabá, de Omulu, cuja casa era considerada uma filial carioca de uma dissidência do Ilê Iyá Nassô em Salvador, o Ilê Axé Opô Afonjá. Antes de ter sua própria casa de candomblé, tia Ciata chegou a ser Mãe Pequena (ou seja, a substituta imediata do Babalorixá) da casa de João Alabá, que ficava na rua Barão de São Félix, no caminho da zona portuária para a Cidade Nova. Também eram filhas-de-santo de Alabá outras baianas amigas de tia Ciata: tia Amélia do Aragão (Amélia Silvana de Araújo, mãe de Donga), tia Preciliana do Santo Amaro (Preciliana Maria Constança, mãe de João da Bahiana), tia Mônica, tia Bebiana, tia Gracinda (esposa do sacerdote islâmico Assumano Mina do Brasil), e tia Sadata.

(Acrescente-se que, numa das poucas músicas que mencionam tia Ciata, é destacada sua ligação com os cultos afros. Na letra de “Quero Ser Teu Funk”, composta em 1991 de parceria com Dé e Liminha, Gilberto Gil recomenda ao Rio de Janeiro: “Lembra da Bahia, que um dia/ Já mandou Ciata, a tia/ Te ensinar quizomba nagô”).

Ainda morando em casa do “cônsul” Miguel, tia Ciata começou a vender doces, estabelecendo-se com tabuleiro na esquina das ruas Sete de Setembro e Uruguaiana. O cronista carnavalesco Vagalume afirma no livro Na Roda do Samba, publicado em 1933, que Ciata (a quem chama ora Asseata, ora Asseiata), quando moça, “era da classe das negas cheirosas” e chamava a atenção pelo trajar. Vestindo “saia bordada a ouro ou seda, sandália acompanhando o bordado da saia”, era admirada por outras baianas. Isto fez com que, mais adiante, Ciata ampliasse seu campo de atuação, primeiro alugando roupas como as suas para outras baianas de tabuleiro, vindo depois a manter uma equipe de vendedoras de doces a seu serviço nas esquinas do Centro. Tudo isso sem tirar seu tabuleiro da rua, pois Vagalume informa que ela vendia doces “mesmo depois de velha”. Essa era, segundo o cronista, a forma com que Ciata procurava ajudar o marido, o também baiano João Batista da Silva. João Batista iniciara – mas não concluíra – o curso de Medicina na Bahia, e durante boa parte da vida no Rio trabalhou na Imprensa Nacional. O casal teve 26 filhos.

Em seu trabalho na rua, tia Ciata não parece ter enfrentado problemas como os que sua conterrânea tia Tereza tinha com a polícia. Por algum motivo, a autoridade policial não queria que tia Tereza mantivesse o tabuleiro no Largo de São Francisco, transferindo-a para a Rua Uruguaiana, junto à grade da Igreja do Rosário. Como a implicância seguiu mesmo no endereço que o próprio chefe de Polícia havia fixado, ela conseguiu que Vagalume, que trabalhava no Jornal do Brasil, intercedesse junto ao coronel Meira Lima, garantindo-lhe que pudesse vender seus quitutes em paz na esquina das ruas do Rosário e Gonçalves Dias. Tia Tereza não vendia doces como tia Ciata; servia angu à baiana, picadinho com batata, arroz, carne assada, fígado de cebolada, lingüiça frita, peixe frito, farofa de ovo e mingau. Tendo trabalhado sempre à noite – talvez pelo fato de ser esposa do guarda-noturno Chaves -, a exposição contínua ao sereno lhe trouxe com o tempo problemas de saúde, o que fez com que tia Tereza passasse a atender a fiel freguesia em sua casa, à Rua Luiz de Camões.

A casa de tia Tereza já era conhecida por outros motivos: pelo abrigo que oferecia a órfãos, viúvas e menores abandonados (como observa Vagalume, “sem que a polícia lhe indenizasse as despesas de estadia de dias, semanas e às vezes, meses”); pelo busto de D. Pedro I na sala de visitas; e pelas afamadas festas que promovia. Uma delas, em honra a São Cosme e São Damião, teve tia Gracinda como rainha. O filho de tia Gracinda, Didi, era assíduo nas festas em casa de tia Tereza, a quem homenageou com este samba:

Esta gente enfezada/ Que nas pernas tem destreza/ Vem cair na batucada/ Na casa da tia Tereza./ Baiana do outro mundo/ Eu sinto a perna bamba/ O meu prazer é profundo/ Aqui na roda do samba.

