Patrícia Knebel
Em forma de textos, comentários ou frases de até 140 caracteres, milhões de pessoas ganharam voz através da internet. Nas redes sociais, os usuários possuem liberdade para comentarem fatos, criticarem atitudes, fazerem declarações de amor e brigarem. Muitos, inclusive, passam dos limites: ofendem, caluniam e postam conteúdos discriminatórios.
É aí que entra a responsabilidade pelo que é postado. O tema é novo, mas já preocupa. Um levantamento feito pela Opice Blum Advogados mostra que o Brasil é o país que mais tem decisões judiciais no âmbito do direito eletrônico no mundo.
Ajuda a explicar isso o fato de os brasileiros serem muito afeitos às novas tecnologias e estarem entre os que mais tempo passam na internet e nas redes sociais no mundo. Mas, claro, isso não se refletiria em crime se esse uso fosse feito com maturidade e educação, o que muitas vezes não acontece.
“As pessoas precisam se dar conta de que através de um clique podem estar deixando um rastro na rede mundial para a vida toda e incorrendo em crimes previstos na legislação”, comenta Rony Vainzof, sócio do Opice Blum Advogados e professor da Fundação Getulio Vargas e da Mackenzie.
Casos de extrapolação da liberdade de expressão são vistos a todo o momento. No ano passado, por exemplo, uma estagiária de Direito postou no Twitter que cada paulista deveria matar pelo menos um nordestino afogado. “É uma situação típica e que pode convergir em crime de racismo, com pena maior por ter sido cometido em um meio de comunicação com a internet”, destaca Vainzof, que também é coordenador assistente do MBA em Direito Eletrônico da Escola Paulista de Direito.
Os cuidados devem ser redobrados nas redes sociais. Comentários que muitas vezes são feitos em grupos de amigos, em uma mesa de bar, ficam gravados quando feitos na internet, além se serem replicados, comentados e, assim, ganharem ainda mais amplitude. A sensação de estar “entre conhecidos” e, dessa forma, protegidos, perde a razão de ser quando estamos falando de comunidades nas quais chegam a ter centenas e milhares de seguidores. “Antes as pessoas contavam seus segredos em um diário secreto e, hoje, expõem na rede. O que falta é um limite à intimidade e respeito aos outros”, comenta a coordenadora da pesquisa de virtudes e afetividade do Grupo de Estudos e Pesquisa com Educação Moral da Unicamp, Luciene Regina Paulino Tognetta.
Mais do que nunca, os indivíduos precisam levar a sério o poder da sua opinião instantânea, já que o direito de arrependimento digital é muito reduzido. Para a especialista em Direito Digital Patrícia Peck Pinheiro, esse é um problema educacional. “Estamos entregando um recurso extremamente valioso para realização plena dos direitos individuais, mas a liberdade de expressão vai até o limite onde não infringe outro direito que é o da proteção da imagem e da reputação”, comenta.
No Brasil, a Constituição Federal garantiu a liberdade de expressão com responsabilidade, ou seja, qualquer um pode falar o que pensa, mas deve responder pelo que tiver publicado e divulgado. Por isso, o anonimato é vedado.
A pessoa que publica uma ofensa, por exemplo, está sujeita a responder pelo dano causado (indenização) e também pelos crimes contra a honra. O mais comum praticado em redes de relacionamento é a difamação, e isso alcança até crianças, que podem ser responsabilizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se cometerem cyberbullying. “A internet não pode ser uma terra sem lei. As regras de conduta existem para preservar e proteger as relações”, diz Patricia.
Dentro desse processo de aprendizado do uso das redes sociais, também é papel das famílias, das escolas e das empresas ajudarem as pessoas a exercerem essa liberdade de expressão de forma ética, segura e legal. “A impressão que temos é que os indivíduos perdem a noção das amarras sociais quando entram na internet”, observa a advogada especialista em Direito e Tecnologia Letícia Batistela. Segundo ela, é comum os pais não reconhecerem as atitudes dos filhos quando têm a oportunidade de ler o que eles costumam dizer nas redes sociais e nos programas de bate-papo.
