Mercado de trabalho reduz fome, mas desigualdade regional e racial ainda marca insegurança alimentar no Brasil

14/10/25
O Globo, por Luciana Casemiro

O mercado de trabalho aquecido — o Brasil vive hoje o chamado pleno emprego, com uma taxa de desemprego de 5,6% — é um dos responsáveis pela saída de 2,2 milhões de lares da insegurança alimentar entre 2023 e 2024, e também pelo fato de o país ter alcançado o menor número de brasileiros em situação de fome desde 2004: 6,4 milhões de pessoas. Esse mesmo mercado de trabalho, porém, também ajuda a explicar por que a fome no Brasil tem cor, gênero e localização. Todas as desigualdades estruturais do país se refletem à mesa. Os negros ganham, em média, 57% menos do que os brancos, segundo os dados do Censo 2022: Trabalho e Rendimento, divulgados nesta quinta-feira pelo IBGE. Os dados também apontam uma disparidade significativa entre os salários de homens e mulheres, uma diferença de 20,9%.

Com os maiores índices de desemprego do país — 8,2% no Nordeste e 6,5% no Norte — essas são também as regiões com maior proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar: 34,8% no Nordeste e 37,6% no Norte. No Sudeste, a taxa é de 19,7%; no Centro-Oeste, 20,5%; e no Sul, 13,6%.

— Em 2023, a melhora dos dados da insegurança alimentar foi especialmente impactada pela reformulação do programas sociais, com maiores valores transferidos e maior cobertura. Em 2024, o impulso para a redução da insegurança alimentar veio do mercado de trabalho, com o aumento da ocupação e dos rendimentos, que se traduziu em maior poder de compra para a população. E nesse contexto, a desigualdade regional fica gritante. No Norte e no Nordeste, onde o mercado de trabalho é menos desenvolvido, a concentração de pessoas em insegurança alimentar chega a ser quase três vezes maior do que no Sul, que tem a menor taxa do país. O principal determinante da insegurança alimentar é a renda. Somando-se os recortes de raça e gênero, os dados refletem a enorme desigualdade na distribuição de renda brasileira — explica Vitor Hugo Miro, pesquisador associado do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, da FGV Ibre.

A receita para superar essa desigualdade regional é conhecida: é preciso melhorar o ambiente de negócios, criar infraestrutura para atrair investimentos e ampliar políticas de educação e qualificação profissional, já que o nível de escolaridade das populações do Norte e do Nordeste ainda é, em média, inferior ao das regiões Sul e Sudeste. Algumas dessas políticas já estão em andamento, mas, como pondera Miro, seus efeitos não são imediatos. Por isso, ele ressalta que não se pode abrir mão da assistência social:

— Quem tem fome, tem pressa. Por isso, não se pode abdicar das políticas de transferência de renda para os mais vulneráveis, enquanto se investe em ações estruturantes que promovam o desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste.

O pesquisador também destaca que, mesmo dentro de uma mesma região, o combate à fome exige políticas distintas, dada a pluralidade de realidades da população brasileira:

— Enquanto no meio urbano as políticas de transferência de renda e o dinamismo do mercado de trabalho podem ser mais eficazes, no meio rural ainda vemos pessoas passando fome mesmo tendo terra para cultivar — mas sem acesso aos meios para isso. Para esse grupo, é preciso garantir crédito, assistência técnica e canais de comercialização. Os números mostram que estamos avançando, mas ainda com muita desigualdade.

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