Sua condição de saúde, mais a campanha do prefeito Pereira Passos contra as casas de cômodos do Centro, certamente contribuíram para a decisão de tia Tereza de voltar para Maragogipe, no Recôncavo baiano, onde nascera e de onde trouxera o apelido Tetéia (suas amigas baianas do Rio só a chamavam assim). Perdiam os sambistas um grande ponto de encontro. Diz Vagalume que “quer no tabuleiro, quer na residência da tia Tereza, é que os sambistas sabiam das novidades. Qualquer brincadeira que houvesse, tinha que ir ali – ao bureau de informações.”

Sendo irrevogável a decisão de tia Tereza seguir com Chaves para junto de seus parentes, só restava aos sambistas buscarem novo bureau. Se alguns podem ter ido para outro samba afamado da época, o de João Alabá, é certo que muitos preferiram a nova casa de tia Ciata, na Visconde de Itaúna, estrategicamente localizada perto da Praça Onze, da sociedade recreativa Paladinos da Cidade Nova – e, mais tarde, da sociedade carnavalesca Kananga do Japão (fundada como rancho em 1910). E bota “muitos” nisso: nos cerca de 20 anos que Ciata morou na Cidade Nova, freqüentaram sua casa outras tias baianas famosas na época – além de suas amigas que também eram filhas-de-santo de Alabá, acrescentem-se tia Dadá, tia Veridiana (mãe de Chico da Bahiana), tia Josefa Rica e tia Tomásia -, o jornalista Vagalume, o ator Alfredo de Albuquerque e importantes nomes da música popular como Hilário Jovino Ferreira, Donga, Pixinguinha, João da Bahiana, Heitor dos Prazeres, Sinhô, Caninha, Didi da Gracinda, Marinho que Toca (pai do compositor Getúlio Marinho), Mauro de Almeida, João da Mata, João Câncio, Getúlio da Praia, Mirandella, Mestre Germano (genro de Ciata), China (irmão de Pixinguinha) e Catulo da Paixão Cearense. Jota Efegê inclui João do Rio na relação, o que parece improvável, a julgar pelo que este escrevera contra a dona da casa em As Religiões do Rio.

Tal preferência não pode ser atribuída apenas à mera localização da residência. Outra passagem do livro Na Roda do Samba, de Vagalume, pode ajudar a esclarecer a questão. Depois de falar de como tia Ciata seguia vendendo doces para ajudar o marido, informa que “Nos dias de samba, candomblé ou carnaval, João Batista não podia contar com a esposa.

Em dia de candomblé, porque, como boa Mãe-de-Santo, ia ver arriar os orixás e levava em sua companhia as filhas Isabel, Pequena e Mariquita.

Em dia de samba, ela estava dentro da roda.

Quando era carnaval esquecia tudo, porque, foliona de primeiríssima, transformava a sua casa, quer na rua da Alfândega, quer ultimamente na rua Visconde de Itaúna (onde faleceu) em verdadeira Lapinha.

Rancho que saísse e não fosse à casa da Asseiata – não era tomado em consideração, era o mesmo que não ter saído.

Os sambas na casa de Asseiata eram importantíssimos, porque, em geral, quando eles nasciam no alto do morro, na casa dela é que se tornavam conhecidos da roda. Lá é que eles se popularizavam, lá é que eles sofriam a crítica dos catedráticos, com a presença das sumidades do violão, do cavaquinho, do pandeiro, do reco-reco e do ‘tabaque’.”

Aí está: além de receber os sambistas, como tia Tereza, ou recebê-los e ter em sua casa um centro de candomblé, como João Alabá, tia Ciata também fez de sua casa ponto de saída de ranchos carnavalescos – atividade a que tia Tereza não parece ter se dedicado, e que recebeu atenção apenas esporádica de Alabá (ele formou um rancho em estilo africano, que desfilou um ano só, em 1906). É digno de destaque também que ela, além de abrir sua casa para os sambistas, participava ativamente dos sambas que marcavam festas que ficaram famosas, como as que fazia para Cosme e Damião, em setembro, e para Oxum, em dezembro. Desde seus primeiros tempos no Rio, a beleza de Ciata e sua graça ao dançar já chamavam a atenção. Era exímia no miudinho, cujos passos ensinou a Bucy Moreira. Além disso, era partideira de destaque, sendo até apontada como uma das verdadeiras autoras do “Pelo Telefone” (chegamos lá). Essa enumeração de fatores que influíam na predileção dos sambistas pela casa de tia Ciata não estará completa sem que se mencione a relação que ela mantinha com a polícia.

