Combate ao racismo só no papel

A criminalização de atos racistas enquanto manifestação de pensamento toma conta do judiciário, enquanto o povo negro passa fome e é executado

No último período a manifestação racista, enquanto ideologia da superioridade branca se revestiu numa série de ações nos tribunais que visam julgar um pensamento. O combate ao racismo real, a fome, desemprego e execução sumária da população negra foi deixada de lado para se combater a justificação ideológica dessas questões.

Ou seja, o que se pune no Brasil nos dias atuais são as manifestações racistas individuais que, de fato, não trazem dano real a uma pessoa, e nem ganho real à causa negra. Não há razão para criminalizar um pensamento que pode ser combatido com outro pensamento, que é a base de qualquer debate ideológico.

No entanto, acionado por diversas pessoas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem formando jurisprudência conservadora sobre o tema, no sentido de punir pura e simplesmente a manifestação ideológica do racismo.

Alguns Casos

No Habeas Corpus 15.155, o STJ classificou discriminação e preconceito como racismo. A Quinta Turma manteve condenação de um editor de livros por editar e vender obras com mensagens antissemitas. A decisão foi uma interpretação inédita do artigo 20 da Lei 7.716/89, que pune quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça.

O que está colocado com essa decisão é o controle do Estado sobre obras e publicações, nada mais. Se um determinado livro dissemina a ideologia racista, a supremacia branca, o antissemitismo, quem será o melhor julgador que não o próprio leitor?

Tirar livros de circulação é medida típica de um estado fascista, que se arvora no direito de vigiar as consciências alheias. Ideologia se combate com ideologia, com críticas de esquerda, com livros e artigos que combatam o posicionamento, não com a exclusão de circulação feita pelo próprio Estado, ele mesmo completamente racista.

Outro caso relata que dois comissários foram processados por terem agredido um passageiro brasileiro em junho de 1998, durante um voo que saía de Nova Iorque com destino ao Rio de Janeiro. Depois de um desentendimento com o passageiro por causa de assento, um deles teria dito: “Amanhã vou acordar jovem, bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e você vai acordar como safado, depravado, repulsivo, canalha e miserável brasileiro”. Segundo o processo, o outro comissário também teria cometido o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei 7.716, por incentivar o colega e por tentar agredir fisicamente o brasileiro.

Foi caracterizado racismo pela tentativa de colocar o povo norte-americano superior ao povo brasileiro. Quer dizer, como se deveria responder a tal ofensa? Dizendo que o governo norte-americano é o mais racista de todos, que tem prisões espalhadas pelo mundo afora e, com base em que o comissário se julgava superior? Ou seja, é o combate no terreno ideológico. E se partir para agressão física, todos os tipos já estão previstos no Código Penal, fora a chance de devolver na mesma moeda a agressão, que é uma reação completamente legítima.

Em outro caso polêmico (RESP 911.183), um apresentador teria, em cinco oportunidades, entre janeiro e maio de 1999, incitado a discriminação contra grupos indígenas em disputa com colonos pelas terras das reservas de Toldo Chimbangue, Toldo Pinhal, Xapecó e Condá. O STJ entendeu que houve exteriorização da opinião acerca de uma situação grave, descrição de comportamentos, mas não necessariamente incitação ao racismo, o que devia ser aplicado aos demais casos, que são exteriorizações de opinião, simplesmente.

O mesmo entendimento foi aplicado no julgamento no qual o STJ manteve decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que inocentou um jornalista acusado do crime de racismo. Ele foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal por ter publicado em sua coluna uma piada que comparava uma candidata à deputada pelo Rio de Janeiro a uma macaca, o que, de acordo com o denunciante, incitaria a discriminação e o preconceito de raça e de cor.

Racismo real

Os tribunais não se manifestam contra a fome, o desemprego, a superlotação das cadeias e as chacinas diuturnas cometidas contra a população negra. Isso que é racismo, e o superiores tribunais deveriam ser penalizados ao menos por omissão.

Por outro lado, o próprio Estado que sustenta e patrocina essa verdadeira tragédia racial deveria também ser punido por racismo. Este crime não está em manifestações ideológicas racistas, mas em atos objetivos, sendo as próprias manifestações resultados conseqüentes dessa situação real de repressão ao povo negro cometida pelo Estado e seus parasitas capitalistas.

Nesse sentido, as decisões dos tribunais contra a manifestação racista possuem dois fatores importantes para o sistema. Primeiro mascara a verdadeira opressão racial sofrida todos os dias pela população negra, e com isso passa um verniz democrático no Estado racista.

Segundo, se não mais importantes, pretende fiscalizar e reprimir a manifestação de pensamento, a expressão de uma opinião. Ora, é sabido que quando o poder constituído se declara o inquisidor do pensamento alheio, não há mais liberdade de expressão de fato, independente do pensamento em análise.

E, obviamente, a repressão ao pensamento é totalmente contra-revolucionária, tendo em vista que tal poder do Estado se volta sempre contra as organizações e movimentos que pretendem destruí-lo, como a história já demonstrou.

Assim também demonstra o caso do músico gaúcho Tonho Crocco. Ele foi ameaçado de sofrer processo criminal por compor um rap contra o aumento salarial de 73% dos deputados da Assembleia Legislativa do Estado em 2010. A música foi acusada de ofender a “honra” dos deputados.

Da mesma forma está acontecendo com o Funk nas comunidades ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora. Estão proibidos de tocar por incitar a prática de crime, especialmente quando questionam a presença militar em suas comunidades.

Organização

O combate ao racismo deve ser feito pela organização revolucionária do povo negro em torno de suas plataformas de luta mais sentidas. Entregar o combate ao racismo para o Poder Judiciário e aos demais poderes é um tiro no pé.

Nesse sentido, está colocada a luta contra as UPPs e sua expulsão das comunidades negras, direito de auto-defesa de toda comunidade negra ameaçada pela polícia, salário mínimo de R$ 2.500,00, pleno emprego, cotas raciais e conseqüentemente livre ingresso nas universidades.

Fonte:Causa Operária

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