Entrevista: Pesquisadora comenta desigualdades entre crianças negras e brancas na educação infantil
Por: Cristina Teodoro Trinidad, do Observatório da Educação
Em relação às desigualdades étnico-raciais, a pesquisadora destaca que a freqüência à educação infantil está relacionada diretamente às condições socioeconômicas das famílias, portanto, são as desigualdades e disparidades entre as mulheres brancas e as mulheres negras que interferem no acesso das crianças. Para a superação dos problemas, Cristina aponta a necessidade de construir uma legislação que, de fato, destine um orçamento para a educação infantil, além da obrigatoriedade do ensino nessa etapa, acompanhada pela discussão da qualidade e formação adequada dos profissionais.
…em relação às disparidades entre crianças negras e as brancas, que aumentou nos últimos anos, existem alguns fatores que têm contribuído para isso.
OE: Qual a sua análise sobre os números apresentados?
Cristina: Infelizmente, o relatório não trouxe muitas novidades. O que traz de forma mais explícita é a desigualdade no acesso à educação infantil entre as crianças brancas e negras.
OE: E quais são os fatores que contribuem para a ampliação dessa desigualdade?
Cristina: No geral, há um aumento da freqüência em relação às crianças de zero a três anos e entre quatro e cinco anos, mas esse aumento é bastante insignificante. Em relação às disparidades entre crianças negras e as brancas, que aumentou nos últimos anos, existem alguns fatores que têm contribuído para isso.
Não é possível fazer uma separação entre as condições socioeconômicas da mãe e a freqüência à escola. O primeiro fator é a relação da escolaridade da mãe. As crianças de zero a três anos que freqüentam a educação infantil são filhas de mãe com maior nível educacional. E se fizermos a relação entre mulheres brancas e negras isso fica visível. Isso é um fator bastante contundente quando penso em por que as crianças negras não estão freqüentando o espaço da educação infantil. Além disso, quanto maior a escolaridade da mulher, menor o número de filhos. As mulheres negras ainda têm índices de filhos muito maior que as brancas. É uma proporção, em 2007, de 2,3 para as negras e 1,9 para as brancas.
Outro fator que, de forma geral, contribui para que essas crianças não estejam no espaço da educação infantil é a relação com a inserção da mulher no mercado de trabalho. Novamente, se pensarmos essa questão em relação às disparidades existentes entre mulheres brancas e mulheres negras, vemos que a renda familiar das mulheres brancas é muito maior que a das mulheres negras, que têm taxa de desemprego maior. Então, a inserção da mulher no mercado de trabalho contribui diretamente, principalmente na faixa etária de quatro a cinco anos de idade. Quando as crianças vão crescendo, as mulheres vão se inserindo no mercado de trabalho e isso faz com que elas busquem espaços para que seus filhos permaneçam, dentre esses espaços o da educação infantil.
Outra questão são as condições domiciliares. Há disparidade enorme, pois a população branca, pelo rendimento, tem mais oportunidades de morar em lugares com mais qualidade. A oportunidade de ter qualidade de vida e morar em condições favoráveis influência diretamente na permanência e freqüência da criança no espaço da educação infantil.
OE: Um dado que chama a atenção é o maior atendimento no Nordeste em relação ao Sudeste. Quais são os fatores?
Cristina: Desde a década de 1970, organismos internacionais, como Unicef e Banco Mundial, destinam recursos a esse bolsão da pobreza. A educação infantil, historicamente, sempre esteve aliada à questão da desnutrição. Então, no Nordeste, onde os índices de desnutrição infantil são muito maiores, a educação infantil foi um foco. A associação da pobreza à questão da educação, levou as crianças para o espaço da educação infantil, não porque é um direito, mas por diminuir o índice da desnutrição. Esse é um dos fatores que fizeram com que o Nordeste, ao longo da história, tivesse expansão muito maior na questão da educação infantil.
Em relação às regiões, há que se ter cuidado ao fazer a leitura dos dados. No histórico da educação infantil, a região Nordeste é a que teve maiores índices de expansão, o que beneficiou crianças brancas e negras, das duas faixas etárias. Apesar disso, os indicadores dessa expansão são bastante ruins. Na região Nordeste, temos pior qualidade para a educação infantil. O professorado é leigo, recebe menos em relação às outras regiões e os espaços são completamente inadequados. Ou seja, as crianças têm mais acesso, mas isso não significa que estejam em melhores condições.
Além disso, as crianças de famílias com maior rendimento têm melhores acessos em função disso. São outras oportunidades, outras redes, outras alternativas. Há um processo de desigualdade, apesar da oportunidade de acesso, não há a mesma qualidade, em função da renda.
Ainda em relação às desigualdades entre as regiões, no Nordeste as crianças entre sete e nove anos ainda estão no espaço da educação infantil, ao invés de já estarem freqüentando o ensino fundamental. Há um problema de evasão escolar e defasagem idade/série, o que faz com que essas crianças permaneçam nesse espaço.
OE: Qual a política pública educacional necessária para a superação das desigualdades?
Cristina: Se pensarmos a educação infantil como um direito da criança, há a necessidade de fazer a ampliação da qualidade da formação dos profissionais. No Nordeste muitos são leigos e, no Sudeste, o índice de professores(as) que têm apenas o ensino fundamental é grande. Além disso, há necessidade de garantir espaços adequados. Uma política pública que leve em consideração a qualidade deve pensar em espaços com parques, brinquedos, materiais pedagógicos. A expansão é feita sem isso, não há material pedagógico, o Ministério da Educação (MEC) não inclui a educação infantil na disponibilização de livros, por exemplo. Além disso, é preciso definir um orçamento. Mesmo com o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), não há, de fato, um orçamento que determine o quanto dessa verba é para a educação infantil e de que forma essa verba deve ser aplicada.
Além disso, se as questões estão relacionadas com as condições socioeconômicas das mulheres, é preciso pensar políticas públicas relacionadas às disparidades entre as mulheres negras e brancas, a inserção no mercado de trabalho, a questão do aumento da escolaridade e da moradia.
OE: O relatório deposita muita expectativa no Fundeb para a superação dos problemas. Os recursos alocados são suficientes?
Cristina: O Fundeb é, de fato, um avanço e há grande expectativa. Mas, 60% da verba é para o ensino fundamental. Os demais 40% são disputados pelas demais etapas. Como fica ao município a tomada de decisão, é uma lei que, na sua aplicação, não é suficiente.
OE : O que pensa sobre a obrigatoriedade de pessoas entre 4 e 17 anos freqüentarem a escola?
Cristina: É importante ter obrigatoriedade, e não só a partir dos quatro anos. A educação infantil sempre esteve, no Nordeste, atrelada à questão da desnutrição, e nas demais regiões atrelada à questão do ensino fundamental. Se ela passa a ser obrigatória, significa ter um orçamento próprio, o que é fundamental, não só a partir dos quatro anos, mas também de zero a três anos. Se for só a partir dos quatro anos, corre-se o risco de esquecer as de zero a três anos, o que já vem acontecendo.
OE: Mas pais e mães seriam obrigados a matricular seus filhos desde muito pequenos…
Cristina: As crianças brancas estão matriculadas na educação infantil desde muito pequenas, em espaços privados. Há que se pensar uma política de qualidade para atendimento apropriado à idade. Não vejo como um problema os pais terem que levar seus filhos para a educação infantil e as crianças poderem ter melhores condições e qualidade de ensino, desde a tenra idade.