Livres do racismo…por Jean Mello

Tempestade de ideias sobre o que penso acerca de uma questão tão esquecida e ao mesmo tempo tão lembrada em nossa sociedade – o racismo. Qual é o papel de cada cidadão para combater esse atraso que é prejudicial à todos, não apenas aos negros?

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Um dia terei a oportunidade de ajudar a fazer com que muitos se orgulhem de ter descendentes africanos, talvez as escolas também possam fazer isso – teve que virar lei para que as pessoas, pelo menos grande parte delas dentro das escolas, começassem a se mobilizar. Mesmo assim, de certa forma, vejo que ainda tem muito trabalho a ser feito. Os livros de Maria Aparecida Bento cumprem este papel em minha vida, especialmente Cidadania em Preto e Branco. Todo mundo deveria ler este livro, sinto orgulho de saber de onde vim.

A resolução adotada pelo Conselho Nacional de Educação em 22 de março de 2004, um ano depois de o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter promulgado a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da História da África na Educação Básica, diz: O sucesso das políticas públicas do Estado brasileiro, institucionais e pedagógicas, visando reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros, depende necessariamente de condições (…) favoráveis para o ensino e para as aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como os seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico-raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, (…) visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nessas relações não se limitam à escola – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Existe desconhecimento dessa medida, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases – LDB. As mazelas da discriminação racial perduram até os dias de hoje. Muita coisa mudou, melhorou. Em contrapartida, a face do preconceito contra negros e indígenas, assume uma face bastante cruel.

No Brasil tudo é velado para que a maioria das pessoas não percebam o quanto é mais difícil vencer quando se é negro. Essa é uma realidade que poucos querem ver. Muitos acham que se beneficiam através de práticas racistas que perduram e são justificadas por discursos cada vez mais perigosos.

Os que se alimentam do racismo na maioria das vezes negam veementemente a existência dele. Como hoje em dia está mais difícil dizer que ele não existe – por conta das ações bem sucedidas dos Movimentos Negros e de personalidades, pessoas que lutam contra todo tipo de injustiça – a negação tem se voltado para as práticas que tem o potencial de promover a igualdade racial no Brasil. Falam contra as ações afirmativas, especialmente as cotas nas universidades, para que nada saia do lugar e as coisas apenas piorem do ponto de vista da geração de oportunidades igualitárias para as pessoas de qualquer classe social, raça ou etnia ou religião.

Os relatórios apontam, os jornais demonstram que a pobreza tem cor, nas universidades, principalmente as públicas, podemos ver que quase não têm negros e indígenas. Mesmo assim, quase nada é feito.

Enquanto um país que vem assumindo a cada dia um lugar tão importante do ponto de vista mundial temos que assumir outro patamar para encarar nossos problemas enquanto nação. O tempo passa, mas os nossos problemas continuam os mesmos.

Gerações vêm e vão e o nosso Brasil continua aceitando o futuro da nação apenas batendo no vidro dos carros, com o rosto marcado e com a vida esvaindo-se pelo ralo da injustiça da má distribuição de renda.

As máscaras caem na mídia apenas em época de eleição. As crises políticas aparecem quando toda esperança palpável de mudança foi embora do olhar da juventude.

Alguns poucos jovens que conheço lutam pela transformação de mentalidades. Anônimos percorrem o mundo, alinhando discurso e prática, deixando de lado questões até mesmo de cunho pessoal, cumprindo a profecia de deixar pai e mãe, mas nesse caso, para ser uma só carne com as mobilizações sociais. Daí nasce os grandes militantes. São grandes articuladores que falam o que ninguém tem coragem de dizer. São aqueles que mesmo entrando pela porta dos fundos, no começo de sua trajetória, sabem que um dia estarão falando de igual para igual com os poderosos, mas ainda denunciando o que eles são.

Quase todos eles têm cabelo crespo, olhos que não são azuis, olhar triste por muitas vezes não serem ouvidos mesmo estando certos em suas reivindicações, perseverança, entrega quase que total a causa que defendem feição de príncipes porque sabem de seus objetivos, conquistadores, ainda que o tempo passe, a maioria das pessoas sabe que eles estão certos, ainda que não confessem por diversas questões.

Ainda me lembro da fala de muitos deles. Encaro os conselhos que recebi na vida como profecias, parece que eles sabiam de todas as barreiras que estavam a minha espera. Tenho a impressão de que sabiam de meu passado, simplesmente por terem falado a respeito de evasão escolar, de crianças na maioria negras, por falta de interesse por não verem imagens positivas de pessoas de sua própria cor. Outras profecias quando eles falavam de falta de igualdade de oportunidades na educação e no mercado de trabalho.

Acho que eles enxergam que a travessia do atlântico, por mais dolorosa que tenha sido, não se traduz em completa ruína de um povo que foi escravizado no Brasil e em vários lugares do mundo. Pode ser que eles vejam que conforme as gerações vão passando, a consciência acerca da realidade que estamos inseridos vai aumentando e o discurso e as práticas para a superação do racismo são disseminados, ainda que seja abafado pelos diversos meios de comunicação e pessoas que se beneficiam de práticas racistas, para um dia chegar a jovens e crianças que poderão crescer com os olhos abertos para enfim viver o que hoje é o sonho, igualdade de oportunidades para todas as pessoas.

Levanto minha cabeça, que estava apenas olhando para o chão e não para os olhos das pessoas, e vejo um menino com um livro nas mãos, apaixonado pela leitura, da cor de pele bem escura, negro, com toda vida pela frente. Vejo também uma moça negra linda, com vestes lindas, com um sorriso apaixonante, pegando nas mãos deste menino como que o direcionando para um futuro bem diferente do que eu mesmo esperava ver. Será que deixarei com que minhas lágrimas parem de correr pelo meu rosto para continuar vendo esta cena maravilhosa?

Fonte: Blog do Jean Mello

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