Como Portugal elevou sua educação às melhores do mundo: Pouco dinheiro, muito empenho

Desde 2015, a União Europeia observa a ascensão educacional de um país que, a despeito de ainda sentir os efeitos de uma grave crise econômica e estar entre os mais pobres do bloco, chama atenção por seus resultados no principal teste internacional de educação.

Por Carolina Pezzoni, da BBC

Portugal conseguiu que seus alunos de 15 anos ficassem acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, organização também conhecida como “clube dos ricos”) nos domínios avaliados pelo Pisa: ciências, leitura e matemática.

Aliás, desde que o exame começou a ser aplicado pela OCDE nos anos 2000, a cada três anos, Portugal avança um “bocadinho”.

Assim, há pelo menos uma década e meia, o país europeu mantém essa trajetória nos seus resultados e é o único do continente que melhora seu desempenho a cada ano.

Nem mesmo nos períodos mais duros da última grande crise, com a redução de investimentos e o ajuste fiscal imposto pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia, essa evolução cessou.

É tamanha a consistência de resultados que Portugal hoje recebe informalmente a alcunha de “estrela ascendente da educação internacional” – e fez isso sem apostar em nenhuma grande estratégia educativa, mas investindo nas pessoas que formam a comunidade escolar, especialmente as mães e as crianças de 0 a 6 anos.

Apesar dos resultados positivos, a interpretação é de que ainda há muito a melhorar. A recomendação do professor António Gomes Ferreira, diretor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, é ter prudência na leitura dos dados.

“O Pisa traduz uma boa evolução, mas não uma boa colocação: Portugal está apenas ligeiramente acima da média da OCDE, ocupando um lugar simplesmente mediano”, afirma.

País não está no topo da educação, mas teve avanços suficientes para colocar-se entre os melhores sistemas educacionais do mundo (GETTY IMAGES)

Entre os 72 participantes no teste, a pontuação de Portugal na última avaliação foi oito pontos superiores à média em ciências, cinco pontos em leitura e dois pontos em matemática – esta última diferença não é considerada estatisticamente significativa.

A colocação final dos alunos portugueses foi 17º lugar em ciências, 18º em leitura e 22º em matemática – o que posiciona o país entre os melhores do mundo, mas distante ainda do desempenho dos sistemas educacionais de referência globais, como Cingapura, Finlândia, Hong Kong, Canadá e Suíça.

“O que o Pisa e outras avaliações nos mostram é que Portugal está num patamar de país desenvolvido, mas ainda longe de acompanhar os que estão no topo”, diz Gomes Ferreira, que coordena o Grupo de Políticas Educativas e Dinâmicas Educacionais do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século 20 (CEIS20).

No entanto, ele concorda que não é por acaso que o país demonstra avanços no estudo – e que isso merece ser reconhecido.

Escolarização das mães e atenção à primeira infância

Nos últimos 50 anos, Portugal tem apresentado uma evolução educacional que vai além da dimensão escolar. Advém de um esforço amplo de mudança do status socioeconômico e cultural da população em geral, particularmente das comunidades de menor renda.

A partir dos anos 1970, Portugal universalizou o ensino, passando a ter todas as crianças em idade escolar na escola. Isso significa que os pais das crianças que estão hoje na escola são a primeira geração escolarizada – isso leva a outra maneira de educar e também a expectativas diferentes em relação ao percurso acadêmico dos filhos.

Em um período mais recente, entre 2003 e 2015, o número de mães que completaram ao menos o ensino secundário, equivalente ao ensino médio brasileiro, subiu 41%.

“O indicador que mais influencia o rendimento escolar é a educação e a escolarização da mãe”, diz Ferreira.

“Se temos hoje mães mais educadas e mais encorajadas, é natural que tenhamos crianças mais capazes de se inserir na escola, de se envolver e de evoluir na escola.”

Outro aspecto positivo está na primeira infância. A mortalidade infantil até aos 5 anos de idade em Portugal caiu 94% desde os anos 1970, segundo a Unicef, passando de 68 mortes de crianças em cada mil nascimentos para 4 em cada mil em 2015.

Um relatório de 2017 indica ainda que só 15 países, entre eles Portugal, adotam as três políticas nacionais básicas de apoio a pais de bebês e crianças pequenas no período mais crítico de seu desenvolvimento, com dois anos de educação pré-primária gratuita, pausa para amamentação no trabalho para as novas mães nos primeiros seis meses e licença parental adequada.

“Isso (o desenvolvimento das crianças nos primeiros anos de vida) pode ser tão ou mais relevante para esses resultados do que um método ou outro aplicado à escola”, defende Ferreira.

Ele destaca, entretanto, que esse é um desafio para o qual o Estado e a sociedade ainda precisam se mobilizar, ampliando a oferta de creche e educação pré-escolar para todos e atendendo a outras necessidades no âmbito sanitário e materno-infantil.

Segundo o recém-lançado relatório Education at a Glance, da OCDE, apesar dos progressos recentes, Portugal está entre os países mais desiguais, com uma grande proporção de adultos sem ensino secundário e níveis de desigualdade de renda acima da média.

Os 10% mais ricos têm um rendimento quase cinco vezes superior aos 10% mais pobres – e a diferença está relacionada à baixa qualificação da população, uma vez que 55% das pessoas entre 18 e 64 anos não concluiu o ensino secundário.