Ela orienta que as pessoas só postem comentários que estejam adequados às regras morais e sociais. Assim, se forem citar um fato sobre o qual não têm provas, é melhor evitar. Da mesma forma, é preciso cuidado para não ofender pessoas, o que vale tanto para conhecidos quanto para personalidades. O limite é muito tênue, mas, de forma geral, se a pessoa se sentiu ofendida e tiver declarações de colegas dizendo que ela se ofendeu e se sentiu humilhada, são grandes as chances de conseguir uma indenização moral. “O Judiciário está assustado com os rumos que a internet está tomando e tem atuado de forma a penalizar esses casos, inclusive como forma educativa”, alerta Letícia.
Casos famosos de quem falou ou fez mais do que deveria nas redes sociais
Ed Motta
Recentemente, o cantor Ed Motta usou o Facebook para falar o que pensava. Chamou o povo brasileiro de feio, com exceção dos que vivem no Sul do País. Depois, disparou sua metralhadora giratória contra colegas do mundo musical. Chamou Paula Toller, do Kid Abelha, de “linda, burra e sem talento” e detonou também Caetano Veloso, Lenine, Daniela Mercury e Chico César. Depois da repercussão, Ed Motta se desculpou. Disse que tinha bebido demais e que não sabia que o seu perfil do Facebook, onde tem 5 mil amigos, estava aberto.
Locaweb
Um dos casos mais conhecidos do mau uso do Twitter aconteceu com um ex-funcionário de uma empresa de hospedagem de sites. Durante um jogo entre São Paulo e Corinthians, ele escreveu palavras ofensivas à torcida são paulina. O detalhe é que ele era diretor comercial da Locaweb, que por sua vez havia feito um acordo de patrocínio com a equipe do São Paulo. Para piorar a sua situação, o nome da sua empregadora ainda constava no seu perfil na rede social.
Domino’s Pizza
Nos Estados Unidos, dois funcionários da pizzaria Domino´s usaram a cozinha de um dos restaurantes para gravar cenas deles se divertindo enquanto prepararam as pizzas dos clientes. Espirrar na comida foi o que de menos grave eles fizeram. Em dois dias, o vídeo foi visto por quase 1 milhão de pessoas. Os funcionários foram demitidos e processados.
Empresas também podem ser responsabilizadas
Não é à toa que os gestores de Tecnologia da Informação (TI) e de segurança das empresas estão com os cabelos em pé. As corporações são mais responsáveis do que pensam por aquilo que os seus funcionários publicam nas redes sociais ou enviam através de e-mails.
E, como frear o acesso seria ir contra uma tendência inexorável de as pessoas estarem cada vez mais conectadas, a saída é orientar. “O empresário precisa se resguardar e a melhor forma de fazer isso é através da prevenção”, alerta a advogada especialista em Direito e Tecnologia, Letícia Batistela.
Em primeiro lugar, é preciso dar atenção especial à formalização do que a empresa espera dos colaboradores. “Os indivíduos precisam saber claramente o que eles podem falar em nome da corporação e onde isso pode acontecer”, diz o gerente sênior da área de consultoria da PwC, Ricardo Dastis.
Assim, evitam-se, por exemplo, casos em que as pessoas postam dados confidencias, mesmo que sem má-fé. Também são comuns situações nas quais os colaboradores colocam no Facebook fotos de produtos que ainda não foram lançados ou adiantam algum dado do desempenho financeiro da empresa.
Recentemente, uma empresa gaúcha foi acionada porque um dos seus colaboradores fez comentários racistas contra outra pessoa, através do e-mail corporativo. De acordo com Letícia, se a companhia conseguir comprovar na Justiça que tomou todas as precauções, a pena tende a ser mais branda. Isso inclui ter uma política de acesso clara e assinada pelo colaborador, fazer treinamentos e adotar softwares que impeçam o acesso a determinados tipos de conteúdo. “Tem situações que fogem do alcance das corporações e a Justiça tende a ter bom senso. A ideia é punir o desleixo”, relata.
“As pessoas minimizam impacto do que é dito na web”
Colocar algo em rede social é como divulgar em um grande outdoor. Mas para o psicólogo e coordenador do programa de dependência virtual do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Cristiano Nabuco de Abreu, ainda há um longo caminho até que as pessoas entendam a responsabilidade que deve estar implicada nesse ato. Nesta entrevista, ele comenta que os usuários revelam traços do seu caráter nessas interações na internet e que costumam ter uma falsa sensação de que estão protegidas do mundo externo para dizer nas redes sociais coisas que não comentariam, muitas vezes, nem mesmo no seu grupo de amigos.
Jornal do Comércio – O que leva as pessoas exporem tantas informações pessoais nas redes sociais?
Cristiano Nabuco de Abreu – As pessoas se sentem mais protegidas por estarem conversando com alguém através de uma tela de computador. É como se isso desse uma falsa ideia de que o que está acontecendo naquele ambiente é particular. Embora saibam que aquela informação está sendo lida por outros, não têm a noção clara da quantidade de leitores. Mas a internet é como a rua. Colocar algo numa rede social é como divulgar num grande outdoor, mesmo que muitos indivíduos tendam a minimizar esse impacto. O mesmo acontece nos casos de infidelidade conjugal. Ao se relacionar com outras pessoas através da internet, os indivíduos relativizam e consideram que a traição não está acontecendo na realidade. É um grande engano, pois é um fato e apenas não tem a materialização física.
JC – As pessoas costumam exercer na internet alguma nuance diferente da sua personalidade?
Abreu – Não, isto é um mito que existe. Os indivíduos não vão exibir nada do que não seja o seu caráter, a menos que a pessoa tenha algum transtorno mental. O que acontece é que, do ponto de vista psicológico, os usuários inseguros se vestem de diferentes papéis e montam perfis do que eles gostariam de ser. Apenas quando você se torna mais maduro, você é a mesma pessoa em todos os lugares.
JC – A internet pode ajudar as pessoas a assumirem quem elas são realmente?
Abreu – A internet pode servir como um laboratório de expressão de facetas que as pessoas não teriam coragem de revelar. E isso pode ser extremamente positivo. Os indivíduos podem aproveitar o fato de não estarem frente a frente para, progressivamente, irem colocando características que de outra forma teriam constrangimento de mostrar. Podem falar algo mais ousado e revelar inseguranças. Dependendo do acolhimento social que tiverem, isso pode ser positivo para mostrar para elas que existem outras formas de elas agirem. O problema é depender apenas dessa forma de expressão para viver, se comunicar e manifestar o que elas gostariam.
JC – Como as empresas podem tentar controlar o que é dito na web?
Abreu – O que acontece na internet nada mais é do que aquilo que já acontecia na vida real. O que a internet faz é criar uma reverberação da informação de forma exponencial. Ao postar algo em uma rede social e pública, tudo o que acontece ganha uma propagação maior. Mas, o problema central nem são as pessoas, que muitas vezes agem de forma irresponsável, mas sem usar má-fé. A maior responsabilidade é da empresa. E muitas sequer dão a importância necessária para o mundo digital. É comum as corporações darem as costas e minimizarem o que acontece. Se a empresa tem um clima de organização ruim, uma política pobre de incentivo ao bem-estar dos funcionários, é muito difícil que essa realidade não chegue às redes sociais. Quando as pessoas se frustram, elas comentam com amigos, seja em uma conversa tradicional, seja na internet. Restringir o uso das redes sociais dentro das dependências da companhia é uma decisão irrisória. Se os gestores não se preocuparem com a sua política de recursos humanos, serão penalizados.
Os 10 mandamentos das redes sociais
Assim como na vida real, seja ético, honesto, íntegro, justo, sincero, bondoso e humano;
I – Assim como na vida real, seja ético, honesto, íntegro, justo, sincero, bondoso e humano;
II – Leia atentadamente os termos de uso (contratos) das redes sociais antes de assiná-los digitalmente;
III – Utilize as opções mais restritivas de privacidade que as redes sociais disponibilizam;
IV – Não converse com estranhos nas ruas virtuais, não adicione amigos ou mantenha relacionamentos nas redes sociais sem ter certeza de que quem está do outro lado do computador são seus amigos na vida real;
V – Cuide de sua senha como você cuida da chave de sua casa. Ela é a sua autenticação na internet;
VI – Não revele dados pessoais em redes sociais. Criminosos pesquisam o perfil das suas vítimas na internet;
VII – Não tire fotos comprometedoras de você mesmo ou de terceiros, muito menos as exponha na internet;
VIII – Não utilize identidade de terceiros, não seja racista, não ofenda, não ameace e não humilhe terceiros. Tudo isso é crime;
IX – Jamais incentive ou auxilie o suicídio;
X – Pense muito antes de se manifestar em qualquer rede social, pois o seu pensamento se eternizará na internet, que muitas vezes não permite o direito ao arrependimento.
Fonte: Jornal do Comércio