Por Gilberto de Souza
O fedor que exala desta série de reportagens intitulada O Caso Veja, assinada por Luis Nassif, jornalista com vasta passagem pela imprensa conservadora e que revela os seus meandros em uma página na internet, ficou impossível de ser disfarçado com o perfume barato de argumentos como o da liberdade de imprensa a qualquer custo. O escândalo levanta a uma altura bem acima da rede de interesses dos grandes grupos econômicos a bola do marco regulatório da mídia, pronta para ser cortada, com precisão, por Paulo Bernardo, mas o ministro das Comunicações jaz prostrado, de joelhos, na arena onde o jogo é pesado até para quadros experientes como o ex-deputado paranaense. O rol de denúncias é tão sério que demanda a pronta atuação da Polícia Federal para apurar, nos conformes da lei, o envolvimento de personagens como Daniel Dantas, Diogo Maynard, Marcos Valério, os atuais editores da revista semanal de ultradireita Veja, jornalistas dos diários conservadores paulistano Folha de S. Paulo e carioca O Globo, entre outros, em um conluio contra o Estado e em favor de interesses inconfessáveis.
A minunciosa apuração de Nassif eviscera uma espécie de manual de horrores praticado contra o jornalismo brasileiro a partir do “modelo Veja de reportagem”. Acompanhe o grifo nosso no texto da matéria de Nassif:
“1. Levantam-se alguns dados verdadeiros, mas irrelevantes ou que nada tenham a ver com o contexto da denúncia, mas que passem a sensação de que o jornalista acompanhou em detalhes o episódio narrado.
“2. Depois juntam-se os pontos, cria-se um roteiro de filme, muitas vezes totalmente inverossímil, mas calçado nos fatos supostamente verdadeiros.
“3. Para ‘esquentar’ a matéria ou se inventam frases que não foram pronunciadas ou se tiram frases do contexto ou se confere tratamento de escândalo a fatos banais. Tudo temperado por forte dose de adjetivação.
“O caso ‘boimate’ é clássico. Depois de cair no conto de 1º de abril da New Scientist – sobre um cruzamento de boi com tomate que resultou em uma carne com molho -, envia-se um repórter para obter uma frase de efeito de um cientista da USP.
“O repórter perguntou o que o cientista achava. A resposta foi que era impossível tal experimento. O repórter tinha que voltar com a frase que se encaixasse na matéria, então insistiu: ‘E se fosse possível!’. O cientista, ironizando: ‘Seria a maior revolução da história da genética’.
“A matéria saiu com a frase do infeliz dizendo que era a maior revolução da história da genética.
“Dentre todos os repórteres, no entanto, nenhum se esmerou mais na arte ficcional do que Policarpo Júnior, recentemente promovido a Diretor da Sucursal de Brasília. Assim como Lauro Jardim e Mainardi cultivam os lobistas cariocas, Policarpo é um freqüentador habitual do submundo de Brasília, convivendo com arapongas, policiais e lobistas em geral”.
Ora, os figurantes desse circo em que se tornou a publicação vendida nas bancas de jornal e revistas de todo o país, com um número razoável de assinantes, frequentariam melhor os bancos de uma delegacia do que as mesas das redações, em qualquer país onde a seriedade pautasse – de fato – o trabalho da imprensa. Nassif fala em “assassinato de reputações”, coisa que o Código Penal brasileiro traduz muito bem. Aponta deslizes éticos dignos de uma ação que um integrante do Ministério Público deveria propor. Denuncia ‘jogadas’ entre bancos, banqueiros e jornalistas de deixar boquiaberto o mais perspicaz diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Aponta a cumplicidade criminosa entre arapongas, repórteres e diretores de instituições financeiras. Traduz, em português claro, o tratado da canalhice redigido pela diretoria do monopólio da comunicação no país, seguido à risca por espirra-tintas bem pagos e sem mais um pingo sequer de escrúpulos em suas penas de aluguel.
Por muito menos do que as conclusões a que chega Luis Nassif, fecharam um jornal centenário em Londres e a editora-chefe foi presa, acusada de jogar sujo contra pessoas e empresas na Inglaterra. Aqui, na Terra do Nunca, porém, estranhamente o conteúdo foi retirado do ar e reposto logo em seguida, no sítio do Google, após uma grita geral na imprensa progressista. Não há sequer sinal de movimentação no Judiciário para o questionamento das pessoas citadas nas reportagens e o silêncio nos meios de comunicação ligados ao cartel chega a ensurdecer.
Se não bastasse o mar de lama em que chafurdam o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seus asseclas, com e sem mandatos parlamentares, o país é inundado todos os dias, em cada esquina, por esse esgoto fétido em que habitam os seres mais ignominiosos da fauna presente nas páginas dos meios de comunicação como a Veja que, sem um pingo de vergonha na cara, apoiaram o golpe de Estado de 1964 e, desde sempre, reinam absolutos na planície da impunidade.
Olha para quem a presidenta Dilma Rousseff foi conceder uma entrevista exclusiva.
Que vergonha.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
Fonte: Correio do Brasil