Inclusão da História da África nas Escolas

Após décadas de lutas por políticas educativas de  inclusão da história da população negra na história oficial do Brasil, em 9 de janeiro de 2003 entrou em vigor, a Lei Federal 10639/2003, alterando a Lei 9.394 que estabelece as diretrizes curriculares e bases da educação nacional (escolas públicas e privadas, e qualquer estabelecimento e modalidade de ensino de 1º, 2º e 3º graus), onde, em seu artigo 26-A, torna obrigatória a inclusão do estudo das “Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”. A Lei 10.639 é um grande avanço, mas que até o momento não foi implementada com suficiente energia, existindo até o momento apenas ações tímidas e parciais, diferente do que está descrito na lei.

Da Ação Educativa

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Diante da constatação de que a existência da Lei não significou uma mudança do Estado na forma de agir e ver a população negra, em 2005, o IARA junto ao Movimento Negro, instaurou uma Representação em face da Ausência da Implementação da Lei 10639/03, instaurando Inquérito Civil Público  no Estado do Rio de Janeiro diante da constatação da falta, e posteriormente a abertura do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), como forma de se fazer incluir nos currículos escolares os conteúdos de que trata a Lei.

Até o momento, no Estado do Rio de Janeiro já existem aproximadamente 90 inquéritos civis abertos. E esta contagem tende a subir, pois no segundo semestre de 2006, a Representação ganhou status de nacional, ou seja, outros inquéritos estão sendo abertos pelo Brasil.

Sindicatos irão Fiscalizar inclusão de História da África nas Escolas

Os sindicatos que representam os professores da rede de ensino estadual irão fiscalizar a aplicabilidade da Lei federal 10.639/03, que trata da inclusão de “História da África” e “Cultura Afro-Brasileira” nos currículos escolares.

A iniciativa foi discutida durante audiência pública realizada, nesta quarta-feira (19/09), pela Comissão Especial da Assembléia Legislativa do Rio para debater as questões relacionadas aos 120 anos da Abolição da Escravatura e planejar ações no âmbito do Poder Legislativo, presidida pelo deputado Gilberto Palmares (PT).

“Existe uma grande resistência por parte das escolas para que esta lei seja aplicada de fato. Essa resistência pode até mesmo ser de cunho religioso. É preciso mostrar para os profissionais da educação a importância desta didática”, pontuou o parlamentar. Os demais representantes de entidades ligadas à Educação que estiveram presentes ao encontro salientaram que a falta de professoresespecializados é outro problema para que a lei seja cumprida.

O secretário-executivo do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), Ivanir dos Santos, aproveitou a reunião para apresentar as contribuições de sua organização no que tange ao cumprimento da lei, tais como a implantação de um curso itinerante de Capacitação de Professores em História da África e Cultura Afro-Brasileira, que, em 2007, tem percorrido as cinco regiões do estado. A assessora da Diversidade e Inclusão Social da Secretaria de Estado de Educação, Mariléia Santiago, alertou que, além da falta de professores capacitados e que, até mesmo, nem sabem da existência da lei, a maior dificuldade encontrada para a inclusão destes estudos nos currículos escolares é a falta de material didático a ser distribuído para os profissionais da educação. “Nossa luta tem que ser em cima deste diagnóstico para que possamos melhor preparar o corpo docente de nossas escolas”, afirma.

A coordenadora-geral de Diversidade e Inclusão Educacional do Ministério da Educação (MEC), Leonor Araújo, alegou que o Governo federal já organizou 12 mil kits para distribuição nas escolas, dentro de um programa de preparação de material para a implementação efetiva desta lei. “O MEC está preocupado com o plano didático da inserção destes estudos nos currículos escolares. Sendo mal feito, ele pode surtir efeito contrário.

Os professores devem estar preparados e entendendo a importância desta luta. Além disso, todas as ações têm sido realizadas dentro do orçamento que temos e, neste ano, conseguimos até aumentá-lo”, defendeu a coordenadora. Araújo reforçou, no entanto, que a aplicabilidade da Lei 10.639/03 é uma questão difícil de ser solucionada em função de um profissional da educação ter, necessariamente, que estar muito bem preparado para poder ministrar cursos que envolvam história da África e cultura afro-brasileira.

O presidente do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), Humberto Adami, declarou que, em 2005, um documento foi enviado aos ministérios públicos Federal e Estadual para que fossem intimados os diretores das escolas e os secretários de Educação dos municípios fluminenses que não estivessem cumprindo a lei. “Na época, muitos alegaram que desconheciam a lei, que os professores não estavam preparados e que faziam a sua parte através da transversalidade.

Isso virou um engodo porque muitos colégios diziam que comemoravam o Dia de Zumbi com uma roda de capoeira. Que transversalidade é essa?”, questionou Adami. O advogado condenou o MEC por não interceder de forma eficiente no enfrentamento desta ação, pois todas as medidas que o ministério tomou não tiveram êxito.

