‘Continuei dando aula com olho sangrando’, diz professor atingido por azulejo

Um professor de biologia de uma escola particular na Bahia reverteu a hostilidade dos alunos após discursar por uma hora com olho sangrando depois de ter sido atingido por um azulejo atirado por um aluno.

por Ricardo Senra BBC

Foto: ABR

O caso ilustra o problema da violência contra professores, uma tema de pouca ressonância nos programas eleitorais, mas que foi destacado por leitores da BBC Brasil em consultas sobre os grandes desafios da educação promovidas pelo #salasocial, que usam as redes sociais em busca de uma maior integração com o público.

A pedido da BBC Brasil, internautas compartilharam diferentes relatos sobre atos de violência contra profissionais de ensino.

A partir de indicações dos leitores, ouvimos professores das redes pública e particular sobre a questão. Leia alguns relatos:

Azulejo no olho

Bruno, professor de biologia da rede particular – Salvador

“Era meu primeiro dia de aula numa escola privada de Itapuã, em Salvador (BA). A escola era privada, bem popular, com preço baixo de mensalidade e quase todos os alunos eram moradores do próprio bairro.

A direção parecia tratar o estudo como um negócio local mesmo, sem proposta pedagógica nenhuma. Fui contratado para substituir uma professora de biologia que não aguentou ficar por lá.

Meu primeiro contato com os estudantes foi por meio de um azulejo azul, arremessado por um aluno do 3º ano em meu primeiro dia de aula. Fui atingido acima do olho esquerdo e lembro de ter sangrado muito.

Decidi não recorrer à direção e tentar resolver tudo ali na sala mesmo. Seriam duas aulas seguidas, um total de 100 minutos.

Professor Bruno: 'depois desse dia senti uma aproximação melhor dos alunos comigo, parece que eles entenderam, acabamos ficando muito amigos...'
Professor Bruno: ‘depois desse dia senti uma aproximação melhor dos alunos comigo, parece que eles entenderam, acabamos ficando muito amigos…’ ( Arquivo Pessoal)

Fiquei esse tempo inteiro sangrando e discursando sobre o ocorrido com os alunos. Tentei mostrar o lado do professor, que está ali ralando para ganhar pouco. Falei do contexto socioeconômico do bairro deles, que era muito precário, abandonado pelo Estado, e que eles deveriam aproveitar as oportunidades que tinham para aprender, trocar experiências, tentar promover uma vida de mais qualidade para eles, para a própria família, para o bairro.

Fui dando exemplos de coisas que aconteciam na comunidade. Ao invés de a população se autoorganizar para melhorar a própria vida, eles mesmos se entrematavam, se agrediam, depredavam o próprio bairro… Atitudes como essa não ajudariam em nada.

Mais por compaixão pela minha situação, já que fiquei mais de uma hora falando enquanto sangrava, do que pelo discurso, alguns alunos aos poucos foram trazendo exemplos de pessoas que eram cordiais no bairro, que ajudavam uns aos outros etc.

O rapaz que jogou o azulejo, que eu sabia quem era, mas acabou achando que ficou no anonimato, ficou o tempo todo calado.

Fiquei dando aula nessa escola por apenas oito meses, pois surgiu outra oportunidade melhor para mim, mas depois desse dia senti uma aproximação melhor dos alunos comigo, parece que eles entenderam, acabamos ficando muito amigos… Inclusive esse aluno que jogou o azulejo ele passou a ser bem cuidadoso e respeitoso.

Acredito que tenha sido uma forma de se autoafirmar como o ‘malandro’ da sala, o cara perigoso, para ganhar certa autoridade perante os colegas. Acho que nesses lugares mais sofridos, essa é uma forma de elevação de autoestima comum entre os jovens.

É se afirmar pela violência.”

‘O PCC entrou na escola’

Felipe, professor de matemática da rede pública, São Paulo

“Em minha escola, há toque de recolher. Os professores descem o morro em comboio. A polícia entra na escola e agride alunos violentos. Ficamos numa região extremamente vulnerável em termos de segurança. A área é comandada pelo PCC.

Por um tempo, dois alunos estavam colocando bombas no banheiro. Aquela velha história, sabe? Não, você não sabe.

Após algumas bombas e carros de polícia aparecendo atrás dos responsáveis, o chefe da facção criminosa entrou no colégio. Ele passou de sala em sala, uma por uma, dizendo que as bombas estavam atrapalhando o negócio dele.

E eu, professor lá, sem poder fazer nada.

O homem dizia que, se os responsáveis continuassem, haveria revide. Ele não queria polícia toda hora na região, isso é ruim para as vendas.

No dia seguinte, já não tinha mais bomba. É assim que se resolvem as coisas?”

‘Quebrou um vaso em minha cabeça’

Antônio, professor de história da rede pública, São Paulo

“Minha aula era das últimas da tarde. Quase no fim, dois meninos apareceram querendo entrar. Não deixei e mandei eles conversarem com a coordenadora. Ela pegaria seus dados e entraria em contato com a família para entender o atraso. Essa é a rotina normal.

Mas o menino estava muito alterado e partiu para a grosseria. Eu via que ele estava nervoso. Ele piorou, continuou xingando e ofendeu minha mãe, meu pai, minha família. Sexta série, 12 anos. Veja bem.

Ligamos imediatamente para a mãe dele. Ela chegou por volta de 18h10. Na sala de espera, ele sentou de um lado, a mãe do outro, ambos em frente a uma mesa de centro. Ali, ficava um vaso de flores de argila, trabalho feito por um aluno em sala de aula.

‘O que foi que aconteceu com meu filho?’, perguntou a mãe. Antes de eu responder, o vaso quebrou com força na minha cabeça. Era o menino.

Desmaiei na hora e, aos poucos, voltei. O impacto foi muito forte. Aí não teve mais conversa: fui direto para o hospital, fui medicado, e felizmente não houve nada mais grave.

Ele foi transferido para outra escola ali do lado. Continuávamos nos vendo. Aos poucos, voltamos a ter contato. Ele passou na minha casa, pediu desculpas. Desculpei.”

‘O trauma continua’

Jorge, professor de sociologia da rede pública – São Paulo

“Toda vez que eu ia para a lousa, eles começavam a bater as mesas contra o chão. Era um barulho ensurdecedor. Quando eu me virava, todo mundo ficava quieto. Voltava e eles repetiam de novo. Depois paravam. Sem fim.

Eram dois alunos que comandavam a sala, eu sabia disso. Uma hora, já tremendo, eu não aguentei e dei uma bronca neles. Quando voltei novamente à lousa, um deles falou um palavrão e ameaçou jogar uma cadeira na minha cabeça. Sempre anonimamente. Covardes.

Durante muito tempo, eu entrava em pânico antes de entrar na sala de aula. Ficou só na ameaça, mas o trauma continua. Você vive com medo.

Foram vários episódios, não só comigo como com colegas. Há muitos alunos que ameaçam, quebram carros, muitos já cometeram transgressões e voltaram para ressocialização.

Sei de um caso em que jogaram uma toalha no rosto de uma professora e a socaram. Casos de professoras que foram empurradas nas escadas. Ficou tudo tão banalizado que não sei nem se essa reportagem pode ajudar.

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