Acabar com a fome e a pobreza beneficia os países ricos

Fonte: Envolverde –

Roma, 14/10/2009 – A luta contra a fome beneficia os países ricos? A resposta dos especialistas em alimentação é um categórico sim. O público do Norte rico deveria estar a par disto? A resposta: talvez não. Aqueles que não estão diretamente afetados pela insegurança alimentar deveriam considerá-la um problema que lhes diz respeito, mesmo sem levar em conta a justiça social e outras questões, e por algumas razoes. A primeira é a segurança. A fome cria desespero e é fonte de conflitos. Portanto, constitui uma ameaça para todos.

“A pobreza e a fome constituem um caldo de cultivo para o terrorismo”, disse à IPS o economista David Dawe, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com sede em Roma. “Um mundo faminto é um mundo perigoso”, afirmou no começo do ano a diretora-executiva do Programa Mundial de Alimentos (PMA), Josette Sheeran. “Aos que carecem de alimentos restam três opções: os distúrbios, a emigração ou a morte. Nenhuma delas aceitável”, acrescentou. Talvez, sejam argumentos fortes. Mas, organizações da sociedade civil os rechaçam.

“Não compro o argumento de que se não fizermos o que devemos fazer virá gente de outros lugares para arruinar nossa vida”, disse à IPS John Hilary, diretor-executivo da organização contra a pobreza War on Want, da Grã-Bretanha. “Está muito perto da extrema-direita”, afirmou. A organização humanitária Oxfam Internacional acredita que o argumento é valido, mas, a preocupa o fato de certos setores do público o usarem para bloquear as imigrações e importações procedentes do mundo em desenvolvimento “É certo que erradicar a fome serve ao mundo industrializado, mas, também percebo alguns riscos na mensagem. Com a crise econômica e a tentação protecionista, seria uma espada de dois gumes”, disse à IPS a diretora de pesquisas da filial espanhola da Oxfam, Teresa Cavero.

Também poderia argumentar-se que o compromisso surgirá somente quando o problema subir na agenda política, o que não ocorrerá a menos que os eleitores do mundo rico vejam na insegurança alimentar um problema próprio. “Sinto-me mais cômoda com a mensagem de justiça, mas é certo que a luta contra a fome redunda em benefício para os países industriais. E qualquer argumento que sirva para que as nações industriais atuem é positivo”, afirmou Cavero. “A primeira coisa que os governos e os povos dos países ricos devem saber é a realidade com que nos defrontamos. Cada vez há mais gente com fome, e hoje são mais de um bilhão de pessoas”, ressaltou.

Além do argumento da segurança, o economista Dawe propõe esgrimir o do dinheiro. “Se os habitantes do mundo em desenvolvimento romperem o círculo da fome e da pobreza, se abrirá um enorme reservatório de demanda potencial para os produtos do mundo industrial”, afirmou. A Oxfam concorda. “O comércio pode ter um papel” contra a fome e a pobreza “se for conduzido por regras de justiça em mercados transparentes, coisa que não acontece atualmente. O crescimento econômico saudável leva a melhorias no bem-estar geral, o que é bom para o Sul e para o Norte”, afirmou Cavero.
“O mundo em desenvolvimento não sofrer fome beneficia o Norte, porque este flagelo faz sofrer toda a economia. Se o Sul conseguir isso, poderá trabalhar em seu próprio desenvolvimento. Mas, antes deve livrar-se da fome para poder derrotar a pobreza, e só então poderá participar da economia global”, disse Cavero. A representante da Oxfam acredita que destacar o vínculo entre a segurança e a ameaça da mudança climática é outro mecanismo para incentivar as nações ricas a girem. Se os países em desenvolvimento tentarem acabar com a pobreza e a fome seguindo o modelo de desenvolvimento do Norte – com o uso intensivo de energia – a temperatura da Terra aumentará.

“Devemos conseguir que um acordo internacional sobre mudança climática garanta a segurança alimentar aos países onde se concentra a maior parte da fome e da pobreza rural, de modo a evitar um desastre mundial”, afirmou a especialista espanhola. “precisamos conseguir isso através de um modelo agrícola sustentável. Há possibilidades de estabelecer um cenário onde todos ganhem: que se alcance a segurança alimentar, que se detenha a mudança climática e que se avance na sustentabilidade social, econômica e ambiental”, acrescentou Cavero.

O mundo industrializado também se beneficiaria da contribuição dos povos para a ciência e a cultura, uma vez que poderão livrar-se da insegurança alimentar, segundo
Dawe. “Vivemos em um mundo interdependente. Todo o conhecimento é construído com descobertas e contribuições de outros”, afirmou. “Quanto mais gente inteligente trabalhar para solucionar um problema, seja aids, mudança climática, ou o que for, mais perto estaremos de encontrar soluções. E isso também se aplica à cultura, à arte, à música e a outros campos do conhecimento”, ressaltou.

A organização War on Want acredita que os argumentos para incentivar a luta contra a fome devem basear-se na justiça social e não no interesse próprio. “O que é escândalos é o fato de muita gente que produz alimentos em áreas rurais” do sul em desenvolvimento “não possam se dar o luxo de comprar o que produz”, segundo Hilary. “Isto condena o modelo que permitiu aos países ricos crescerem”, acrescentou.

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