Ao contrário do que costuma se afirmar, não havia nenhuma lei proibindo o samba no começo do século 20. Se considerarmos apenas o período que vai do sucesso do “Pelo Telefone” (1917) à morte de Ciata (1924), veremos que, em todos estes sete anos, sambas foram gravados em discos, impressos em partituras e cantados nos teatros, cafés, salões de baile e casas humildes – isto sem falar nas viagens dos Oito Batutas à França, em 1922, e à Argentina, em 1923.

O que havia era a repressão policial a manifestações culturais e religiosas das áreas pobres do Rio, o que incluía então a Cidade Nova e morros da Zona Norte, onde, como vimos, numerosas famílias negras foram morar depois que foram expulsas do Centro. Não parece ter havido base legal para essa repressão.

Embora, pela Constituição de 1891, existisse liberdade religiosa no país, os cultos afro-brasileiros não eram ainda oficialmente reconhecidos como religião (o que levou décadas para acontecer). Os locais onde se praticavam esses cultos eram chamados genericamente de “macumbas” e só podiam funcionar com licença da polícia. Sendo os adeptos dessas religiões moradores da área mencionada da cidade e também os responsáveis pela introdução do samba no Rio, é natural uma certa confusão a respeito. A própria polícia na época associava as coisas, e as fontes disponíveis permitem concluir que, para a repressão, o simples fato de se cantar samba em determinada residência da Cidade Nova seria um indicativo de que o lugar seria uma “casa de macumba”.

Que a repressão visava os cultos, deduz-se do que diz Vagalume, ao tratar da figura do pai-de-santo Cypriano Abedé: “As funções na casa de Sua Majestade Abedé eram permitidas pela polícia, em vista de ser ali uma sociedade de Ciências Ocultas, com organização de sociedade civil, sendo (…) os seus estatutos aprovados pela polícia” para a prática “da religião e danças africanas”. Isto porque Abedé era o único pai-de-santo com diploma de doutor em Ciências Ocultas, concedido por uma universidade norte-americana. Informa ainda Vagalume que
“Os grandes candomblés na casa de Sua Majestade Abedé eram precedidos de festas, dança e cânticos, em que o samba tinha preferência. Os sambas e os candomblés de Abedé, na rua João Caetano, 69, se recomendavam pela gente escolhida que os freqüentava e nos dias de tais funções, era de ver a grande fileira de automóveis naquela rua, sendo alguns de luxo e particulares na sua maioria. Era gente de Copacabana, Botafogo, Laranjeiras, Catete, Tijuca, São Cristóvão, enfim gente da alta roda que ali ia render homenagens a seu Pai Espiritual.”

Para dar uma idéia do prestígio de Sua Majestade Abedé, Vagalume arremata com a informação de que, numa festa que deu em setembro de 1930, compareceu até o filho do presidente da República, Washington Luís.

Se a medida de prestígio era o bom trânsito junto à Presidência da República, pode-se dizer que tia Ciata não tinha o que invejar em relação a Abedé. Ela foi chamada ao Palácio do Catete para tratar de uma ferida do presidente Venceslau Brás, que resistia a todos os tratamentos indicados pelos médicos. Curado por Ciata, Venceslau Brás expressou sua gratidão transferindo João Batista da Imprensa Nacional para a chefia de gabinete do chefe de Polícia. Assim, durante o mandato de Venceslau Brás (1914-18), as festas na casa de tia Ciata eram autorizadas, contando com o envio de dois soldados que iam fazer a segurança. (O prestígio da família com o poder sobreviveu a Ciata: em 1925, o chefe de Polícia conseguiu vaga para Bucy Moreira estudar na Escola Bom Jesus, em Paquetá, onde ele ficou até 1927.)

Outro presidente, o marechal Floriano Peixoto, foi um dos primeiros a receber a visita do Rancho Rei de Ouros, em 1894. O roteiro do rancho fundado na Pedra do Sal (Saúde) por Hilário Jovino, tia Gracinda, Marinho que Toca, Chica do Marinho, Cleto Ribeiro, Noela e Atanásio Calisto incluía ainda as redações dos jornais cariocas e a casa das irmãs baianas Candinha e Telva, à Rua São Pedro (mais uma rua que desapareceu quando da construção da Av. Presidente Vargas). Além de procurar o favor presidencial, outra providência adotada por Hilário logo após criar o Rei de Ouros em 6 de janeiro de 1893 foi licenciá-lo na polícia.

