Nossos passos vêm de longe. Herdeiras de um legado ancestral desde o continente africano, as mulheres negras lutam cotidianamente para a construção de um país justo e democrático.
Travamos as piores batalhas para nos mantermos vivas, com direitos ao nosso corpo, com autonomia e com garantias fundamentais para o nosso desenvolvimento. Atuamos para a perfeiçoar a democracia brasileira, lutando contra o racismo patriarcal cisheteronormativo que resulta em mais discriminação, empobrecimento, violência e morte.
Nos negamos a viver em um Estado onde o racismo estrutura o modo de nascer, viver e morrer da maioria da população brasileira.
Buscamos melhorar a educação brasileira, lutamos para o acesso à educação em todos os níveis, mas também para a inclusão da história da África e dos afro-brasileiros no currículo escolar e do ensino superior.
Buscamos equidade em saúde e o fim do racismo institucional, especialmente no sistema de saúde, política fundamental para a garantia da vida que nos é negada todos os dias. Vidas essas ceifadas pela violência, especialmente a do Estado, que nos deixa de luto e em luta contra o genocídio da população negra. Por isso, atuamos para a construção de sistemas justos.
Ao participar da construção da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra para consolidar o direito à vida sem racismos, consolidamos também a saúde sexual e reprodutiva contra a esterilização em massa, a morte materna, os agravos em saúde e o controle dos nossos corpos. Consolidando a interdependência dos direitos humanos, pois não haverá saúde sem direitos econômicos, sociais, ambientais, culturais, civis e políticos, como prega a justiça reprodutiva.
Por isso, nos antecipamos no debate sobre a prevenção e controle do HIV/Aids, no Zika virus, sempre buscando refletir a realidade das mulheres em sua totalidade, incluindo mulheres lésbicas e transexuais.
Um dos resultados foi a publicação do “Livro da Saúde da Mulher Negra: Nossos Passos vêm de longe”, organizada por Jurema Werneck e outras parceiras. Até hoje, o livro é uma referência nesse campo e para o movimento de mulheres negras.
Assim como as ialodês – conceito que remete a mulheres emblemáticas, lideranças políticas femininas de ação urbana que falam por todas e participam de instâncias de poder -, seguimos intervindo nos espaços de decisão para que as nossas vozes sejam ouvidas e os nossos direitos sejam cumpridos. Nós também queremos compartilhar do dia a dia e do futuro de nosso país.
Produzimos culturas, artes, ciências, conhecimentos que são aviltados, invisibilizados, roubados. Mas o patrimônio das mulheres negras está à disposição para a construção de um mundo melhor.
Como todas as lutas, ao movermos as estruturas também ampliamos os direitos e garantimos políticas públicas para todes.
Criola completa hoje 30 anos. Somos o resultado da trajetória política das mulheres negras em busca de justiça, poder e direitos. Somos aquelas que oferecem para toda a humanidade um legado complexo de concepções de bem viver constituído de acolhimento, cuidado, respeito e amor.
Somos aquelas também que se recusam a viver as opressões e o isolamento político de uma sociedade que nos faz mais pobres, que nos violenta, que nos invisibiliza. Somos as prostitutas, as catadoras, as professoras, as domésticas, as cientistas, as costureiras, as pescadoras, as babás, as agricultoras, as lavadeiras, as médicas, as cozinheiras, as intelectuais…
Nas três décadas da existência de Criola, nos inspiramos nessas mulheres que ousaram vislumbrar a vida e romper com a submissão. Nos dedicamos à defesa e a garantia de uma vida digna para as mulheres e para a nossa comunidade. Ampliamos e alargamos os nossos direitos. Criamos políticas e pontes seguras para o convívio em uma sociedade justa, equânime, cujo padrão civilizatório se constitua nas concepções do Bem Viver praticado pelas mulheres negras.