“Os países que apresentam melhores resultados educacionais são aqueles que são mais coesos socialmente”, diz Ferreira, acrescentando que geralmente são também sociedades menos violentas, mais eficientes, mais igualitárias, com mais qualidade de vida e bem-estar.

Neste sentido, sua opinião é de que a Finlândia, hoje referência em educação, foi o primeiro “aluno aplicado”, ao garantir um equilíbrio de suas políticas sociais e criar um desenvolvimento sustentado.

O Pisa simplesmente apontou para a sua consistência do ponto de vista educacional. “Este, como outros países, fez um trabalho sistêmico de organização da sociedade onde a educação se insere, gerando resultados que extrapolam o Pisa.”

Repetência e envelhecimento dos professores: os desafios

Se há uma receita portuguesa para a evolução na educação, ela passa por trabalhar em conjunto e de forma consistente a organização da sociedade. “As pessoas esquecem-se que educação é muito mais do que escola. É preciso olhar para a escola dentro da educação.”

A percepção geral é de que as instituições públicas portuguesas são bem estruturadas, com foco no desempenho dos alunos, espaço para crítica entre colegas e planejamento de atividades de acordo com os resultados. As diferenças estão, por exemplo, mais na importância dada às atividades orientadas à recuperação, na atenção às relações pedagógicas, no apoio individualizado oferecido a cada aluno.

Há uma controversa hipótese para os bons resultados dos alunos portugueses devido à ênfase que as escolas dão às provas e testes intermédios, aplicados com alta frequência e regularidade – à margem de estratégias educativas preferidas por países como a Finlândia, que abrem mão de exames para diminuir a ansiedade dos alunos com o aprendizado e ainda assim figuraram entre os países com o melhor desempenho escolar do mundo.

Enquanto ainda é difícil estabelecer o exato efeito desses elementos no desempenho dos alunos portugueses, um dos principais fatores de risco apontado por constantes estudos da OCDE (2017) é o uso frequente da retenção ou reprovação escolar.

Para Gomes Ferreira, essa política “indesejável e perniciosa” só existe por tradição e foi construída sob um modelo educacional seletivo. “(A reprovação) nunca atendeu à desigualdade de condições das crianças que estão na escola e afeta principalmente crianças de famílias de menos renda”, explica.

O desafio das escolas portuguesas passa a ser, portanto, instigar o sucesso por meio da discriminação positiva e dar mais coesão à comunidade estudantil.

Uma das escolas portuguesas com melhores resultados externos, a escola secundária do agrupamento de Carcavelos, que já ocupou as últimas posições entre as escolas portuguesas na virada do século, tem hoje a taxa de repetência mais baixa do país (aproximadamente 3%).

Sem adotar um modelo educacional específico, mas atenta ao funcionamento de outras instituições, decidiu acabar com as repetências até o nono ano do ensino básico, contrariando a visão de que a medida estaria associada ao rigor educacional. A ação vem acompanhada por um programa mais intensivo de recuperação e apoio ao aluno.

No que tange os docentes, há muitas variantes e nenhuma dúvida de que é preciso haver bons professores para haver boas escolas, mas o desafio que preocupa atualmente Portugal é o envelhecimento desta população.

De acordo com a OCDE, apenas 1% dos professores de ensino básico e secundário têm menos de 30 anos e 38% têm 50 anos ou mais – um aumento de 16% entre 2005 e 2016.

Isso gera mais um desafio à ação escolar: a desmobilização e a resistência à inovação. Uma das queixas são as mudanças repentinas feitas pelo Ministério da Educação, causando, a médio e longo prazo, um desgaste e desconforto de parte dos professores em relação à implementação de mudanças.

Existe também um risco de escassez de professores, devido ao pouco interesse dos jovens pela profissão. Segundo as últimas conclusões do Education at a Glance, o salário está compatível com o mercado de trabalho e, no topo de carreira, até acima da média dos outros países. O que torna a formação inicial menos atraente aos jovens é a falta de vagas de trabalho. Sabendo que a tendência é o desemprego, os jovens não escolhem a carreira.

Por outro lado, os professores em Portugal são melhor formados e selecionados hoje do que há 15 anos – entre os docentes do 3º ciclo e secundário, anos compreendidos pelo Pisa, a formação pedagógica específica aumentou 48% entre 2003 e 2015.

Ferreira ressalta que as relações entre a ação escolar e o desenvolvimento educacional são muito inconclusivas, deixando margem para análises mais sutis.

Além disso, quando se trata de políticas educativas, “as coisas estão sempre a mudar”, por meio de alterações de lei, no currículo ou de método. É o caso, por exemplo, da autonomia e flexibilidade curricular, medida implantada sobre 25% do tempo letivo, que acaba de entrar vigor em todas as escolas do país.

A principal questão, na opinião do professor, é saber se as mudanças são sólidas, consistentes e permitem que as gerações futuras tenham melhores perspectivas, construindo uma sociedade mais livre, igualitária e capaz de beneficiar aqueles que não têm condições.

É por isso que a leitura do Pisa interessa mais em termos de futuro do que de presente. “Olhar para os resultados do Pisa apenas em função de: ‘hoje somos melhores do que éramos no passado’ é pouco”, conclui.

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