‘Homofobia se combate com denúncias e respeito’, diz ativista

De evangelista biônico, ‘caçador de hereges’ e conversor de homossexuais, o blogueiro Sérgio Viula relata o caminho até a aceitação de própria sexualidade e se diz alguém que aprendeu a saborear a vida
por Marcelo Santos, do Rede Brasil Atual 

São Paulo – Aos 8 anos de idade, o professor de inglês, teólogo e filósofo Sergio Viula percebeu que era um pouco diferente dos demais meninos de sua idade. Enquanto os garotos só falavam das curvas, do sorriso e dos olhos acastanhados da atriz Lídia Brondi, atriz na novela Dancing Days, exibida pela rede Globo em 1978, Sergio apegava-se aos olhos profundamente azuis do ator Lauro Corona. Por ele, admite hoje sem constrangimentos, era capaz de sonhar.

Aos 12 anos, teve sua primeira experiência sexual com outro garoto. Numa relação que durou dois anos. Até os 16, se relacionou com outros garotos e homens mais velhos. Foi quando aceitou o convite para participar de uma reunião na Igreja Missionária Evangélica Maranata promovida no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio de Janeiro. Decidiu tornar-se também um evangélico. Dedicava-se com tamanha voracidade que ascendeu na hierarquia da denominação religiosa. Virou professor, missionário e, quando já estava na igreja Batista, e após concluir o seminário teológico, foi ordenado pastor.

Passou a editar um jornal religioso, onde caçava heresias, o que para os evangélicos são interpretações bíblicas e dogmas não reconhecidos pela maioria das igrejas protestantes. Chegou a ser enviado a Cingapura, onde conclui um seminário de liderança. Até que, em 1997 formou o Movimento pela Sexualidade Sadia (Moses).

Sergio Viula: 'a vida é essa coisa linda que os pregadores da morte tanto difamam'
Sergio Viula: ‘a vida é essa coisa linda que os pregadores da morte tanto difamam’

O Moses apregoava a possibilidade da reversão, da cura gay. “Apesar de nem todo homossexual ser endemoniado, como diriam ingenuamente alguns, é óbvio que Satanás está por trás deste comportamento”, chegou a escrever, em artigo de revista, no ano 2000, junto com outros autores.

Nesse meio tempo, o pastor Viula casou, teve dois filhos. Até que em 2002 percebeu que algo estava errado. Pediu o divórcio. Relutou mais dois anos. E, em 2004, saiu de casa. Deu uma entrevista para uma revista na qual admitiu viver uma farsa. Queria sua vida de volta. Não a que estava emoldurada no porta-retratos da sala do escritório. Queria ser quem realmente era.

Durante as primeiras edições da Parada do Orgulho LGBT, Sergio e outros companheiros do Moses organizavam-se em dezenas de voluntários. Distribuíam panfletos na avenida Paulista com a plástica frase: “Jesus te ama e eu também”. Indicava endereços de igrejas parceiras. Hoje, aos 45 anos de idade, lamenta a experiência. “Olhando para trás hoje, vejo quanta imbecilidade estava envolvida nesse meu ato. Tudo o que desejam lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, ou apenas os simpatizantes, presentes às paradas, é celebrar a diversidade.”

Atualmente, Sergio Viula namora outro homem. Edita o blog Fora do Armário (www.foradoarmario.net) e é autor dos livros “Em Busca de Mim Mesmo” e “Crônicas de um Casamento Duplamente Gay”. Viula também não professa mais a fé cristã.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista à reportagem da RBA:

Você já esteve em paradas gays com o intuito proselitista, quando era militante evangélico. Como foram essas experiências e o que acha da iniciativa de alguns evangélicos que participaram da parada deste ano, numa campanha chamada “Jesus cura a homofobia”?

Em 1997 fiz minha primeira incursão numa Parada do Orgulho LGBT. Fomos eu, João Luiz Santolin e Liane França, os três fundadores do Moses. Olhando para trás hoje, vejo quanta imbecilidade estava envolvida nesse meu ato. Tudo o que desejam lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, ou apenas os simpatizantes, presentes às paradas, é celebrar a diversidade. Querem dizer: “Estamos aqui e não vamos desaparecer”. “Nosso amor não é menor do que qualquer outro.” “Nossos direitos têm sido violados, mas vamos trabalhar para corrigir isso.” “O mundo será melhor quando todos forem respeitados em seu direito de ser e de amar”, entre outras coisas.

Sobre a atitude dessas igrejas (tratou-se apenas de uma ação de membros de igrejas, não das instituições), olho com desconfiança. Não vejo qualquer sentido em “pedir perdão” por pregadores homofóbicos e transfóbicos que continuam ocupando os púlpitos para dizer as mesmas barbaridades, sem ser disciplinados por suas próprias convenções denominacionais por causa disso.

Não só isso, mas muitas dessas pessoas que dizem “desculpem-nos” votam nesses fundamentalistas que infestam o Congresso Nacional com o que há de pior em nossa sociedade. Como é que um pedido de “desculpas” assim pode fazer qualquer diferença prática? Essa me parece apenas mais uma estratégia de marketing igrejeiro.

Acha que não é genuíno?

Proponho a seguinte hipótese: digamos que eu fosse a uma dessas igrejas “arrependidas” com meu namorado. E nos sentássemos juntos no templo e ouvíssemos à pregação enquanto eu colocasse um braço ao redor do ombro dele. Exatamente como muitos outros casais fazem. E na hora da ceia, decidíssemos tomar o pão e o vinho, será que não seríamos discriminados por sermos gays e nos relacionarmos afetivamente um com outro?

