ARTICULANDO GÊNERO, RAÇA E EDUCAÇÃO:
A menina negra que não vimos
por Murilo Borges Silva1 no SEER UFMS
RESUMO
A intensificação das produções no âmbito da história das mulheres e dos estudos de gênero tem, nas últimas décadas, resultado em importantes contribuições para a produção e (re)significação do conhecimento histórico. Apesar desses avanços, algumas abordagens ainda são relativamente singelas no Brasil, como aquelas que articulam gênero e raça. Com o intuito de fomentar essa discussão, nos propusemos, nesse estudo, entrecruzar gênero, raça e ensino, com o objetivo de interrogar a educação de meninas negras nas primeiras décadas da República no Brasil. Utilizamos a imagem fotográfica de uma turma de estudantes de 1921 como principal fonte para nossas abordagens. Por meio dela, discutimos o papel da educação no processo de constituição dos sujeitos, acentuando que as marcas identificadoras de diferenças de gênero e raça fazem parte desse processo.
Palavras-chave: Gênero; Raça; Educação.
A visita ao museu naquela tarde reservava uma surpresa. Logo ali, depois das escadas que dão acesso à pequena biblioteca que a instituição abriga, estava exposta a fotografia acima. Na imagem, a representação de uma turma de alunos e alunas em frente à primeira sede do Colégio Novaes, na cidade de Jataí, em Goiás, no ano de 1921. No centro da imagem, na primeira fileira, encontra-se Eleutério de Souza Novaes, professor e proprietário do Colégio. Ao seu lado, sua esposa, Ana Bueno. Outras duas senhoras adultas, sentadas ao lado de Ana Bueno, também compõem o registro. Parece haver uma proximidade entre as idades das crianças, com exceção de uma delas, acomodada na segunda fileira, que veste em sua cabeça uma espécie de chapéu, diferente do enfeite utilizado pelas demais meninas, e que possivelmente indica sua condição de moça. Organizados/as em fileiras, os/as estudantes estão separados/as por sexo, meninas à frente e meninos ao fundo. Há certa homogeneidade na postura corporal dos/das fotografados/as: braços cruzados, estendidos ou sobre o ombro de um colega. Ninguém sorri. Na representação, os meninos são numericamente superiores em comparação às meninas. Outro detalhe que chama atenção no registro fotográfico, é a presença de uma criança negra, do sexo masculino, que traja uma espécie de uniforme militar e traz, em uma de suas mãos, uma corneta.
A presença de uma criança negra na imagem, apenas uma, do sexo masculino, nos instiga a reflexão sobre a educação de meninos e meninas negras no início do século XX. Para tanto, considera-se o registro fotográfico da turma de estudantes do Colégio Novaes como uma fonte visual, que associada a outras fontes congruentes, permite a construção de intepretações possíveis sobre a educação de crianças negras nesse contexto, a partir da articulação de “marcadores sociais” como raça2 e gênero. Desse modo, as considerações de Ulpiano T. Bezerra de Meneses sobre a necessidade de associação entre uma problemática histórica e as fontes visuais parecem apropriadas. Para o autor, o trabalho com as imagens não pode reduzir-se a um questionamento à tipologia documental, é preciso elaborar problemas históricos que permitam a “investigação de aspectos relevantes na organização, funcionamento e transformação de uma sociedade” (MENESES, 2003, p. 28). Nessa perspectiva interpretativa, afirma-se a dimensão histórica das imagens, que não são em si mesmas, ou, se desvinculadas de um todo social, portadoras de sentido. Assim sendo, portanto, a interação social se torna responsável por lhes atribuir sentidos e valores (MENESES, 2003, p. 28).
ARTICULANDO GÊNERO, RAÇA E EDUCAÇÃO: A menina negra que não vimos1Doutorando em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Professor Assistente no Curso de História da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí.