Agosto Dourado: ‘a amamentação é uma responsabilidade compartilhada’

Enviado por / FontePor Beatriz de Oliveira

Artigo produzido por Redação de Geledés

A doula e consultora de amamentação Carolina Bentes aborda a importância da conscientização sobre o aleitamento materno

Apesar da recomendação de aleitamento materno exclusivo até os seis meses do bebê, as mães, principalmente as negras, enfrentam várias barreiras para realizar esse feito. As dificuldades incluem julgamento social, desinformação, falta de rede de apoio e problemas em relação ao trabalho. 

Neste Agosto Dourado, mês do Aleitamento Materno, conversamos com Carolina Bentes, doula, consultora de amamentação, formada em Sociologia e doutora em Educação. Ela argumenta que a amamentação é “uma responsabilidade compartilhada que impacta a saúde pública e o desenvolvimento de toda uma geração”. 

A doula aborda ainda a importância da conscientização sobre o aleitamento materno, políticas públicas relacionadas ao tema e como o racismo influencia a experiência de amamentação de mães negras. 

Leia a entrevista completa. 

Geledés: Estamos no Agosto Dourado, mês dedicado à conscientização sobre o aleitamento materno. Por que é importante informar as mães e a sociedade de modo geral acerca desse tema? 

Carolina Bentes: Amamentar não é intuitivo, pode ser natural, mas nós somos mamíferas socializadas e, portanto, nosso ato de amamentar é atravessado pela cultura. E nossa cultura não apoia de forma ampla o aleitamento. Ainda ouvimos, por exemplo, que se deem chazinhos e água para bebês que estão em aleitamento até os seis meses, período em que o leite materno deve ser o único alimento. Isso acontece porque nossas avós, e até as mães, ainda davam outros alimentos ao bebê, que não está biologicamente preparado para aceitar outra coisa senão o leite.

Outro exemplo que gosto de dar é que vemos com frequência bebês tomando mamadeira, porque há um preconceito de se amamentar em público. Até a maneira que se segura o bebê para tomar mamadeira é totalmente diferente da forma que se segura um bebê para mamar. Então na hora em que uma mãe vai colocar o seu filho no peito pela primeira vez, ela pode ter muita dificuldade, porque não tem referência. 

Quando pensamos em um mês dedicado ao aleitamento materno, estamos pensando em conscientizar a sociedade da importância em informar, mas, principalmente, mobilizar sobre a relevância da amamentação, uma responsabilidade compartilhada que impacta a saúde pública e o desenvolvimento de toda uma geração. 

Geledés: Quais as principais dificuldades enfrentadas por mães para amamentar até os seis meses de vida do bebê? 

Carolina Bentes: A principal dificuldade que eu observo é a falta de informação. Ainda temos muita desinformação circulando nas redes e entre os familiares e amigos. A sociedade, de modo geral, não confia que o leite é o melhor alimento para os bebês e se acredita que dar uma mamadeira não é nada de mais. Então quando o bebê chora – e tem bebês que vão chorar mais mesmo – tem sempre alguém que vai dizer que o leite é fraco, que a criança está chorando por fome e que tem que dar logo mamadeira, como se a fórmula fosse um alimento melhor e mais forte. Mas nenhum alimento se compara ao leite materno, essa história de leite fraco é um mito. A falta de informação também afeta o que chamamos de posicionamento do bebê e pega correta. Quando a mulher não foi ensinada a levar o bebê ao seio, isso pode levar a dor e fissura, o que dificulta o aleitamento exclusivo. 

Outro ponto relevante é que amamentar precisa de uma dedicação muito ímpar e que é diferente de qualquer outro trabalho. Os bebês são exigentes e a pessoa que amamenta precisa de uma rede de apoio que permita que essa mulher possa se dedicar ao filho. Mas a realidade de muitas mulheres é a grande solidão no puerpério. Um exemplo é a licença paternidade, são apenas 5 dias, podendo ser estendida até 20 dias, se a empresa aderir ao Programa Empresa Cidadã. 

Geledés: Como o racismo e as desigualdades sociais influenciam a experiência de amamentação de mães negras? 

Carolina Bentes: Gosto de contar a história de uma médica branca que estava grávida, contando que conseguiu se organizar e iria passar os seis meses de aleitamento exclusivo em casa, dedicada ao filho. Mas estava muito preocupada, porque a mulher negra que trabalhava em sua casa também estava grávida, e, como tinha carteira assinada, iria passar quatro meses fora do trabalho. Acho que essa história ilustra bem os desafios da desigualdade social que, no Brasil, se confunde com o racismo. 

Mas a situação é ainda pior, já que mulheres pretas e pardas são as que mais têm trabalhos informais e as que menos estão asseguradas por lei a terem algum tempo de qualidade com seus filhos. E, quando voltam ao trabalho, são as que têm mais obstáculos para fazer a ordenha de leite, o que exige um local adequado. Temos que pensar que essas mulheres também são as que mais enfrentam a insegurança alimentar e sabemos que a alimentação adequada é essencial para a saúde da mãe. 

Além disso, as mulheres negras, historicamente, têm seu sentimento de dor descredibilizado. Acredita-se que, por serem negras, sentem menos dor, o que é um mito. Entretanto, este ainda é um fator relevante quando se ouve suas queixas nos ambientes de saúde. Nessa mesma linha, temos o mito da mãe negra como “guerreira”, uma figura que, supostamente, não precisa de ajuda para enfrentar as dificuldades. Essa percepção social faz com que muitas mães negras não recebam o apoio necessário da família, de amigos e até mesmo dos profissionais de saúde, que podem assumir que elas “dão conta sozinhas”. 

Temos que ter em mente que todas essas questões se iniciam no pré-natal, com mulheres negras tendo menos acesso ao pré-natal, à informação e sendo mais negligenciadas, tendo menos acesso a métodos de analgesia, por exemplo.

Geledés: Quais políticas públicas precisam ser criadas e/ou ampliadas para garantir o direito à amamentação? 

Carolina Bentes: Infelizmente, nem todas as mulheres estão asseguradas por leis que protegem o tempo de aleitamento exclusivo. A maioria, quando tem o direito garantido, só o tem por 120 dias. Então essa ainda é a principal luta, na minha opinião: a licença maternidade de 180 dias. Afinal, como fazer aleitamento exclusivo por seis meses se a mulher precisa voltar ao trabalho com quatro meses? 

Outro ponto fundamental: licença paternidade por igual período. É preciso entender que essa dedicação não é trabalho fácil e não se faz só por apenas uma pessoa. A mulher precisa de rede de apoio, é preciso que se entenda que o pai é também é cuidador e tem muito a contribuir nesse início de vida do bebê. 

Sobre os bancos de leite, que é uma política que funciona e que é muito importante, precisamos divulgar cada vez mais os seus serviços. Nem todas as famílias sabem como é fácil o acesso para aprender a dar de mamar. Se a mulher tiver dor, se o bebê não está fazendo uma pega correta, se a mulher tiver qualquer dúvida, o banco de leite é o lugar que pode apoiá-la.

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