Geledés reafirma liderança de mulheres negras em diálogo global sobre Pequim+30 e reformas da ONU

26/09/25
Kátia Mello [email protected]
No marco dos 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, o instituto promoveu, em parceria com Akina Mama wa Afrika e a União Africana, o BOLD, debate internacional que fortalece a articulação Sul-Sul

No marco dos 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (BPfA), Geledés – Instituto da Mulher Negra reafirmou seu protagonismo global ao promover a conversa internacional BOLD – Bridging Opportunities for Leadership and Democracy em parceria com a ONG Akina Mama wa Afrika (AMwA) e o Conselho Econômico, Social e Cultural da União Africana (AU-ECOSOCC).

O encontro ocorreu nesta quinta-feira, 25, em paralelo à 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, com o propósito de aprofundar o debate sobre a relevância estratégica das organizações afrodescendentes e africanas na definição de agendas e formulação de propostas frente às reformas estruturais do sistema multilateral da ONU.

Em tempos de avanços da extrema direita global e seus frequentes ataques ao multilateralismo, tornam-se evidentes as ameaças à Declaração de Pequim, aprovada em 1995 por 189 Estados, durante a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher. Movimentos feministas, antirracistas, juvenis e outras organizações da sociedade civil, que compuseram grande parte das cerca dos quase 20 mil participantes da conferência, hoje se encontram em estado de alerta, procurando se instrumentalizar para assegurar que esses pilares históricos não desmoronem.

Hoje, a revisão de Pequim+30 acontece em um contexto marcado pelo agravamento de crises globais – conflitos armados, efeitos pós-pandêmicos, instabilidade econômica, degradação ambiental e emergência climática. Indubitavelmente, esses fatores aprofundam desigualdades estruturais já existentes, como o racismo e o sexismo, que recaem de forma desproporcional sobre as mulheres africanas e afrodescendentes, atravessadas por múltiplas intersecções de raça, gênero, classe social, geração, orientação sexual e deficiência.

Neste contexto, Geledés destaca o alinhamento com os países do Sul global em processos de governança internacional, sublinhando o importante papel de liderança das organizações comandadas por mulheres negras como agentes de incidência política, capazes de influenciar diretamente as decisões globais.

Leticia Leobet, assessora internacional de Geledé – Créditos: African Union Ecosoc

Para Letícia Leobet, assessora internacional de Geledés e copresidente do Stakeholder Group de Afrodescendentes, o encontro de Nova York foi capaz de reforçar esse posicionamento do instituto. “O encontro teve como premissa estabelecer um diálogo sobre as reformas da ONU, em uma estratégia que está em curso para fortalecer as vozes do Sul global nessa reconfiguração pela qual passa o multilateralismo”, destacou.

Essa não é a primeira vez que Geledés e Akina Mama wa Afrika se unem para impulsionar decisões que afetam os direitos dos africanos e afrodescendentes, em especial das mulheres. Em março passado, durante a 69ª Comissão sobre Situação da Mulher (CSW69), as duas organizações promoveram conjuntamente o encontro “Justiça de Gênero e Racial no Contexto da Recessão Democrática”, em Nova York. Desta vez, a atividade reuniu lideranças de alto nível — chefes de Estado, ministras, parlamentares, prefeitas, ativistas, acadêmicas e filantropas — em torno de quatro grandes eixos: a agenda inacabada de Pequim+30, os limites entre representação e poder, o alinhamento entre compromissos internacionais e ações nacionais, e os caminhos de solidariedade frente ao avanço de movimentos antigênero e autoritários.

Assim como em outros fóruns internacionais dos quais Geledés tem participado, a pauta da justiça reparatória voltou a ganhar centralidade. Para Letícia Leobet, assessora internacional da organização, a experiência africana sinaliza caminhos concretos para avançar nessa direção. “A decisão da União Africana de adotar a justiça reparatória para africanos e afrodescendentes como prioridade política é um forte exemplo de como princípios podem ser traduzidos em ações concretas. Essa é uma lição e uma inspiração: nossas soluções precisam estar enraizadas na solidariedade e no poder coletivo”, afirmou.

A assessora internacional de Geledés trouxe ainda em seu discurso o espelhamento desse debate nacional na esfera internacional: “Em Geledés, também afirmamos que a própria sociedade civil se reforma e se renova: na capacidade de articular-se entre regiões, na riqueza de conhecimentos que acumula em agendas diversas e no compromisso ininterrupto de construir um mundo melhor e possível. Não estamos apenas respondendo ao processo de reforma da ONU; também estamos mostrando como nossos movimentos estão reformando a governança global de baixo para cima, ao insistir que justiça racial, igualdade de gênero e democracia são inseparáveis”.

A expectativa no momento é que o BOLD se torne um espaço permanente de colaboração e fortalecimento do poder coletivo entre África e América Latina, em um entendimento de que não é possível haver futuro democrático sem que a centralidade das discussões esteja na igualdade racial e de gênero. Sem um compromisso verdadeiro e firme de inclusão dessas pautas, os avanços conquistados desde Pequim correm o risco de naufragar, diluindo em águas turvas as promessas de um futuro igualitário e justo.

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