O presidente do Iara revelou que nem tudo está perdido e que municípios como Sumidouro, São Fidélis, Campos e São Francisco de Itabapoana já contam com escolas que incluíram as questões afro-brasileiras no currículo. “Se eles fizeram, por que os outros não conseguem?”, indagou.

Os próximos assuntos que serão abordados pela Comissão Especial da Alerj serão:

O mercado de trabalho para os afro-descendentes; a anemia falciforme,
doença comum entre negros; e, novamente, a Educação e a inserção dos negros nas salas de aula do estado.
Fonte: http://www.alerj.rj.gov.br/escolha_legenda.asp?codigo=22155

Fazendo acontecer a Lei 10.639/2003

Promulgada pelo Presidente da República em 9 de fevereiro de 2003, a lei 10.639/03, de autoria da deputada Esther Grossi (PT/RS), altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB) e inclui no currículo oficial dos estabelecimentos de ensino básico das redes pública e privada a obrigatoriedade do estudo da temática História e Cultura Afro-brasileira. O maior desafio a ser enfrentado após um ano de sua aprovação ainda é o de colocar essa inclusão em prática de maneira eficaz e adequada nas situações cotidianas da vida escolar de todo o território nacional.

De acordo com a lei, o conteúdo programático das diversas disciplinas deve abordar o estudo de História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar e principalmente nas áreas de Educação Artística, Literatura e História Brasileira.

Essa medida é regulamentada pelo Parecer (confira na seção Faísca) homologado em 19 de maio de 2004, que estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e traz orientações de como a lei deve ser implementada. Ela também faz parte do rol de ações afirmativas que devem ser implementadas pelo Governo Federal, como signatário de compromissos internacionais no combate ao racismo, e atende a uma demanda gerada pelo desconhecimento quase total, por parte de grande parcela dos brasileiros, das questões relativas às sociedades africanas e mais especificamente sobre as marcantes influências do povo africano na formação da sociedade brasileira.

O Brasil é o segundo país de maior população negra do mundo, sendo o primeiro a Nigéria. O Censo do IBGE de 2002 constata que 45% da população do País é negra. “No entanto, muito de nossa história ainda está por ser conhecida, reconhecida e divulgada, para que a sociedade brasileira assuma a participação do elemento africano em todas as áreas de desenvolvimento e tecnologias, possibilitando um referencial de identidade cultural e histórico para negras e negros brasileiros”, garante Henrique Cunha Jr, professor de mestrado e doutorado em Educação da Universidade Federal do Ceará.

Mesmo com a diversidade cultural da sociedade brasileira, principalmente quando consideramos também a população indígena e os imigrantes asiáticos, até hoje o Sistema Educacional do País tem toda a sua estrutura fundamentada na história européia, com sua versão e visão de mundo, e portanto não contempla a pluralidade étnica e as características regionais que fazem parte da realidade brasileira.

Principais enfrentamentos na aplicação da lei

Andréia Lisboa de Souza, coordenadora de políticas educacionais da Diretoria da Diversidade da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad, afirma que a principal dificuldade enfrentada no âmbito governamental é a recusa de alguns estados e municípios em colaborar com a realização de fóruns estaduais para a aplicação da lei. “É um programa de vinte Fóruns sobre Educação e Diversidade Étnico-racial, para debater estratégias de combate à discriminação e a implementação da lei 10.639. O primeiro foi no Amapá; temos resultados também em Alagoas e Sergipe. Precisamos do apoio das entidades do Movimento Negro e de toda a sociedade civil para pressionar seus estados e municípios para que cumpram o programa e realizem os fóruns estaduais para contemplar o planejamento de formulação dos currículos, formação dos professores, organização de materiais didáticos e sensibilização de gestores públicos no cumprimento da lei”.

Um ponto importante levantado por pessoas e instituições do Movimento Negro que atuam no campo da Educação é a sensibilização de alguns profissionais da área que ainda não entenderam a importância desse processo e a sua necessidade. Rachel Oliveira, doutora em Educação e Relações Raciais, fala sobre a banalização, na abordagem do tema, por alguns professores e diretores de escola: “Muitos professores de escola pública estão questionando a existência da lei e afirmam que na sua escola não existe esse tipo de problema (práticas de racismo e preconceito) e em seguida falam que o tema sempre é abordado nas festas e datas comemorativas. Já nas escolas particulares a rejeição é justificada pela ausência de alunos negros nas instituições”.

