“Da educação infantil ao ensino médio, as meninas negras estão expostas a situações de preconceitos, estereótipos e racismo no ambiente escolar”, afirma Tânia Portella, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Neste Dia Internacional da Menina, 11 de outubro, a consultora e pesquisadora de Geledés discorre sobre as defasagens do acesso à educação para meninas negras e as ações da organização em torno desse eixo.
Instituído em 2011, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, o Dia Internacional da Menina propõe um momento de reflexão acerca dos desafios enfrentados por meninas em todo o mundo e busca promover o acesso a direitos desse público.
Segundo Tânia, apesar da universalização do acesso à educação para crianças de 6 a 10 anos, meninas negras ainda sofrem diversas barreiras para o pleno acesso ao ensino. Algumas das adversidades se relacionam à frágil estrutura escolar, como equipamentos públicos precários, e a necessidade de assumirem tarefas domésticas muito cedo. Para a pesquisadora,é urgente uma perspectiva interseccional, que considere raça e gênero na produção e análise de dados educacionais.

Leia a entrevista completa:
Geledés: Pensando no direito à educação, quais as principais barreiras enfrentadas por meninas negras?
Tânia Portella: Desde a universalização do acesso à educação para crianças de 6 a 10 anos, analisando as taxas de matrícula, não percebemos diferenças significativas no acesso à educação. Mas há um conjunto de barreiras que permeia o dia a dia das meninas e aparece nas condições de acesso, como morar em localidades afastadas e periféricas, onde os equipamentos públicos são mais precários, com fragilidades estruturais em recursos humanos e tecnológicos; permanência impactada pelo fato de meninas negras estarem super-representadas entre o grupo responsável por tarefas domésticas e cuidados com outras pessoas. Essa realidade impacta diretamente na qualidade e no tempo dedicado à aprendizagem, assim como traz efeitos em relação à progressão para etapas seguintes da educação formal.
Geledés: Olhando para a educação básica, quais os principais motivos que levam a evasão escolar de meninas negras?
Tânia Portella: Da educação infantil ao ensino médio, as meninas negras estão expostas a situações de preconceitos e racismo no ambiente escolar. Meninas que são preteridas em determinadas atividades, julgadas por características físicas e vestimentas, são silenciadas ou desqualificadas na abordagem de conhecimentos, silenciadas em suas falas. Esses elementos transformam o espaço escolar em um ambiente racista e sexista e, portanto, hostil à permanência. Essa realidade é reforçada pelas responsabilidades familiares e sociais que também recaem de forma mais prevalente para meninas negras.
Geledés: Por que é importante uma produção e análise de dados educacionais feita a partir de uma perspectiva interseccional?
Tânia Portella: Se não temos dados, não temos a dimensão concreta da realidade. Sabemos que as políticas públicas são elaboradas, implementadas e priorizadas a partir da exposição das suas necessidades. Quando os dados são obtidos de forma qualificada e apontam que racismo e gênero são causadores de desigualdades, de bloqueio ao sucesso, a direitos básicos, ao exercício da cidadania, e que isso determina a evolução da sociedade e da economia do país, demonstramos que as políticas educacionais não podem ser pensadas sem partir dessa perspectiva. Do contrário, não serão eficazes.
Geledés: Entre as iniciativas de Geledés nessa temática, está a formação de educomunicação para meninas negras. Pode comentar sobre essa e outras ações?
Tânia Portella: O programa de Educação e Pesquisa de Geledés dedica várias frentes para esse tema, desde a primeira infância até a formação para o mercado de trabalho. Há também a formação de gestores públicos, o diálogo com professores, profissionais de educação e diversos setores da sociedade, grupos capazes de potencializar o enfrentamento às desigualdades que afetam a educação das meninas negras.
Entre as ações recentes está a etapa 2025 do curso para jovens negras de Ensino Médio. Queremos que meninas negras sonhem, elaborem projetos de vida e desenvolvam reflexões a partir de debates sobre cidadania e direitos humanos. Nesse contexto, inserimos uma formação introdutória em educomunicação para essa etapa do curso. Para nós, a educomunicação é uma ferramenta estratégica para a realização das dimensões propostas.