Se há precedente para a busca desse registro por parte de Hilário – era o que, em seu Pernambuco natal, faziam os sambas que saíam no carnaval do Recife desde 1886 -, sua decisão de mudar a data de saída do rancho foi revolucionária. Até ali, os ranchos existentes no Rio, de modo semelhante aos da Bahia, saíam na época dos festejos natalinos, percorrendo as casas da vizinhança cantando e “tirando Reis” (pedindo dinheiro). Era o que fazia o Dois de Ouro, rancho que já existia na Saúde, fundado por Leôncio de Barros Lins. Os pastoris e ranchos cariocas tinham como ponto de encontro no Natal o Largo de São Domingos. Coube ao Rei de Ouros o pioneirismo de ser o primeiro rancho carioca a passar a desfilar no carnaval.

Outra grande contribuição de Hilário foi adaptar a estrutura tradicional dos ranchos baianos, fixando nos ranchos cariocas funções como as do mestre-sala e da porta-bandeira, lançando assim as bases do que viriam a ser as escolas de samba. Estas, a começar pela Deixa Falar, fundada no Estácio em 1928, seguiram os modelos vigentes nos ranchos. Inclusive tendo o mesmo cuidado de obter um registro na polícia, para mostrar o caráter “sério” da agremiação, que a partir do gesto de Hilário todos os ranchos adotaram.

Vagalume aponta os ranchos como uma evolução natural dos grupos que já desfilavam no carnaval. Os sambistas que representavam nos cordões os velhos, palhaços e as figuras do “Pai João” e do “Rei de Diabo” formavam blocos de sujos na manhã da Terça-Feira Gorda, animando o carnaval das 8 horas até o meio-dia com trotes e críticas. Entusiasmados com os sujos, “os ases do samba” criaram primeiro “um rancho à moda da Bahia – o ‘2 de Ouro’ e logo a seguir fundaram o Rei de Ouro, vindo depois a Rosa Branca”.

E quem eram estes ases do samba? Vagalume menciona “Hilário, Cleto, Germano Theodoro (Massada), Assumano, falecido em 22 de julho de 1933, Galdino, Oscar Maia, João da Harmônica, Marinho que Toca, Bambala, Maria Adamastor, Maria de Santo Amaro, Asseata, João Alabá, Zuza, a gente toda do terreiro de Sua Majestade Cypriano Abedé, Gracinda, uma das mais lindas baianas e falecida no mês de janeiro de 1933”. Sem dúvida, todos eles só podiam aprovar a idéia de Hilário de fazer os ranchos desfilarem no carnaval, permitindo-lhes uma liberdade maior do que a reservada à época para manifestações públicas no período natalino.

Seguiu inalterada, é evidente, a reverência dos ranchos às baianas notáveis. Em crônica de 1921, Vagalume lembrava que rancho que não fosse à casa de tia Ciata ou de tia Bebiana “era considerado como não tendo saído no Carnaval”. Tia Bebiana morava próxima ao Largo de São Domingos, para onde levava sua lapinha, e onde recebia a reverência dos ranchos que faziam questão de cumprimentá-la. Jota Efegê localizou um “apedido” publicado no Jornal do Brasil em 1906, assinado por Hilário Jovino, então presidente do rancho Jardineiras, convidando todos os ranchos a comparecerem à casa de tia Bebiana no nº 7 do Largo de São Domingos, para levar a lapinha e receber os ramos. A casa de tia Sadata, na Saúde, de onde já saía o Dois de Ouro, veio a ser também a sede do Rancho das Sereias. Da casa de tia Ciata, saíram, em épocas distintas, dois ranchos, o Rosa Branca e O Macaco é Outro.

O Rosa Branca contou entre seus integrantes Hilário Jovino. E Dedé, Abut e Germano faziam parte da diretoria d’O Macaco é Outro, que tinha como principais pastoras Ziza, Catita e Pequena. Também foram fundadores Ascendino, Gervásio, Manuel Pereira e Oscar Maia (que em 1907 criara outro rancho, o famoso Ameno Resedá). Didi da Gracinda somou-se ao grupo d’O Macaco, para o qual trouxe seu samba que homenageava tia Tereza (“Esta gente enfezada/ Que nas pernas tem destreza…).

