Ensino da cultura afro-brasileira nas escolas depende de “boa vontade”

 

 

Daniele Silveira

Divulgação / Comissão de Direitos Humanos da Alerj

Na luta permanente contra o racismo, ao longo de 2013 os movimentos sociais estiveram nas ruas para denunciar o genocídio da população negra. Ao mesmo tempo a constatação de que a Lei 10.639 ainda não foi implementada é um dos sintomas da falta de comprometimento dos governantes com essa parcela da população, formada por mais de 100 milhões de pessoas, segundo o IBGE.

Resultado da pressão popular, desde 2003 essa lei tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e particulares. A legislação alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que cinco anos depois foi modificada pela Lei 11.645/08, incluindo a temática indígena.

Em 2013, a Lei 10.639 completou uma década, e o que se percebe é que o tema não é tratado como obrigação. São poucas iniciativas de aplicação da norma, tocadas por educadores geralmente negros já engajados com o debate. A situação é confirmada no depoimento da professora da rede pública Adriana Moreira.

“O que eu tenho que fazer é levar a pauta para sala de aula, pensar nos valores civilizatórios afro-brasileiros e como esses valores podem organizar o meu trabalho dentro da sala de aula, metodologia, enfim. Mas normalmente é um ou dois professores. Não tem uma disposição do coletivo de professores ou mesmo da gestão da escola em implementar a lei e tornar esse um conteúdo estruturador do currículo e do projeto político-pedagógico, da escola.”

A educadora avalia que a dificuldade de aplicação da lei também está relacionada à própria formação dos professores, pois cursos superiores de licenciatura e pedagogia ainda resistem em incorporar disciplinas sobre o tema em seus currículos. Adriana questiona a falta de ferramentas que possam ajudar a fiscalizar a implementação efetiva da lei, como o próprio Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

“A lei não dispõe recursos específicos para trabalhar com a temática e não prevê avaliação do processo. Porque o Ideb precisava ter um componente. A implementação da lei 10.639 poderia vir a ser um dos critérios de avaliação das unidades escolares, e que infelizmente a gente ainda não viu isso.”

O Ideb é calculado com base em taxas de aprovação e desempenho dos estudantes na Prova Brasil.

Teimosia paulista

Também na área da educação, as políticas de ações afirmativas estão entre as principais pautas do movimento negro. No último mês de agosto, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei de Cotas Sociais, que destina 50% das vagas em universidades e escolas técnicas federais para estudantes oriundos de escolas públicas. Dentro dessa cota haverá a distribuição entre negros, pardos e indígenas, conforme a composição da população em cada estado.

Na contramão da democratização do acesso ao ensino superior, muitas universidades estaduais ainda oferecem grande resistência para a adoção de cotas, sobretudo em São Paulo. Para o professor de História e integrante da UNEafro Brasil Douglas Belchior, essa postura é consequência de um projeto político.

“É um projeto do governo do estado e do governador [Geraldo] Alckmin do PSDB que são contra as cotas e a presença de pobres e negros nas universidades. Eles continuam fazendo da universidade essa ilha de exclusão.”

No decorrer dos anos, as universidades paulistas adotaram políticas próprias de inclusão. A USP e a Unicamp concedem aos estudantes de escolas públicas – contemplando pretos, pardos e indígenas – um bônus que é acrescido na nota final. A Unesp implantou cotas, mas a medida foi considerada tímida pelos movimentos por ser gradual. A universidade atingirá a meta de reservar metade das vagas somente em 2018.

Em junho de 2013 a Frente Pró-Cotas Raciais de São Paulo apresentou na Assembleia Legislativa um modelo de Projeto de Lei que prevê reserva de 55% das vagas nas instituições de ensino superior mantidas pelo estado (USP, Unesp, Unicamp e Fatec). Ao mesmo tempo, há uma campanha que pretende coletar 200 mil assinaturas em apoio ao projeto.

Contrariando o histórico do governo de São Paulo na adoção de políticas afirmativas, Alckmin anunciou no começo de dezembro um projeto de lei prevendo cota racial no serviço público estadual. A proposta reserva 35% das vagas na administração direta e indireta para negros, pardos e indígenas. Belchior avalia que a iniciativa é resultado da conjuntura política atual e da pressão popular que o movimento tem feito nos últimos anos.

“Agora ele tem um governo do PT muito próximo a ele, que é a experiência do Haddad na prefeitura. E o PT tem como característica avançar um pouco mais que o PSDB em algumas políticas de reparação especialmente nessas questões relacionadas a questão racial. E isso força ele ainda mais em um ano pré-eleitoral a ter uma resposta mais rápida. Então, não é por acaso que logo em seguida que a Dilma anuncia que o Alckmin vem seguida para fazer esse anuncio.”

No início de novembro, a presidenta Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei que reserva 20% das vagas do serviço público para negros. A proposta foi anunciada durante a abertura da 3ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (III Conapir).

Face violenta do racismo

Enquanto as pautas relacionadas às ações afirmativas caminham a passos lentos, a violência contra jovens negros continua em alta e com respostas tímidas do Estado. As vítimas de homicídios no Brasil apresentam um perfil em comum. Segundo dados do Ministério da Saúde, 53% são jovens. Desses, mais de 75% são negros.

O programa Juventude Viva, lançado pelo governo federal em setembro de 2012, para fazer o enfrentamento da violência contra a juventude negra no país ainda não deu respostas aos movimentos. Débora Maria, coordenadora do movimento Mães de Maio, que organiza familiares de jovens mortos por policiais, tem receio de que o projeto seja usado apenas como uma política “oportunista”.

“A política que o nosso governo oferece para a juventude é encarceramento em massa e extermínio por parte das instituições dos policiais. Então, o que a gente vê é um número crescente por parte do extermínio e sem uma punição severa aos algozes dos nossos filhos”

Estimativas indicam que apenas 3% dos casos em que há morte em confronto com a polícia são investigados no país. Como forma de combater esses absurdos, os movimentos exigem o fim dos “autos de resistência” e a desmilitarização das polícias.

Fonte: Radioagência NP

 

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