Uma pitada de Magia Negra – Em cada conto tem um canto.

Estava eu voltando do mercado, carregada de mudas, ervas e terras. Ao chegar exausta ao ponto de ônibus sento-me ao lado de uma senhora e duas meninas.

Enviado por Cristina Dulce Souza Costa via Guest Post para o Portal Geledés

Elas respondem ao meu cumprimento com um “boa tarde” meio flácido e desanimado e a senhora olha fixamente para meu turbante com um ar desconfiado e curioso…

Devolvo-lhe o olhar tentando ver que versão de bíblia ela leva debaixo do braço…

Em meio à essas indiscrições da natureza humana, ficamos nesse jogo de olhares até que ela se animou a me indagar :

_ Por que você usa este troço na cabeça?

Surpresa com a pergunta sincera, contestei sem elaborar muito a resposta :

_ Para me proteger…

Não satisfeita ela prossegue:

_ Proteger do que? (as meninas me olhavam tímidas e risonhas)

(Sem paciência nem pra ser grosseira, pois estava mais preocupada como iria subir no ônibus com o peso daquelas sacolas)

Respondo:

_ Pra me proteger daquilo que não vemos quando estamos distraídas com a vida dos outros…

Ela ( creio que sem entender o que disse) insiste em sua sinceridade inquirindo-me:

_ Você faz magia negra?

Respondi sem pestanejar:

_ Sim. Faço! Anota aí a receita… (nem sei de onde veio tal resposta)

Ela: eu hein! Credo! Como assim? (entre um riso e um esconjuro)

Prossigo:

_Anota aí: Lave bem as mãos e o coração antes de começar…

Ela: _ Cê doida, fia!

Continuo:

_ Separe com muita atenção:

1 rabo de porco

1 orelha de porco

2 pés de porco

(tudo salgado)...

Ela: _ Crendospadre tá amarrado, minina!

Eu, já animada com a brincadeira, persisto: 250 g de carne seca… 250 g de lombo… 4 folhas de louro… 1 língua de porco

defumada e picada…

Ela: _ Cê doida, fia… curus!

Nem eu mesma sabia onde aquela coversa iria parar e continuo:

_ aí a senhora lava as carnes salgadas, pica tudo, coloca em um caldeirão, cobre com água e deixa de molho de um dia para outro, trocando de água várias vezes….

Ela (como que salva pelo gongo): Jesus amado! Meu ônibus! ô glória! Vem! (apontando pras meninas que me olhavam sem piscar)… Tchau viu, fia! Jesus te proteja seu caminho e essas doidera sua…

Eu rindo por dentro respondo com um animado “Amém e Axé pra vocês“!

E ouço um “Cê dooooida, fia” enquanto ela terminava de subir no ônibus…

Despeço-me com o olhar, aliviada por não ter que passar toda a receita de feijoada, já que eu estava varada de fome e louca pra chegar com aquela sacolada em casa…

Moral da História: magia negra é amor roncando no coração que “vem num grave gemido que se alonga pelos tempos do compasso” da cuíca. A raiva e a fome? É coisa dos home…

( Cristina Dulce Souza Costa)

Belo Horizonte.

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