O educador Sebastião Salgado, que dá aulas de História em uma escola pública da Zona Norte da capital paulistana, aborda a temática em sua disciplina durante o ano inteiro e tem seu trabalho reconhecido pelos alunos e pela sociedade. “É um processo árduo e que enfrenta muita rejeição. Para que se tenha uma idéia: uma vez a diretora da escola onde eu trabalho encontrou uma amiga na rua que é diretora de outra escola e foi questionada sobre deixar que eu desenvolvesse ‘esse tipo de atividade’; ela completou falando ‘você é louca? Não pode fazer isso… Esses negros passaram pela escravidão, vivem na miséria até hoje e ainda estão aí; se começarem a ter espaço, daqui a pouco estão mandando no nosso país’. E é esse tipo de gente e pensamento que enfrentamos no dia-a-dia”.

No âmbito jurídico, Humberto Adami, do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental do Rio de Janeiro, diz que a principal medida para que a lei seja realmente cumprida é o monitoramento da sociedade e principalmente do Movimento Negro. “Devemos entrar com uma representação junto ao Ministério Público em todos os municípios onde a lei não esteja em cumprimento e fazer que a escola vá explicar porque ainda não cumpriu o que está determinado. Assim, o Ministério Público, que é órgão fiscalizador e representante da sociedade, vai investigar e fazer que seja encaminhada uma punição pelo descumprimento da lei”.

De onde veio a lei?

A promulgação da lei 10.639 foi precedida por leis municipais em Belém, Aracaju e São Paulo, e todas elas são resultado de um longo processo de ativismo do Movimento Negro. Especialista em História da Educação Negra e membro do Conselho Nacional Contra a Discriminação, Jeruse Romão aponta para a ausência desses dados: “Guiomar Matos, em texto de 1954, já discutia o preconceito nos livros infantis. Desde a década de 70 o Movimento Negro luta para incluir a história do negro no currículo escolar; é preciso relatar os antecedentes do Centro de Estudos Afro-asiáticos – Ceao na Universidade Federal da Bahia, além de trabalhos no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, entre outros, para podermos aprimorar o que temos hoje”.

Essas primeiras iniciativas foram impulsionadas principalmente com a constatação, por parte dos Movimentos Negro e Indígena, de que os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – abordam a temática racial/étnica na pluralidade cultural em forma de orientação genérica, sem maiores conseqüências na produção das políticas educacionais, nos diferentes níveis de governo. Segundo os segmentos negro e indígena, esse tipo de orientação abre margem para a falta de compromisso no tratamento do tema ou a abordagem equivocada que reforça estereótipos e folclorizações.

Na experiência de Santa Catarina, Jeruse Romão conta que foi necessária coragem política para fazer a intervenção no Estado com a menor população negra do País. “A importância da participação do primeiro vereador negro eleito no município, que foi Márcio de Souza, tornou-se fundamental para aprovar a lei que obrigava o conteúdo afro nos currículos. Antes, o tema era visto só nos festejos de datas históricas. Na época, os militantes que organizavam os espaços de debates e pressão política dormiam em casa de companheiros e escolas públicas”.

“O auge do debate foi analisar a evasão escolar com recorte racial. Enquanto os educadores diziam que o problema era só por déficit financeiro, o Movimento Negro já alertava para a questão do racismo que estava embutido no discurso do livro didático e não era tratado na formação do educador, além da falta de um conteúdo que valorizasse a identidade da criança negra no currículo escolar. Com esse discurso, fomos para a rede municipal e ganhamos o debate na conjuntura de um governo que pautava a discussão na diferença de classe. Para completar, a Secretaria de Educação achava ideal trabalhar apenas com os alunos e nós defendíamos orientar também os professores; por isso foi elaborado um caderno específico sobre o tema para ser utilizado pelo professor da rede pública”, completa Jeruse.

Em 1996, a prefeitura de Belo Horizonte fez parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade – Ceert e desenvolveu o programa Oportunidades Iguais para Todos, formando trinta agentes multiplicadores na introdução do tema Pluralidade Cultural na rede pública de Educação, que repassaram essa formação para setecentos educadores municipais ao longo de um ano. Os grupos realizaram pesquisas em livros didáticos e entrevistas com professores, que subsidiaram a elaboração de um programa auxiliar na preparação do profissional.

Segundo Rachel Oliveira, todas as iniciativas isoladas ou fruto de parcerias entre entidades do Movimento Negro e raras participações do Poder Público foram essenciais para provar que é possível promover a educação inclusiva. “É possível abrir espaço para práticas pedagógicas que mostrem o mundo além do imaginário europeu. Corrigir equívocos históricos, que reforçam preconceitos no sistema educacional pela generalizada falta de informação sobre a questão racial e sobre o que é discriminação. Corrigir os erros que produzem baixas na auto-estima da criança negra, reforçada por atividades educacionais como a utilização de músicas e ditados pejorativos considerados “folclóricos” e, principalmente, desconstruir o mito da democracia racial brasileira, que trouxe muitos prejuízos para a população não branca do País”, conclui a especialista em Educação e Relações Raciais.

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