O Macaco… fez seu primeiro desfile no domingo de Carnaval de 1910, tendo como mestre-sala Germano e como porta-estandarte Lili (Licínia da Costa Jumbeba, 16 anos, a neta mais velha de Ciata). O rancho saiu da Visconde de Itaúna em direção ao Catete, onde visitou seus coirmãos Ameno Resedá, Flor do Abacate, Mimosas Cravinas e Corbeille de Flores. Na rua, seus componentes cantavam: “Já fugiu meu macaquinho/ Coitadinho!/ Quem nos dará razão/ Que macacão!”. Dias antes, ao se preparar para o desfile, em casa de Ciata, O Macaco cantou outra marcha (“Meu macaco feiticeiro/ Engraçado e tentador/ Meu macaco tão faceiro/ Da vitória é o portador.)” ao receber a visita de Vagalume, que elogiou o novo rancho no Jornal do Brasil. Marinho da Costa Jumbeba, irmão de Lili, aprendeu com Germano a técnica deste como mestre-sala (que Jota Efegê definiu como “coreografia leve, elegante, sem lances de acrobacia”) para sucedê-lo à frente dos desfiles d’O Macaco.

Até 1910, os ranchos simplesmente desfilavam, sem se apontar um deles como “vencedor do Carnaval”. Porém, ao resolver que seu desfile em 1908 aludiria à Corte Egipciana, o Ameno Resedá introduziu o conceito de “enredo” no Carnaval. Outras agremiações o imitaram, o que levou o Jornal do Brasil a encampar a idéia do diretor de harmonia dos Paladinos Japoneses, Barnabé Bouis, de haver uma comissão julgando os desfiles dos ranchos. Assim, a partir de 1911, o jornal passou a patrocinar anualmente o desfile competitivo na avenida Rio Branco, em frente à sua redação, no domingo de Carnaval – o “Dia dos Ranchos”. Desta forma, o espírito de confraternização que unia os ranchos na visita à lapinha de tia Bebiana no largo de São Domingos foi dando lugar à competição entre as diferentes agremiações (que está na base do atual concurso das escolas de samba).

Embora alguns autores afirmem que o samba “Pelo Telefone” foi composto em casa de tia Ciata durante um ensaio do Rosa Branca, isto me parece pouco provável, levando em conta as informações de Jota Efegê de que este rancho foi criado em 1900 e teve curta duração, já não existindo quando do primeiro desfile d’O Macaco é Outro, em 1910. Assim, o mais provável é que “Pelo Telefone” tenha nascido numa festa de partido-alto. Donga conta que, ao se iniciar um samba, combinava-se se ele seria corrido ou partido-alto (Almirante informa que na casa de tia Ciata também se fazia o samba raiado).

A lenda do samba proibido pela polícia tem usado à exaustão como justificativa uma frase de Pixinguinha: a de que na casa de tia Ciata se fazia samba no quintal e choro na sala, “o samba era separado pelo degrau.” Isto porque, segundo a lenda, o choro na parte da frente da casa serviria para abafar o som do samba, que não seria deste modo percebido pela polícia na rua. É difícil entender como essa lenda prosperou, por pelo menos três motivos: primeiro, como o choro não usava percussão na época, era impossível que abafasse o som do samba, com certeza muito mais forte; segundo, a polícia já estaria presente, garantindo o samba e não o combatendo, ao menos durante o governo Venceslau Brás, que coincide com a época em que “Pelo Telefone” foi composto (1916); terceiro, a explicação de Donga para a preferência por sambar no quintal: o samba de Ciata reunia tanta gente que só no quintal era possível acomodar a todos.

A polêmica envolvendo o “Pelo Telefone” parece ter sido a única briga realmente séria ao longo de décadas envolvendo o grupo que se reunia na casa de tia Ciata. Antes disso, ela chegara a romper relações com Hilário Jovino – afinal, ele, que estava namorando sua filha Mariquita, fugira com uma amiga dela, a mulata Amélia Kitundi (não confundir com a antiga “consulesa” baiana Amélia Quindunde).

Mas isso já estava superado em 1916.

