Emir Sader: Governo paga caro por não ter democratizado os meios de comunicação

O primeiro ato de protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, metrô e trem na cidade de São Paulo aconteceu em 6 de junho. Convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL), reuniu 5 mil pessoas.

por Conceição Lemes

O segundo ato, no dia seguinte, juntou, também, 5 mil.  O terceiro, 12 mil.  O quarto, em 13 de junho, quando houve violenta repressão policial, 20 mil.

Ao quinto ato compareceram mais de 200 mil.  Ao sexto, mais de 50 mil. No sétimo, em 20 de junho, para comemorar a redução da tarifa, 100 mil. No mesmo dia, ocorreram manifestações em mais de 120 cidades brasileiras, com grande variedade de pautas. Dirigidas inicialmente a seus prefeitos e governadores, passaram a ter como alvo principalmente o governo federal.

“O crescimento muito forte do movimento seria impossível sem a ação monopolística dos meios de comunicação”, alerta o sociólogo Emir Sader. “O governo está pagando caro por não ter democratizado os meios de comunicação. É um bumerangue que está voltando para as mãos do próprio governo.”

Emir Sader é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. É também secretário-executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais. Nesta entrevista ao Viomundo, ele analisa as mobilizações que ocorreram nas duas últimas semanas, a atitude do prefeito Fernando Haddad (PT) e  o que a esquerda deve fazer agora.

Viomundo – Por que as manifestações cresceram tanto?  Qual a sua avaliação do movimento?

Emir Sader — As mobilizações tiveram potencial de crescimento muito forte, porque pegaram duas fragilidades especiais do governo. A falta de políticas destinadas aos jovens, que dialoguem com eles: cultura, aborto, descriminalização de drogas, internet.  E a ausência de iniciativas para democratizar os meios de comunicação.

Os jovens se mobilizaram por uma proposta justa contra o aumento de tarifa de transporte público. Porém, ela acabou catalisando quantidade enorme de outras demandas de diferentes tipos. O movimento passou a ser, então, uma disputa entre a extrema direita e extrema esquerda.

Obtida a primeira vitória, no dia 19, o movimento se esvaziou, porque o objetivo imediato foi alcançado. Porém, a partir da última quinta-feira 20, mudou o caráter das coisas. O potencial totalitário, que estava em segundo plano devido à reivindicação inicial, aflorou.

Tanto que a manifestação da quinta-feira passada não teve caráter de festividade, embora fosse a proposta do Passe Livre. Foi um ato sem objetivo imediato. E, aí, pode exteriorizar-se mais claramente a agressão contra a participação do PT, da CUT, já que o objetivo central tinha desaparecido do horizonte. Também as cenas de vandalismo se multiplicaram, a ponto de a direção do Movimento Passe Livre dizer que por ora não vai convocar outra manifestação.

Viomundo – Por que mudou o caráter?

Emir Sader — Essas mobilizações sem objetivo imediato, ingenuamente ou não, se prestam a ser  laranjas dos vândalos, que,  por sua vez desatam um processo repressivo como resposta. Dão a impressão de que estão buscando um cadáver, algum heroísmo, para poder multiplicar o movimento. Acho que, aí, já prevalece mais a ideia da provocação.

A própria imprensa, que até a última quinta-feira estava falando euforicamente “de um Brasil que está na ruas”, começou a passar a ideia de que o País estava sem controle. Foi como que apelando à repressão, querendo que o governo se aventurasse a uma repressão maior que o desgastaria, desgastaria a sua autoridade e geraria mais uso da força.

Viomundo – Esgotou-se uma etapa?

Emir Sader – Penso que sim, porque terminou a natureza reivindicatória, que foi vitoriosa e ficou sem objetivos imediatos, se prestando muito a desatar uma onda de violência, que,  aqui no Rio de Janeiro,  está sendo explorada. É preciso ver o que vem em seguida.

Viomundo – Nas manifestações de quinta-feira, não apenas bandeiras de partidos políticos, mas também do MST e do movimento negro foram queimadas, destruídas. O que acha disso?

Emir Sader — A mídia conseguiu inculcar a ideia da raiva dos partidos políticos, particularmente do PT. A gente pode perguntar: Por que a raiva do PT e não do PMDB e dos tucanos?

Aí, tem um instrumento de classe. É a bronca com os partidos, os governos, a política e o PT, que, claro, é  o que encarna mais diretamente isso.

Mas tem outro elemento que os opositores do governo estão tentando tornar dominante: desqualificar a ideia de que o Brasil melhorou.

Até a oposição aceitava isso e começava a discutir, que precisava fazer mais. Eles partiam desse pressuposto. Agora, eles estão com uma ideia de tábula rasa. É contra tudo o que está aí, personificado no PT, e essa ideia de que o Brasil acordou.  Esse é o selo da direita, que agora deu mais um passo adiante. Não é a ideia de que precisa fazer mais, fazer melhor. É a desqualificação da política, do governo, do PT e tudo mais. Essa propaganda tem um substrato que desemboca na violência, porque é a representante disso que está aí.

