Geledés – Instituto da Mulher Negra faz parte desde o início de 2024 do Observatório do Clima, que apresentou, nesta segunda-feira, 26, uma nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) para o Brasil. De uma maneira simples, NDC é um plano climático que determina o corte de emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global em 1,5ºC em relação a era pré-industrial, como determina o Acordo de Paris, de 2016. Segundo esse novo plano, o país precisa reduzir em 92% as emissões até 2035, para que consiga atingir essa meta.
O Brasil, como sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e presidente da COP30, no ano que vem, ainda precisa entregar à ONU até fevereiro do próximo ano uma NDC que inspire outros países do G20 a alcançar suas metas. Na ponta do lápis, se todos os países cumprissem suas metas, o que obviamente não acontece, estaríamos ainda sujeitos a um planeta quase 3ºC mais quente. Dá para imaginar, se na atual situação já estamos sentindo os severos efeitos da crise climática?
Desde o Acordo de Paris, o Brasil apresenta versões de NDCs e, como todas as outras nações, não cumpriu nenhuma delas. O Observatório do Clima, com a participação da sociedade civil, elaborou cinco pilares para que o país alcance suas metas: redução do desmatamento, a quase zero, em todo seu território (limitado a um máximo de 100 mil hectares por ano, a partir de 2030); a recuperação do passivo do Código Florestal de 21 milhões de hectares de cobertura vegetal; o sequestro maciço de carbono no solo pela forte expansão de práticas agropecuárias de baixa emissão; a transição energética para fora dos combustíveis fósseis e a melhoria da gestão de resíduos.
E como é elaborada uma NDC? O Observatório do Clima utiliza como referência o Cerf (Climate Equity Reference Framework), uma iniciativa da sociedade civil que reparte o esforço de mitigação entre os países com base na responsabilidade histórica e na renda per capita, para fazer os cálculos de projeções futuras de emissão, com dados históricos e informações sobre a renda de cada país. Essa soma não incluía as informações históricas sobre emissões de uso da terra, o que distorce a responsabilidade histórica do Brasil, mas neste ano isso mudou e elas entraram para a conta.
Mas não é apenas sobre emissões de gases de efeito estufa que a NDC trata. Uma NDC abrange medidas em adaptação, meios de implementação, perdas e danos e transição justa. E é aí que Geledés entra. “Este é um espaço de articulação em que podemos dialogar com a sociedade civil, abrindo possibilidades para reforçarmos a prioridade da agenda racial e de gênero tanto no âmbito nacional como internacional”, explica Mariana Belmont, assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés.
“Conseguimos, de forma bastante propositiva, apoiar na construção da ODC do Observatório do Clima, principalmente no que se refere à justiça climática, inclusive com oficinas, de maneira que as questões de raça e gênero fossem pautadas na transversalidade, uma vez que não é possível falarmos em desigualdades sem mencionarmos o combate ao racismo e ao sexismo. Em um país tão desigual, em que 56% da população é negra, em que há um nível de racismo ambiental tremendo tanto nas cidades quanto no campo e nas florestas, uma proposta de NDC precisa ter essa premissa de combate racial em sua centralidade”, completa.
Em especial, a colaboração de Geledés e da Rede Por Adaptação Antirracista pode ser identificada no trecho do documento sobre o Plano Clima Adaptação, com metas de adaptação a serem implementadas pelo Brasil. No quesito justiça climática, ficou explicitada a emergência de se endereçar as demandas das pessoas negras, indígenas, das mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência. O objetivo de organizações como Geledés é justamente trazer uma abordagem ampla e transversal para a elaboração de políticas públicas. Entre as recomendações do documento está a de buscar “respeitar e efetivar em todos os setores a legislação ambiental, climática e de direitos humanos, em particular os direitos das comunidades sob risco climático, combatendo o racismo ambiental e promovendo as políticas, medidas e ações sensíveis a equidade racial e de gênero”. “Estamos felizes com o resultado desse documento. Nunca antes houve uma NDC do Observatório do Clima que abordasse de forma tão transversal o combate ao racismo ambiental e essa é a urgência do agora”, conclui Belmont.