Os médicos brasileiros perderam o debate e até setores da oposição reconheceram que o projeto do governo atende às necessidades da população, abandonadas por parte dos médicos.
A saúde pública foi sempre o patinho feio das políticas sociais. Enquanto a educação está sempre impulsionada pela ideia de que sua extensão representaria o resgate dos problemas atuais e futuros de um país, a saúde costuma ficar relegada, mesmo se as pesquisas de opinião a coloquem como um dos maiores problemas enfrentados pela população.
O SUS foi uma grande conquista, que ainda precisa ser implementada plenamente. O fim da CPMF foi um golpe duro nos seus recursos, até aqui não recomposto.
De repente, o programa Mais Médicos desatou um processo que colocou – pela primeira vez na nossa história – a saúde pública no centro da agenda política. Uma importante quantidade de temas passou à discussão pública, saindo das zonas de escuridão em que se encontravam.
O primeiro deles, o conflito entre os interesses públicos na saúde e os interesses privados. Estes são representados pelos planos privados de saúde, pela rede de hospitais privados e pelos médicos que, embora formados em universidades públicas, se dedicam ao atendimento privado ou ocupam cargos no SUS, em que não cumprem minimamente com os requerimentos da função.
O segundo, a disparidade entre as necessidades do país em termos de saúde pública e a localização da grande maioria dos médicos, formados em universidades públicas, com recursos públicos. Enquanto a grande maioria das enfermidades e necessidades de atendimento em termos de saúde se encontra em regiões afastadas dos grandes centros urbanos, estes concentram, especialmente nos bairros mais ricos das grandes cidades, grande parte dos médicos. Um contraste socialmente notável entre o uso dos recursos públicos para formar os mais preparados médicos e a falta de atendimento de grande parte da população.
O tema da saúde pública vai estar entre os mais importantes da campanha presidencial, que coincide com essa conjuntura. Uma parte dos médicos reagiu de forma corporativista, racista, discriminatória contra a vinda de estrangeiros, para os mesmos postos que eles se negam a acudir. Acreditaram que poderia mobilizar a opinião pública a seu favor. Tentaram pegar carona nas mobilizações de junho, mas elas pediam melhor atendimento da população e não reforçar o privilégio dos médicos.
Perderam o debate, e até setores da oposição reconheceram que o projeto do governo atende às necessidades da população, abandonadas por parte dos médicos. O governo conquistou a iniciativa, ganhou o debate ideológico, mesmo antes que o atendimento dos milhares de médicos melhore a atenção à saúde de parte da população.
É um momento especial para a saúde pública, para os que necessitam dela e para os que trabalham nela com espírito público. É o momento de retomar, com força, as reivindicações que levem a fortalecer o SUS – entre elas, o fim do desconto dos gastos nos planos privados de saúde no imposto de renda.
Depois de ter ficado na defensiva no início da conjuntura atual, quando o protagonismo principal esteve nas mãos dos setores conservadores – em particular de parte dos médicos e suas associações –, chegou a hora de reverter a pauta e os protagonismos. Chegou a hora de a saúde pública somar-se ao imenso processo de democratização social que vive o Brasil.
Fonte: Brasil 247