“O preconceito e a violência aqui dentro são bem maiores. Lá fora eu tenho pra onde correr, aqui não, estamos fechados sem poder sair”, depoimento de Sandy, reeducanda moradora da ala arco-íris, no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC).
Por Naiara Leonor, do Olhar Direto
Há quatro anos a vida de alguns dos reeducandos do Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC) mudou para melhor. A ala arco-íris, única no estado de Mato Grosso, trouxe dignidade para LGBT’s dentro do cárcere. Mas a ala, que funciona como um projeto acordado e não oficial, ainda não é lei. Por quê?
Segundo a Resolução Conjunta nº1 dos Conselhos Nacionais de Combate à Discriminação e de Política Criminal e Penitenciária, publicada em Diário Oficial no dia 17 de abril de 2014, está previsto que gays e travestis tenham espaços de vivência específicos em penitenciárias. Já transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para prisões femininas. Como a resolução é uma norma consultiva, pode ser acatada ou não pelos Estados brasileiros.
Rio Grande do Sul, Pará, Paraíba, Minas Gerias, Rio de Janeiro são alguns dos estados que possuem alas específicas para LGBT’s. Mato Grosso também está na lista desde julho de 2011, com a ala arco-íris funcionando apenas no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC).
Em entrevista para o Olhar Conceito, a Superintendente de Gestão Penitenciária, Flávia Emanuelle Soares, explicou as variáveis a considerar para a transformação do projeto “ala arco-íris” em lei, no Estado de Mato Grosso: “estamos em fase de avaliação e adequação da ala, identificando as falhas e as corrigindo. A implantação da ala esta quebrando paradigmas e precisamos mudar por dentro da casa para mudar lá fora.
Transferir os reeducandos de outros presídios de Mato Grosso para o CRC é uma possibilidade, mas que não pode ser aplicada a todos os casos. “O CRC é um local de ressocialização, onde quem é alocado lá possui um menor potencial ofensivo, sendo que 80% dos reeducandos trabalham e estudam. Dependendo da gravidade do crime, a pessoa não pode ser transferida para o CRC, onde a ala arco-íris esta em funcionamento, mesmo sendo LGBT. Mostrar-se disposto a trabalhar e estudar e ter bom comportamento também são requisitos para a transferência”, acrescenta a superintendente.
A superintendente Flávia ainda informou que um encontro de diretores de unidades prisionais de todo o estado será realizado nesta segunda-feira (24), e a ala arco-íris será uma das pautas discutidas, visto que nesse período de funcionamento ela tem dado resultados muito positivos. “Pudemos observar uma diminuição nos casos de violência contra LGBT’s no CRC, depois da criação da ala. Observamos também que os reeducando LGBT’s estão se sentindo mais respeitados e acolhidos”, informa Flavia.
Uma das preocupações da superintendente quanto a ala arco-íris é que o projeto não beneficie ninguém, apenas garanta o direito do reeducando. “Temos que pensar como desenvolver o projeto sem privilegiar e sem tirar o direito dos demais. A proposta é criar uma portaria para que o projeto seja expandido, para que todos possam ser atendidos, e não somente aqueles que estejam no CRC”.
Ela também ressaltou que tem–se que ter uma preocupação com o presídio feminino, pois os casos de violência e preconceito também são alarmantes.
“Estamos olhando apenas para os presídios masculinos, mas nos femininos a violência e o preconceito também acontecem, e lá a dificuldade é até maior, no caso de propor uma ala específica para LGBT’s, já que a maioria das reeducandas se relacionam entre si. Por isso temos que discutir e analisar melhor o tema para não cometer injustiças”, relata Flavia.
A superintendente explica que mesmo não sendo lésbicas, algumas reeducandas acabam se relacionando por carência e abandono dos parceiros e entes que estão fora do cárcere. E que esses relacionamentos acabam não durando muito, por não ser a orientação sexual dela, onde acontecem os atos de violência.
A ala arco-íris não foi a única mudança para a classe LGBT. Recentemente foi garantido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), o direito do uso do nome social para travestis e transexuais em registros oficiais da Polícia Militar, Polícia Judiciária Civil, Corpo de Bombeiros e Politec. Mas o desrespeito por parte de alguns profissionais da área ainda continua: “alguns deles fazem questão de chamar pelo nome masculino, mesmo sabendo que eu gostaria de ser chamada de Duda, falam o nome bem alto, pra todo mundo ouvir”, relata Duda, uma das reeducandas do CRC na ala arco-íris.
Sobre o assunto, a Superintendente Flavia explicou que casos como esse devem ser relatados a direção para que providências sejam tomadas. “Estamos em um momento de adaptação e são esses problemas que precisamos resolver antes de tornar o projeto lei. A temática LGBT já esta presente como tema na grade curricular da escola penitenciária”, declarou Flavia.
Segundo a portaria que diz sobre o uso do nome social para travestis e transexuais, publicada em Diário Oficial no dia 17 de julho de 2015, o prazo para que as unidades da Sesp se adaptem é de 90 dias.