Homofobia no Brasil: estatística de guerra

Assassinato de 1,3 mil pessoas em seis anos revela que poder público do Brasil pouco faz para enfrentar o problema

Por: Pedro Rafael

 

O relógio é implacável. A cada intervalo de 28 horas um cidadão ou cidadã homossexual é assassinado no país. Tristemente, gays, lésbicas e travestis mortos se convertem em uma estatística que se conta aos milhares. Os números beiram ao absurdo de um conflito armado.

O Grupo Gay da Bahia (GGB) organiza essas informações há pelo menos três décadas e os registros têm aumentado nos últimos anos. De 2007 até a primeira semana de dezembro de 2012, o Grupo calcula um total de 1.341 homicídios contra a população LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

Somente de um ano para cá, o número de assassinatos cresceu 14%, saltando dos 266 registros em 2011 para 308 esse ano, que ainda nem terminou. Uma estatística que supera, e muito, a média anual de mortes de palestinos ante a intervenção militar de Israel. O Centro de Informação Israelense para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados contabilizou 115 mortes de civis na Faixa de Gaza, no decorrer do ano passado, por exemplo.

O antropólogo Luiz Mott, fundador do GGB, classifica esse tipo de violência como um “homocausto”.

“Lamentavelmente, vivemos um apagão em termos de políticas públicas para a comunidade LGBT e o país se vê incapaz de erradicar a homofobia”, afirma.

Horror

Por trás dos números alarmantes, as histórias das vidas ceifadas pela homofobia carregam uma característica trágica em comum: a crueldade. Na madrugada de 18 de novembro último, o jornalista goiano Lucas Fortuna, de 28 anos, foi assassinado em uma praia de Cabo do Santo Agostinho, litoral de Pernambuco. Militante LGBT reconhecido nacionalmente, Fortuna recebeu golpes de faca, foi espancado e morreu por afogamento. A violência foi tamanha que o jovem ficou com o rosto quase irreconhecível, segundo parentes e amigos que viram o corpo no Instituto Médico Legal do município. A Polícia Civil ainda investiga o caso, mas as evidências indicam crime de ódio.

“Essas mortes têm como características grande número de golpes, tiros, uso de múltiplos instrumentos para tirar a vida. A prática de tortura é o que torna mais graves tais assassinatos, que devem ser caracterizados como crime de ódio mesmo”, aponta Luiz Mott. Depois de Lucas Fortuna, o GGB já registrou outros 12 assassinatos com a mesma motivação homofóbica, ocorridos em 11 unidades da federação. No mais recente, ocorrido em 30 de novembro, a vítima Lucas Fernandes Ferraciolly, de Londrina (PR), tinha apenas 18 anos e foi alvejada com tiros na cabeça quando saia de uma boate. Outro homossexual, Antônio Carlos de Oliveira, 34 anos, foi morto a pedradas em um bairro de Natal (RN), na madrugada de 24 de novembro. Uma travesti de Cuiabá (MT), conhecida por Fernanda, foi morta com inúmeros golpes na cabeça e teve o corpo carbonizado sobre a própria cama, em um bairro da cidade, no último dia 21 de novembro.

Mais denúncia

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato atribuem o aumento do número de mortes por homofobia nos últimos anos a uma visibilidade maior da causa LGBT. “Não acho que tenha havido retrocesso nos últimos anos, o que está havendo é um aumento das notificações de crimes que antes não eram registrados dessa maneira. Sempre se espancou gays no Brasil a uma taxa muito alta”, afirma o advogado e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Alexandre Bahia, especialista em direito homoafetivo.

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Para o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), coordenador da Frente Parlamentar mista pela cidadania LGBT, o número de crimes é uma resposta de setores conservadores ao protagonismo político cada vez maior da comunidade gay no Brasil. “É uma reação à própria visibilidade e conquista política, e mudança na representação, na qual o meu mandato é um exemplo desse espaço. As paradas de orgulho LGBT se tornaram eventos de massa e se inscreveram no calendário nacional, nós temos avanço por um lado, mas reacionarismo de outro como própria resposta ao avanço”, examina.

Mesmo com o maior reconhecimento social dessa população, tudo o que diz respeito aos direitos civis esbarra na hostilidade dos espaços de poder, como o Congresso Nacional. “Se observarmos as pesquisas que são feitas com a população geral, fica claro que a maioria não é a favor que essa situação de violência por homofobia continue. A classe política é que não toma partido ou, se toma, é para reforçar o discurso conservador”, aponta Alexandre Bahia.

“Quase todos esses políticos são de interesse do fundamentalismo religioso no Brasil, mas não apenas no Congresso Nacional. As pessoas se esquecem, porém, que as assembleias legislativas e as câmaras de vereadores estão tomadas por fundamentalistas religiosos e isso é muito mais grave porque os vereadores e deputados estaduais estão mais em contato com a base, que fi ca muito mais à mercê desses políticos do que os parlamentares reacionários no Congresso”, observa Jean Wyllys.

 

 

Fonte: Brasil de Fato

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