O caso é Donga se apresentou como autor do samba, registrando-o na Biblioteca Nacional no final de 1916 e fazendo-o gravar na Odeon em 1917, primeiro pela Banda Odeon (janeiro) e depois com o cantor Bahiano (fevereiro), e apontando Mauro de Almeida como parceiro. Seus amigos da casa de tia Ciata reconheceram no “Pelo Telefone” o “Roceiro”, que teria sido composto coletivamente por Hilário Jovino, Mestre Germano, Tia Ciata, João da Mata, Sinhô e Mauro de Almeida, como apontava o Jornal do Brasil de 4 de fevereiro de 1917. O texto datava a composição da música em 6 de agosto do ano anterior e mencionava Ciata duas vezes. A primeira, no caráter de parceira do samba (“a nossa velha amiguinha Ciata”); a segunda, numa estrofe da paródia do próprio “Pelo Telefone” que o JB utilizou para criticar Donga (“Ó que caradura/ De dizer nas rodas/ Que este arranjo é teu!/ É do bom Hilário/ E da velha Ciata/ Que o Sinhô escreveu.”). Henrique Alves informa que Didi da Gracinda também se atribuiu co-autoria. Já Almirante não exclui da relação de autores do “Roceiro” o próprio Donga, enquanto Vagalume situa a contribuição deste em ter feito “um arranjo da música” (enquanto Mauro fizera o “arranjo da letra”). É o autor de Na Roda do Samba ainda o único a mencionar que, na versão gravada, Donga incluiu parte de um samba pernambucano (“Olha a Rolinha”), que conheceu cantado no Clube dos Democráticos por Mirandella. (Para maiores detalhes, leia o texto O Samba Indígena).

Por mais incrível que possa parecer, porém, em pouco tempo Donga já se reintegrara às festas na casa de tia Ciata: em 1918, o encontramos como um dos que se sentiram ofendidos quando Sinhô lançou o samba intitulado “Quem São Eles?”, cujo refrão começava com os versos “A Bahia é boa terra/ Ela lá e eu aqui, iaiá”.

Quase noventa anos depois, fica um pouco difícil entender a real causa da polêmica iniciada com “Quem São Eles?”. Sérgio Cabral afirma que a motivação foi a discussão gerada quando da gravação do “Pelo Telefone”, pois Sinhô passou a se dizer autor do “arranjo” (o que a citada paródia do JB respaldava), e isto teria feito com que ele, na condição de carioca, hostilizasse os sambistas baianos (entrando na contagem os cariocas filhos de baianos, como Donga e João da Bahiana, e até quem nada tinha com a Bahia, como Pixinguinha), compondo “Quem São Eles?” como uma provocação. Outra versão, apresentada no fascículo 2 da coleção História do Samba, dá conta de que Sinhô teria brigado com China e escrevera o samba para atacá-lo, estendendo a agressão a Pixinguinha (irmão de China), Hilário e Donga. Já Edigar de Alencar, embora chegue a mencionar que “Quem São Eles?” é tomado à conta de “revide ou desafio”, pondera que talvez ele fosse apenas alusivo a um grupo com este nome que existia na época, ligado ao Clube dos Fenianos. Há quem diga ainda que o grupo teria sido organizado pelo próprio Sinhô.

Enfim, se hoje não temos certeza se Sinhô quis ofender seus antigos amigos, na época eles não tiveram a menor dúvida. Pouco depois, fizeram os sambas-resposta “Não És Tão Falado Assim” (Hilário Jovino), “Fica Calmo que Aparece” (Donga) e “Já te Digo” (Pixinguinha – China), este um dos sucessos do carnaval de 1919. Nesse mesmo ano, Sinhô replicou com “Três Macacos no Beco” (os três seriam Pixinguinha, Donga e China) e renovou o ataque com “O Pé de Anjo”, seu grande sucesso no carnaval de 1920, e que ridicularizaria os pés muito grandes de China. Não houve resposta a estas duas composições, esvaziando-se a polêmica.

Há até quem duvide de que a briga entre Sinhô e seus velhos parceiros fosse pra valer, como Luís Antônio Giron, em seu livro Mario Reis – O Fino do Samba. Giron atribui a questão em torno do “Quem São Eles?” ao tino comercial de Sinhô, que buscaria assim uma autopromoção, mostrando-se como um sambista urbano carioca que se opunha aos “‘baianos’, autores de sambas de teor folclórico e rural”, “músicos que costumavam se reunir nas festas da baiana Tia Ciata” (ou seja: Giron parece desconsiderar que, por largo tempo, Sinhô era um destes músicos).

Seja como for, Giron apresenta como argumento para demonstrar que polêmicas como essas do “Quem São Eles?” não deixavam repercussões duradouras o fato de que foi Donga o violonista que Sinhô escolheu para acompanhá-lo na estréia fonográfica de Mario Reis, em junho de 1928. O repertório dos três primeiros discos que o jovem aristocrático fez então para a Odeon era todo de produções de Sinhô. Em apenas um samba (“Jura”) Mario cantou com orquestra; nas outras cinco músicas – os sambas “Que Vale a Nota Sem o Carinho da Mulher?”, “Deus nos Livre do Castigo das Mulheres” e “Gosto que me Enrosco”, mais o romance “Carinhos de Vovó” e a canção “Sabiá” -, foi acompanhado por dois violões. Sim, já famoso então na cidade como pianista, Sinhô nessas gravações tocou violão, fazendo os ponteios no baixo para os solos de Donga.

