Estudo de imprensa retrata realidade do aborto no Brasil

Análise de notícias de jornais impressos mostram histórias de vida de mulheres que utilizaram o medicamento Misoprostol para abortar


Pouco se conhece sobre as práticas e as rotinas de mulheres que abortam no Brasil. Em programas de aborto legal, o método considerado mais seguro é o uso de medicamentos, sendo o Misoprostol e a Ocitonina os principais remédios utilizados. Cientes de que existe a venda ilegal de medicamentos abortivos, pesquisadores do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) verificaram como a mídia impressa brasileira noticia o comércio do misoprostol, principal substância utilizada para provocar o aborto. Para a análise, foram consultadas 524 notícias de 62 veículos impressos regionais e nacionais. Os resultados apontaram que o medicamento em si é pauta permanente em destaques policiais e que as mulheres só aparecem quando a questão central não é a venda ilegal do remédio, mas o aborto provocado por ele.

São escassos os estudos acadêmicos sobre mulheres que realizaram aborto em condições ilegais, uma realidade descortinada preferencialmente pelas notícias. Uma possível explicação para esse descompasso entre a pesquisa acadêmica e a investigação jornalística é que, diferentemente do pesquisador, o jornalista tem acesso às histórias dos personagens envolvidos sob a proteção legal do sigilo da fonte, elucidam os pesquisadores, em artigo publicado na edição de janeiro da revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz. Um pesquisador que estude o aborto se compromete, mas, infelizmente, sem nenhuma proteção legal para esses acordos de pesquisa. Grande parte dos estudos acadêmicos brasileiros sobre o tema foi realizada por profissionais de saúde em hospitais públicos com mulheres em processo de abortamento iniciado por medicamento.

Dessa forma, segundo os pesquisadores, as narrativas jornalísticas permitem avançar no conhecimento sobre aborto clandestino no país quanto às condições de decisão das mulheres pela prática, aos métodos utilizados, às intercorrências dos procedimentos adotados e ao atendimento dispensado nos serviços públicos de saúde. Eles indicam que 12% das matérias apresentavam histórias de vida de mulheres que utilizaram o Misoprostol para abortar. No entanto, o Misoprostol é objeto de notícias policiais nas quais o foco é a venda e tráfico de medicamentos de gênero (42%).

Para a mídia impressa, o aborto é o uso a que se destina o Misoprostol, assim como o Desobeci-M é para o emagrecimento e o Pramil, para disfunção erétil. Ao reduzir o Misoprostol a um dos produtos do tráfico de medicamentos de gênero, as matérias são peças factuais sobre a ação policial, afastando-se do enquadramento religioso-político do aborto na imprensa brasileira, destacam os pesquisadores. Pouco se sabe sobre os compradores do medicamento, pois o foco da cobertura é a ação policial, os produtos apreendidos e, em menor intensidade, a figura dos vendedores.

Com relação às notícias em que o foco é o aborto, as mulheres têm de 13 a 46 anos e são enquadradas em dois perfis econômicos, intitulados pelos estudiosos de trabalhadoras e burguesas. Para as primeiras, o aborto aparece como uma necessidade. Já para as outras, como recurso de planejamento reprodutivo. As mulheres trabalhadoras que usam o Misoprostol e abortam nas primeiras semanas são apresentadas como personagens de uma peça de retórica midiática: suas biografias são protegidas por pseudônimos e atestam a veracidade da voz do jornalista, afirmam os estudiosos.

Eles ainda indicam que em algumas narrativas o aborto tardio é confundido com infanticídio, que viram pautas exclusivas e recorrentes na imprensa regional com o tom de grave repressão moral. Não há nenhuma referência a seus contextos de vida de modo a permitir alguma identificação da opinião pública com suas histórias. Elas representam a alteridade-limite: não só negam a maternidade como também cometem o crime mais brutal contra o feminino, concluem os pesquisadores.

 

Fonte: CCR

+ sobre o tema

Bebê morre durante parto e família acusa médica de negligência em Mangaratiba, no Rio

Segundo mãe da criança, obstetra falava ao celular durante...

Amazônia: mulheres negras protagonizam a luta popular

O capitalismo patriarcal e machista é um dos indicativos...

Unegro promove campanha publicitária de combate ao racismo

A União de Negros pela Igualdade (Unegro) completou...

Se Eike Batista tivesse ouvido a dona Laurinda – Por: Fernanda Pompeu

Leio que Detroit, a cidade que aprendemos a...

para lembrar

Iza faz show em live para anunciar gravidez: ‘Parece que o mundo já mudou de cor’

A cantora Iza está grávida de seu primeiro filho....

Sônia Nascimento – Vice Presidenta

[email protected] Sônia Nascimento é advogada, fundadora, de Geledés- Instituto da...

Suelaine Carneiro – Coordenadora de Educação e Pesquisa

Suelaine Carneiro [email protected] A área de Educação e Pesquisa de Geledés...

Sueli Carneiro – Coordenadora de Difusão e Gestão da Memória Institucional

Sueli Carneiro - Coordenação Executiva [email protected] Filósofa, doutora em Educação pela Universidade...
spot_imgspot_img

Geledés – Instituto da Mulher Negra abre novas turmas do Curso de Multimídia online e para todo Brasil 

O projeto de comunicação do Geledés – Instituto da Mulher Negra está abrindo novas turmas de formação em multimídia em parceria com o Zoom...

Iza faz show em live para anunciar gravidez: ‘Parece que o mundo já mudou de cor’

A cantora Iza está grávida de seu primeiro filho. A informação divulgada nesta quarta-feira (9) foi confirmada pela equipe da cantora. Nesta sexta-feira (12),...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...
-+=