Nós, mulheres negras cristãs, jovens e adultas oriundas de distintas tradições do protestantismo brasileiro (metodistas, assembleianas, batistas, anglicanas, pentecostais), de diferentes regiões brasileiras, levantamos nossas vozes em favor da vida de todas as mulheres negras e da população negra do Brasil.
É sob o amor, a esperança e o doce sussurro de Ruah (1) que nos movemos e somos unidade.
Somos nós, mulheres negras que mais sofremos com as reverberações de uma política pública racista e misógina. A pandemia do novo coronavírus escancarou nosso sofrimento histórico, psíquico e social e revelou a profundidade do cinismo dos que trabalham a serviço da morte e se mantém afastados do Evangelho. Como disse o Bom Mestre, “pelos frutos reconhecereis a árvore” (Mateus 7.16).
Nesse momento de medos e perdas, testemunhamos nossas irmãs, irmãos, nossas crianças e nossos velhos terem suas vidas negligenciadas pela vaidade de governantes incompetentes e perversos. Sofremos com a falta de renda e alimento. Sofremos com a violência institucional armada e assassina que adentra nossas comunidades e invade nossas casas ceifando vidas inocentes. Sofremos com ausência de saneamento, de água potável e materiais de proteção no combate às doenças endêmicas. Sofremos com a violência doméstica. Violências físicas e psíquicas que nos atingem de modo interseccional, cujas opressões raciais, de gênero, de classe, dentre outras formas de discriminações, nos atingem a nível individual e coletivo, consolidando ainda mais os processos de subalternização que são direcionados aos nossos corpos.
Desta maneira, nos agregamos em oração e denúncia e unimos nossas vozes ao movimento de luta em prol das nossas vidas e das dos nossos. Reivindicamos:
- A ordenação aos mesmos cargos que os homens;
- A inclusão de mulheres da Bíblia como tema das ministrações, realçando o antigo e novo testamentos;
- A escalação de mulheres para ministrarem em cultos públicos, seminários, congressos, assembleias, reuniões etc., possibilitando também a inclusão daquelas que não têm cargos na igreja ou parentescos específicos com os líderes, dando vez e lugar para as diversas vozes presentes na congregação.
- O enfrentamento ao machismo, misoginia e sexismo, discriminação, preconceito e racismo serem temáticas a serem incluídas nas ministrações dos cultos.
- A intensificação e popularização da educação política.
- Adoção pelas igrejas evangélicas de educação antirracista e antimisógina nos cultos e também nas escolas bíblicas dominicais;
- Adoção da cultura de paz, do respeito à diversidade religiosa e do combate às práticas de intolerância.
Repudiamos as ações políticas e policiais que põem em risco de morte e/ou mortificam nossa população e aqueles que coadunam com tais práticas anticristãs.
Posicionamo-nos em defesa da vida de todas as mulheres, com atenção particular para as mulheres negras e indígenas, grupos profundamente vulnerabilizados. Colocamo-nos a disposição das igrejas protestantes para um diálogo baseado na verdade e na reconciliação mediante a realidade do racismo estrutural que nos afeta.
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(1) No relato da Criação, “a Ruah de Deus (em hebraico, Ruah é feminino) pairava sobre as águas”: trata-se de uma bela imagem da matriz ou útero originário fecundo de tudo quanto existe; tudo é amorosamente acolhido, fecundado, gestado, carregado neste grande ventre cósmico que podemos chamar divino: “Deus”. Alento, sopro, vento, respiração, força, fogo… Com nome feminino que fala de maternidade e de ternura, de vitalidade e carícia. Seu calor gera harmonia no caos, realça a beleza e originalidade de cada criatura, dando a cada uma seu lugar, o espaço que necessita para potencializar seu ser. Nessa relação adequada, cada erva, cada montanha, cada ser que vive, tem seu lugar e seu sentido. Fonte: https://catequesehoje.org.br/raizes/espiritualidade/723-ruah-santo-o-sopro-que-nos-une