Como se produz um Nelson Mandela?

O que deve existir no cenário político, na cultura, na economia e nas conflagrações societárias do atual para vermos o surgimento de um tipo paradigmático como Nelson Mandela?

Como deve estar o tempo? Quais as principais estações climáticas para seu surgimento? Que melodias devem embalar o nascimento de um outro Mandela? Devemos ouvir Beethoven, Bach, Strauss, Wagner? Que poemas devemos ler para que nasçam mais Mandelas? Quais as mãos para cunhar a face do mestre? Michelangelo? Rafael? Donatello? El Greco?

E sua tez? Deve ser pintada por qual gênio da arte? Da Vinci? Tintoretto?

Que rosas e lírios devemos plantar em nossos quintais, jardins e alamedas para que Mandela, de novo, nasça?

Quais devem ser as combinações das estrelas e das constelações? Qual deve ser o alinhamento lunar propicio? Qual a velocidade do vento? Qual a umidade absoluta e relativa do ar e como devem estar as bolsas de valores? Em alta, baixa, em seus pontos médios?

Para que nasça um novo Mandela o que devemos fazer?

Duas guerras mundiais? Governos fascistas pela Europa? Inventar mais um apartheid? Como devem estar os países e seus exércitos? Como devem se encontrar as fronteiras nacionais e internacionais? Como deve estar a produção alimentar e a distribuição desses mesmos alimentos?

Para que nasça mais um Mandela, quantas crianças devem nascer ou morrer de fome, de tifo ou de desnutrição?

Quantos negros devem ser assassinados na periferia, na cela ou na favela? E cadê o Amarildo?

Quantas negras deverão ser estupradas e prostituidas, vendidas ou escravizadas? Quantos trabalhadores rurais devem perder suas terras? Quantas chacinas devem acontecer, quantos rios, ribeirões e regatos devem ser envenenados para que venha mais um Mandela? Quantos quilômetros de cerrados ou savanas devem ser extintos para dar lugar a um amontoado de monoculturas e que farão dinheiro para grupinhos de gente de cor branca e engravatada?

E na América Latina? Quantas ditaduras devem ser necessárias do lado de cá do Atlântico para que, do lado de lá, nasça mais um Mandela?

Quantos paus de arara, quantos choques, desparecidos e amputados são necessários para que na mãe África, arrebente só mais um Mandela?

E na África, na linda e soberba África, quantas colônias devem ser erguidas ou reerguidas para a rebeldia que irá gerar o mestre? Quantos navios negreiros fazem um Mandela? Com quantas chibatadas fazemos um Mandela? Quantos rostos, pernas e costas devem ser ferrados para cunhar um líder como Mandela?

E nós, africanos deste Brasil confuso, quantos quilombos devemos fazer? Quantos zumbis devem rebelar-se e quantos levantes devemos pipocar para tecermos um Mandela?

Como fazemos para termos um novo Mandela? Melhor não…

Descanse Mestre! 

Ângelo Cavalcante – Economista e Cientista Político. É professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG).

 

 

 

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