Viomundo –Em que medida a falta de iniciativas do governo para democratizar a mídia e  a não regulamentação dos meios de comunicação contribuiu para isso?

Emir Sader –  Esse movimento seria impossível sem a ação monopolística dos meios de comunicação.  No começo, eles até desqualificavam o movimento, depois perceberam que poderia ser um elemento de desgaste do governo federal e passaram a apoiar desproporcionalmente, a multiplicar sua importância.

Acho que o governo está pagando um preço caro por não ter democratizado os meios de comunicação. É um bumerangue que está voltando para as mãos do próprio governo.

Até agora, aparentemente, iria surfar nas eleições de 2014, e não queria briga nenhuma. Mas a Dilma já começou a perceber que o seu modelo econômico e social está sendo afetado pela desestabilização promovida pela mídia e a sua popularidade também.

Claro que houve, ainda, a intervenção desastrosa do prefeito de São Paulo, que poderia ter cortado isso logo no começo. Ele tem uma responsabilidade grave nessa história toda.

Viomundo – O Fernando Haddad foi titubeante?

Emir Sader — Eu nem diria titubeante. Diria que estava com uma atitude equivocada. Primeiro, ele condenou as ações de vandalismo, fazendo parecer que a violência era isso, não era a violência também da PM. Segundo, ele fechou as portas para a negociação, dizendo que não receberia representantes do movimento enquanto houvesse violência.

Disse também que não voltaria atrás no aumento. Ou seja, ele tinha mesma postura do Alckmin: não negociar e denunciar a violência dos manifestantes.

Viomundo — Essa postura do prefeito contribuiu para que o movimento crescesse?

Emir Sader — A violência sempre multiplica os movimentos. Além isso, ele fechou as portas para a negociação, ajudando ainda mais a disseminar o movimento. Ele tem responsabilidade de ter facilitado o alastramento das mobilizações.

Viomundo – O governo Dilma se afastou dos movimentos sociais. Se isso não tivesse ocorrido, a evolução das manifestações  não teria sido outra?

Emir Sader – Mais do que o governo Lula?

Viomundo — Acho que sim. Os próprios movimentos sociais queixam-se disso.

Emir Sader — Não dá para ficar culpando só o governo. Ele faz as suas políticas sociais, elas são mais ou menos populares. Agora, os movimentos sociais, que deveriam mobilizar os beneficiários dessas políticas, perderam a capacidade de mobilização.

Na quinta-feira, o MST e a CUT disseram que iriam à manifestação. Em São Paulo e  no Rio de Janeiro, comparecimento deles foi muito pequeno, mostrando flagrante incapacidade de mobilização.

Eu não acho que substancialmente o governo da Dilma se afastou mais do que o governo Lula. Uma coisa é o diálogo. O Lula chamava mais, conversava mais com os movimentos sociais… Você não tem quem realmente defenda os trabalhadores no seio do governo.

Viomundo – Nos últimos dias, muitos leitores postaram comentários preocupados com a possibilidade de um golpe no Brasil. O que acha disso?

Emir Sader — Todos os comentários que eu vejo sobre o assunto são fantasmas da esquerda. Pânico da esquerda. Não se tem notícia vinda das Forças Armadas nesse sentido. Quem sabe o que é golpe conhece isto. Não há clima para golpe.

Tudo bem, não se pode baixar a guarda. Mas também não se deve alimentar o fantasma do golpe. O objetivo da direita é desgastar a Dilma para tentar chegar ao segundo turno em 2014. O passo seguinte são as pesquisas eleitorais  para mostrar o desgaste da Dilma. Esse é  o caminho. Aí, vale tudo.

Viomundo – Nessa situação, o que a esquerda deve fazer?

Emir Sader – Primeiro, ir para as ruas com suas próprias manifestações para disputar o espaço político.

Segundo, disputar a interpretação, a narração do que está acontecendo hoje no Brasil. Nós sabemos que, quando há um avanço histórico da esquerda, há uma contra-revolução ou uma reação correspondente da direita.

É o que está acontecendo hoje. Mídia e oposição manipulam, usam os jovens como massa de manobra, disseminando a ideia de que  o Brasil é uma merda, de que tudo o que é feito aqui é uma merda.

Nós temos que tentar impedir que se consolide essa visão muito retrógrada do País. Nós temos que favorecer a nossa interpretação do que está acontecendo e mostrar o que, de fato, já foi feito.

Terceiro, disputar nacionalmente com oposição a nossa agenda. Isso significa batalhar pela democratização dos meios de comunicação e  financiamento público das campanhas eleitorais, entre outras coisas.

Esses são os três desafios que a esquerda tem de enfrentar.

 

 

Fonte: Viomundo

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