Gordofobia que vem de casa

M. é muito autoconfiante, mas me enviou este email cheio de perguntas difíceis. Quem não acredita em gordofobia deveria ler seu relato duas vezes. Quero lembrar que há diferença entre discriminação e preconceito. Discriminação é algo mais tangível, como não contratar uma pessoa por ela ser gorda (o que de fato acontece, mas é dificílimo de provar). Preconceito é o que a gente vê nas caixas de comentários daqui sempre que toco no tema da gordofobia. Inclusive, negar que gordofobia existe é um tipo de preconceito. Fiquem com o relato da M.

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Eu sou uma garota de 20 anos gorda. Nasci gorda e assim sou desde então. Obviamente, eu sou muito mais que isso. Estudo jornalismo na melhor instituição do país na área (ou pelo menos é o que me fizeram acreditar), falo inglês fluente com todos certificados de Cambridge possíveis e espanhol com todos certificados de Salamanca e mais um monte de outras coisas que as pessoas dizem ser muito importantes. Além disso, eu sou gorda e bem resolvida. Olha que absurdo!

Nos últimos meses, fiz o processo seletivo de duas grandes empresas de comunicação desse país e fiquei entre os finalistas em ambas. Por razões que desconheço, não fui chamada para trabalhar em nenhuma das duas. Sofri, claro. Mas preferi encarar como coisas da vida.

Acontece que, para minha família, uma explicação assim não basta. Afinal, com tanto dinheiro investido em intercâmbio, viagens para Europa, aulas disso e daquilo, ser chamada por essas empresas era o óbvio. Então, foi impossível que não fosse constatado o seguinte problema: é porque eu sou gorda. Não serei ninguém enquanto não emagrecer.

Meu pai fez questão de imprimir inúmeras pesquisas falando que ninguém quer contratar gordos. Minha mãe me implora todo dia para eu emagrecer. Diz que é saúde. Agora, eu nado cerca de 10 km facilmente no mar sempre que vou à praia, não consigo me ver como alguém sem saúde.

Então, mando esse e-mail como um desabafo: será que é uma tristeza tão horrível ter uma filha gorda? (Leia-se 75kg e 1,60m). E será que essa sociedade chegou nesse nível de podridão na qual uma pessoa, por mais capacitada, articulada que seja, não tem a chance de competir de igual para igual com as outras por questões estéticas?
Outro dia perguntei para minha mãe (a mulher que me ensinou a buscar independência, a não aceitar que nos limitem por gênero, cor ou etc) o que ela faria se eu fosse negra ou pessoa com necessidades especiais. Perguntei se ela pediria para eu embranquecer ou nascer de novo, nos moldes ditos perfeitos. Ela disse que não. Então eu lhe perguntei: por que eu tenho que emagrecer para agradá-la? Ela não soube responder ao certo.

Eu namoro um cara ótimo, tenho muitos amigos, sou super vaidosa… enfim, não faço do meu peso muleta para nada. Entretanto, parece que isso incomoda muito algumas pessoas ao meu redor. Na cabeça delas, eu TINHA que estar me esforçando para emagrecer. Não consigo compreender essa lógica. Por que eu deveria estar infeliz comigo mesma?

Espero que esse e-mail não seja muito maluco e sem sentido… é só que já me sinto íntima e queria dividir um pouco dessa história de preconceito que vem de casa.

Fonte: Escreva Lola Escreva

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