Geledés – Instituto da Mulher Negra reivindica o reconhecimento da população afrodescendente na COP16

Geledés na ONU, incidencia internacional de Geledés Instituto da Mulher Negra
Enviado por / FonteNota de Geledés

Geledés – Instituto da Mulher Negra está na COP16, a Conferência sobre Biodiversidade, em Calí, na Colômbia, acompanhando as negociações sobre o novo programa de trabalho do Artigo 8(j) que trata do conhecimento tradicional associado à biodiversidade. O artigo reconhece a importância dos conhecimentos, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. Geledés defende o reconhecimento e a inclusão da população afrodescendente por meio de uma abordagem transversal em seus oito elementos, com especial destaque para o sexto1 e oitavo2, ou pela inclusão específica de um novo elemento denominado “Reconhecimento, participação plena e efetiva da população afrodescendente”. Geledés, como outras organizações afrodescendentes, não vê a população afrodescendente como “comunidades locais” presente redação do artigo que delimita e, por isso, defende  a ampliação da linguagem utilizada.

O Artigo 8(j) estabelece que cada Parte Contratante da Convenção sobre Diversidade Biológica deverá, na medida do possível e conforme apropriado, sujeito à legislação nacional, respeitar, preservar e manter os conhecimentos, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais que incorporam estilos de vida tradicionais, relevantes para a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica. Além de promover a aplicação de tais conhecimentos, incentivando a repartição equitativa dos benefícios decorrentes da utilização de inovações e práticas.

A população afrodescendente, representa aproximadamente 300 milhões de pessoas, definição estabelecida pelo Grupo de Trabalho Especialistas em Afrodescendentes. Essa população é formada por descendentes das vítimas do tráfico transatlântico de escravos e do Mar Mediterrâneo, inclui os do comércio de escravos sub-saarianos, que vivem principalmente na diáspora da América do Norte, Central, do Sul e no Caribe. A população afrodescendente é parte integrante da história e dos processos econômicos, políticos, ambientais e sociais de construção e desenvolvimento das nações na América Latina e no Caribe3. Os censos nacionais, de acordo com Cecchini et al. (2021), estimam que 21% da população total da região, pouco mais de 134 milhões de pessoas, são afrodescendentes. No Brasil, 56% da população é negra, ou seja, afrodescendente segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2022). 

Globalmente, a população afrodescendente está desproporcionalmente concentrada em ‘’zonas de sacrifício’’ – regiões onde predominam ameaças à vida devido à degradação ambiental. Essa realidade de magnitude histórica, implica em ganhos econômicos e políticos para uns, enquanto submete muitos a condições de extrema vulnerabilidade.

À luz da situação das mudanças climáticas no Brasil, Geledés defende que o racismo ambiental seja reconhecido por parte das autoridades nacionais e internacionais. A sinergia entre a proteção da biodiversidade e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas é fundamental para o diálogo a propostas para políticas públicas. O conceito racismo ambiental foi formulado para demonstrar que os impactos da degradação ambiental e das injustiças ambientais e climáticas afeta diretamente pessoas racializadas O que exige a reorientação das instituições políticas, dos sistemas econômicos e dos princípios legais para implementar medidas antirracistas de adaptação, mitigação e reparação de perdas e danos reconhecendo o  racismo sistêmico, conformado historicamente por  populações afrodescendentes e indígenas, e na ação institucional deliberada que mantém permanentemente as populações afrodescendentes em condições  de vulnerabilidade social, política e econômica em todo o planeta.

No Brasil, os defensores da terra, florestas e direitos humanos têm lutado há muito tempo contra atividades extrativistas e projetos associados à noção de desenvolvimento, muitos deles ligados diretamente à produção de combustíveis fósseis, que na prática intensificam a crise climática, pressionam aqueles que vivem nos territórios mais vulnerabilizados, desmatam florestas e demais biomas, poluem o ar e contaminam cursos d’água, quebram relações comunitárias e geram deslocamentos forçados. Essas atividades são as responsáveis pelas violações sistemáticas dos direitos das mulheres afrodescendentes, quilombolas, rurais e indígenas. 

Em nível internacional, o conceito de afrodescendente ganhou  reconhecimento significativo como categoria no contexto das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), como os que seguem:

  1. Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa (2001) – Declaração e Plano de Ação de Durban;
  2. Documento  E_CN-4_2003_WG-20_WP-3-E,  28 de janeiro de 2003, do Grupo de Trabalho de Especialistas em Afrodescendentes da ONU
  3. Resolução 64/169 (2009) da Assembleia Geral da ONU – Proclamação de 2011 como o Ano Internacional dos Afrodescendentes; 
  4. Resolução 68/237 (2013) da Assembleia Geral da ONU – Proclamação da Década Internacional dos Afrodescendentes;
  5. Resolução 75/314 (2021) da Assembleia Geral da ONU – Criação do Fórum Permanente para Afrodescendentes;
  6. Proclamação do Dia Internacional das Mulheres e Meninas Afrodescendentes por parte da ONU (2024);
  7. AG/doc.5871/24. Adoção dos conceitos de pessoas e povos afrodescendentes por parte da Assembleia Geral da OEA (2024);
  8. Pacto do Futuro (2024).

É urgente e necessário que as partes avancem na criação e implementação de marcos legais que reconheçam os direitos da população afrodescendente. Mesmo diante de uma pressão cada vez maior dos movimentos afrodescendentes de todo o mundo, para que se reconheça a dimensão racial da crise climática. Ainda assim, esta população ainda não foi incorporada com a devida importância nos documentos e nas negociações. 

A sociedade civil brasileira compreende a oportunidade histórica que a COP16 desempenha para enfrentarmos os desafios climáticos de modo racialmente equânime. Neste sentido, o termo deve ser oficialmente incluído nos resultados da COP16 deste ano — tanto na política escrita quanto na implementação comprometida dela — sendo o reconhecimento do papel fundamental das comunidades afrodescendentes do mundo, na conservação da natureza e para a manutenção da vida. 

É preciso reconhecer, contudo, que o Brasil está avançando na pauta afrodescendente, em conjunto com a Colômbia, e está buscando encontrar consenso entre todos os países para que adotem a proposta de inclusão dos afrodescendentes.  Geledés está  aqui  na COP16 para cobrar maior ambição dos países, em especial do Brasil, no sentido de garantir o protagonismo da população afrodescendente por parte do Estado brasileiro, e que este  seja protagonista nas negociações, reuniões bilaterais e com as partes envolvidas na Convenção da Diversidade Biológica – CDB.


 1“Participação plena e efetiva dos povos indígenas e comunidades locais”. 

2 “[Acesso direto ao] financiamento para os povos indígenas e comunidades locais para a conservação, restauração e uso sustentável da diversidade biológica.” 

 3Conforme documento  E_CN-4_2003_WG-20_WP-3-E,  28 de janeiro de 2003


Leia a Nota em inglês e espanhol

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