Célia Sacramento: ser negro no Brasil, ser negra na Bahia

 

Célia Sacramento*

Muitos textos, muitas obras, muitos autores se debruçaram para entender a migração compulsória dos negros africanos no eixo atlântico, muitas pesquisas antropológicas buscaram fazer relações entre os brasileiros e africanos, especificamente os baianos soteropolitanos, negros primeiros, primeiros braços, pernas e levantes revolucionários contra a imposição violenta das relações. Observando nossa cidade na contemporaneidade vemos que as sombras desse passado inóspito e cruel permeiam os elos e vínculos sociais.

Estamos em pleno século XXI na luta de fazer que nossos descendentes, irmãos, tenham consciência das suas potencialidades e da igualdade real frente a qualquer humano, independente do seu fenótipo. País do paradoxo eterno que na pós-modernidade robótica e automatizada vive inconscientemente os duelos políticos de uma colônia medieva onde os espaços de poder são ocupados pela avaliação lambrosiana que mede a fronte, o nariz na busca de Aquiles ou a sensibilidade da pele frente ao sol.

Ser Negro e Negra no Brasil é tarefa árdua, hercúlea, pois até para significar e metaforizar nossa dor preciso lançar mão de um mito grego. Utilizar qualquer palavra vinculada às línguas do continente africano é arriscar o julgamento racista imediato que ao ouvir uma palavra banta faz relação direta com nossa religiosidade e automaticamente os neurônios acendem o alerta que demoniza qualquer vocábulo de nossas raízes. Ser negro no Brasil começa em não ter a própria voz, ter que fazer adaptações camufladas que poluem nossa história e, ao mesmo tempo, a reelabora com as imposições de quem “manda” com o conceito educacional-alienante apresentado como evolução: sincretismo.

Hoje sou parte do poder executivo de uma das cidades mais racistas do Brasil, pouca vergonha tenho disso, quem deve tê-la são os que carregam o mal, não tenho vergonha de ser uma guerreira incansável, conseguir meus objetivos, derrubar os obstáculos impostos dos jogos pré-definidos e alcançar postos antes nunca conquistados. Não sou eu que devo ter vergonha, busco ser referência para os meus filhos e para os meninos e meninas que alcanço pela comunicação.

Meu papel simples na história é fazer com que os Negros e Negras acordem um dia sem falar “patrão” para todos que pareçam nascer para mandar. Não quero que eles pensem em mandar, desejo que suas vidas se tornem projetos próprios e seus sonhos dependam apenas da sua vontade por serem mulheres e homens potentes, lindos e capazes. Quero os meus tendo a consciência plena de que o poder não é latifúndio herança e sim espaço que se conquista. Isto pra mim é consciência negra. O que mais for não passa de discurso falacioso para nos distrair e enganar.

Viva Zumbi que acreditava nos seus e em si, viva Zumbi e que cada canto seja Palmares.

* Célia Sacramento  é vice-prefeita de Salvador

 

Fonte: Correio 24 horas

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