Coloco essa hipótese só para mostrar como as coisas têm que mudar efetivamente dentro dessas igrejas antes que elas venham aqui fora nos dizer “desculpem-nos”. Mas para a maioria das pessoas LGBT isso não faz a menor diferença. Elas estão ocupadas demais para dar atenção às mesquinharias de gente que vive de mal com a vida.

Qual sugestão daria ao grupo de evangélicos que esteve na avenida Paulista, no último domingo?

Sugiro que essas pessoas, se estão realmente oferecendo a destra de comunhão, façam pressão a favor das pautas que promovam a igualdade e combatam efetivamente a ‘LGBT-fobia’. E que o façam publicamente em suas redes sociais, em seus círculos familiares e de amigos, em seus locais de trabalho. Sempre que um político em campanha ou com mandato fizer ou disser algo que prejudique a comunidade LGBT, não colaborem. Denunciem!

Denunciem centros de recuperação que pegam travestis e transexuais e as humilham dizendo que vão transformá-las em homens de verdade. O mesmo fazem com gays, mas são ainda mais cruéis com as pessoas transgênero. E por aí vai. Com ações assim, demonstrarão genuíno envolvimento na construção de um mundo mais justo e melhor.

Recentemente tivemos mais um episódio de acirramento de líderes evangélicos em relação aos homossexuais, como na campanha do pastor Silas Malafaia contra os produtos de O Boticário. Como você avalia esse episódio?

Primeiramente, o Malafaia demonstra uma pobreza de conhecimento teológico, histórico e filosófico que constrange muitos dos meus colegas teólogos e dos pastores que eu conheço. Devido a essa superficialidade intelectual, não surpreende que possa falar tanta bobagem, detonando o próprio cristianismo com sua atitude continuamente beligerante. Se bem que deve haver outras razões para tanto rancor, porque conheço gente quase analfabeta muito mais esclarecida e benigna. Em segundo lugar, a polêmica, mesmo que seja em torno das coisas mais banais, interessa ao referido pregador, porque ele atrai outros que, como ele, não conseguem ver a vida sem recorrer a um punhado de ideias viciadas, amparadas por sua visão míope da realidade. Em terceiro, porque cria uma sensação de poder. Ele não é tão forte quanto muitos pensam. Quem se deixa manobrar por esse senhor, pensando que ele possa definir os rumos de suas carreiras políticas, submetendo-se a barganhas do tipo “se você disser tal coisa, eu convoco uma cruzada contra você, mas se fizer o que eu mando, eu te promovo” não merece a menor credibilidade. Isso só para dizer o mínimo.

Sobre a propaganda de O Boticário, quem puder gastar 30 segundos de seu precioso tempo para assisti-la no YouTube, verá que toda essa perseguição não passa de um surto psicótico de uma mente profundamente perturbada. O comercial é lindo, sensível, romântico e reflete uma realidade já reconhecida até em cartório: existem casais formados por pessoas do mesmo sexo que se presenteiam, como qualquer outro, no dia dos namorados. E O Boticário é apenas uma das dezenas de empresas que já representaram indivíduos, casais ou famílias homoafetivas. Parabéns a todas.

Você acredita que a maioria dos evangélicos pensa como os representantes Silas, Feliciano e outros em relação à homossexualidade?

Não. Acredito que a maioria das pessoas com alguma crença evangélica fica dividida entre a ideia de não reprovar esses pregadores publicamente, temendo pecar contra Deus por falar de seus “ungidos”, e a completa reprovação de tais atitudes e palavras, por entenderem que estas não condizem com o espírito do evangelho. Jesus nunca disse uma palavra sobre os homossexuais. E lembrem-se que homens e mulheres que amavam pessoas do mesmo sexo perambulavam pelo mundo greco-romano. O mesmo em que Jesus mesmo nasceu, cresceu e pregou. Essa não parece ter sido uma questão para Jesus. Já os vendilhões do templo, os dogmáticos hipócritas, os que coavam um mosquito e engoliam um camelo, coisas que esses pregadores fazem o tempo todo, esses, sim, foram alvo de sua mais rigorosa reprovação.

Qual é a sua relação atual com o protestantismo?

Atualmente não tenho qualquer relação com o protestantismo, exceto a do diálogo com aqueles que estão dispostos a construir um mundo mais humanista, o que inclui aquelas igrejas mais habituadas a pensar fora da “caixinha” dogmática, construída a partir de equívocos que já custaram vidas preciosas ao longo da história e nos dias atuais.

Quanto tempo militou no Moses e qual experiência carrega desse período?

Militei no Moses entre 1997 e 2003. Neste ano, completo 12 anos fora do armário. E tinha gente que dizia que minha saída do armário era só um surto passageiro. Dá para acreditar nisso? Lembro de gente dizendo que eu não ficaria mais que seis meses fora daquilo que eu chamo hoje de “sistema opressor”. Doze anos já se passaram e se meus planos de viver até os 90 se concretizarem, quero ter o prazer de viver muitas alegrias e também de fazer muita coisa ainda para esclarecer e humanizar aqueles com quem eu tiver contato. Tenho certeza que verei coisas extraordinárias acontecendo neste país e no mundo. De fato, já tenho visto. Quem fica muito focado nesses pregadores do ódio acaba deixando de ver a beleza das conquistas que estão sendo efetivadas em toda parte. Ao contrário de muita gente, eles têm perdido em muitas frentes. E, honestamente, apesar da minha luta contra o obscurantismo ocupar uma boa parte do meu tempo, não deixo de curtir a vida – essa coisa linda que os pregadores da morte tanto difamam. Penso que aí está o equilíbrio: não adianta combater o ódio se você mesmo não for capaz de amar. E eu tenho amado, e muito!

PAULO PINTO / FOTOS PÚBLICAS

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