Giron fornece outra prova de que as eventuais brigas não se traduziam em rompimentos definitivos – Heitor dos Prazeres, que já se desentendera com Sinhô, a quem acusava de roubar músicas suas inteiras, dizia no seu samba “Primeira Linha”, lançado em 1930: “E o Caninha, o Donga/ E o Pixinguinha/ São todos camaradinhas/ Inclusive o Sinhô.”

Essa tendência dos sambistas de então a não perpetuar rancores me parece ter sido uma das tantas lições que tia Ciata lhes transmitiu, e que contribuem para que ela ainda hoje seja lembrada de forma tão especial.

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Edigar de. O Carnaval Carioca Através da Música. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985. V.1
ALMIRANTE. No Tempo de Noel Rosa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977
ALVES, Bernardo. A Pré-História do Samba. Petrolina: Fundação Cultural, 2002
ALVES, Henrique. Sua Excelência o Samba. 2ª ed. São Paulo: Símbolo, 1976
BANDEIRA, Manuel, ANDRADE, Carlos Drummond de (orgs.). O Rio de Janeiro em Prosa e Verso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965
BARBOSA, Orestes. Samba. Rio de Janeiro: Educadora, 1933
CABRAL, Sérgio. No Tempo de Almirante. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990
CABRAL, Sérgio. Elisete Cardoso, uma Vida. Rio de Janeiro: Lumiar, s/d
CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996
CABRAL, Sérgio. Pixinguinha – Vida e Obra. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997
CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977
COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965
Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Brasília: Iphan, 2007 (disponível em http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=723)
Enciclopédia da Música Brasileira. 2ª ed. São Paulo: Art/ Publifolha, 1998
GIL, Gilberto. Todas as Letras. São Paulo: Companhia das Letras, 1996
GIRON, Luís Antônio. Mario Reis – O Fino do Samba. São Paulo: Ed. 34, 2001
História do Samba, fascículos 1 e 2. Rio de Janeiro: Globo, 1997
JOTA Efegê. Figuras e Coisas do Carnaval Carioca. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
MATTOS, Rômulo Costa. “Aldeias do Mal”. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, outubro de 2007
PAPINI, Giovana. Samba: Origens, Transformações e Indústria Cultural (1916-1940). Disponível em http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/bebadosamba.htm
RIO, João do Rio. As Religiões do Rio. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1976
Ruas – Guia do Rio de Janeiro. São Paulo: Abril, s/d
SOUZA, Tárik de, ANDREATO, Elifas. Rostos e Gostos da Música Popular Brasileira. Porto Alegre: L&PM, 1979
TINHORÃO, José Ramos. Música Popular – Um Tema em Debate. 3ª ed. São Paulo: Ed. 34, 1997

VAGALUME (Guimarães, Francisco). Na Roda do Samba. Rio de Janeiro: São Benedito, 1933
VIANNA, Letícia. Bezerra da Silva – Produto do Morro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999
Copyright  2007. é proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo do Brasileirinho para fins comerciais

FONTE: BRASILEIRINHO

TIA CIATA

Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata (Salvador 1854 – Rio de Janeiro 1924) foi uma cozinheira e mãe de santo brasileira. Foi iniciada no candomblé em Salvador por Bangboshê Obitikô, era filha de Oxum. No Rio de Janeiro era Iyakekerê na casa de João Alabá. Também ficou marcada como uma das principais animadoras da cultura negra nas nascentes favelas cariocas. Ela era a dona de uma casa onde se reuniam sambistas e onde foi criado “Pelo Telefone”, o primeiro samba gravado em disco, assinado por Donga e Mauro de Almeida.

 

Biografia

Tia Ciata nasceu em Salvador em 1854 e aos 22 anos veio para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor. Foi a mais famosa das tias baianas (na maioria iyalorixás do Candomblé que deixaram Salvador por causa das perseguições policiais) do início do século, que eram negras baianas vindas para o Rio de Janeiro especialmente na última década do século 19 e na primeira do século 20 para morar na região da Cidade Nova, do Catumbi, Gamboa, Santo Cristo e arredores. Logo na chegada ao Rio de Janeiro, conheceu Noberto da Rocha Guimarães, envolvendo -se com ele, então, e acabou ficando grávida de sua primeira filha lhe dando o nome de Isabel. O caso dos dois não foi adiante. Ela acabou se separando de Noberto e, para sustentar a filha, começou a trabalhar como quituteira na Rua Sete de Setembro, sempre paramentada com suas vestes de baiana. Era na comida que ela expressava suas convicções religiosas, ou seja, a sua fé no candomblé. Religião proibida e perseguida naqueles tempos. Ia para o ponto de venda com sua roupa de baiana uma saia rodada e bem engomada, turbante e diversos colares (guias ou fio-de-contas) e pulseiras sempre na cor do orixá que iria homenagear. O tabuleiro era famoso e farto, repleto de bolos e manjares que faziam a alegria dos transeuntes de todas as classes sociais.

Mais tarde, Tia Ciata casou-se com João Baptista da Silva, que para aquela época era um negro bem sucedido na vida. Deste casamento resultaram 14 filhos, uma relação fundamental para a sua afirmação na Pequena África, como era conhecida a área da Praça Onze nesta época. Recebia todos os finais de semana em sua casa, nos pagodes, que eram festas dançantes, regadas a música da melhor qualidade e claro seus quitutes. Partideira reconhecida, cantava com autoridade respondendo aos refrões das festas, que se arrastavam por dias. Tia Ciata cuidava para que a comida estivesse sempre quente e saborosa e o samba nunca parasse.

Foi em sua casa que se reuniram os maiores compositores e malandros, como Donga, Sinhô e João da Baiana, para saraus. A hospitalidade dessas baianas fornecia a base para que os compositores pudessem desenvolver o samba. A casa da Tia Ciata na Praça Onze era tradicional ponto de encontro de personagens do samba carioca, tanto que nos primeiros anos de desfile das escolas de samba, era “obrigatório” passar diante de sua casa.

Normalmente, a polícia perseguia estes encontros, mas Tia Ciata era famosa por seu lado curandeiro e foi justamente um investigador e chofer de polícia, conhecido como Bispo que proporcionou a ela uma interessante história envolvendo o presidente da República, Wenceslau Brás. O presidente estava adoentado em virtude de uma ferida na perna que os médicos não conseguiam curar e este investigador então disse ao então Presidente que Tia Ciata poderia curá-lo. Feito isto, foi falar com ela, dizendo:

– “Ele é um homem, um senhor do bem. Ele é o criador desse negócio da Lei de um dia não trabalha…”
E ela respondeu:
– “Quem precisa de caridade que venha cá.”
Ela então incorporou um Orixá que disse aos presentes haver cura para a tal ferida e recomendou a Wenceslau Brás que fizesse uma pasta feita de ervas que deveria ser colocada por três dias seguidos. O Presidente ficou bom e em troca ofereceu a realização de qualquer pedido. Tia Ciata respondeu que não precisava de nada, mas que seu marido sim, pedindo para o Presidente um trabalho no serviço público, “pois minha família é numerosa”, explicou ela.

Além dos doces, Tia Ciata alugava as roupas de baiana para os teatros para que fossem usados como figurinos de peça e para o Carnaval dos clubes. Nesta época, mesmo os homens, se vestiam com as suas fantasias, se divertindo nos blocos de rua. Com este comércio, muita gente da Zona Sul da cidade, da alta sociedade, ia à casa da baiana e passando assim a freqüentar as suas festas. Era nessas festas que Tia Ciata passou a dar consultas com seus orixás. Sua casa é uma referência na história do samba, do candomblé e da cidade.

Em 1910, morre seu marido João Baptista da Silva, mas ela já havia conquistado o seu lugar de estrela no universo do samba carioca. Era respeitada na cidade, coisa de cidadão, muito longe da realidade comum dos negros de sua época. Todo o ano, durante o Carnaval, armava uma barraca na Praça Onze, reunindo desde trabalhadores até a fina flor da malandragem.

Na barraca eram lançadas as músicas, as conhecidas marchinhas, que ficariam famosas no Carnaval do Rio de Janeiro. Tia Ciata morreu em 1924, mas até hoje é parte fundamental da memória do samba. Curiosamente, existem pouquíssimas imagens de Tia Ciata.

Referências
• A Cor da Cultura
• Vídeo
Ligações externas
• Tia Ciata

Ver também
• Pequena África
• Pedra do Sal

Fonte: Wikipédia 

 

PARA SABER MAIS

www.afrieafricanidades.com/culturas.html
acervoftu.blogspot.com

Pesquisa: Carlos Eugênio Marcondes de Moura

 

-+=
Sair da versão mobile