Em paralelo à 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (SB62), em Bonn, na Alemanha, organizações do movimento negro promoveram, nesta terça-feira (17), o evento “Meta Global de Adaptação – dados necessários sobre raça, gênero”. A atividade reuniu cerca de 150 pessoas entre negociadores e observadores da sociedade civil, ampliando o necessário debate sobre justiça climática, interseccionalidade e produção de dados desagregados a partir dos territórios vulnerabilizados.
O encontro foi promovido por um conjunto de organizações brasileiras e internacionais: Geledés – Instituto da Mulher Negra, Conectas Direitos Humanos, Rede por Adaptação Antirracista, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto de Estudos da Religião (ISER), Instituto Decodifica, Rede Vozes Negras pelo Clima, CEERT e Fundação SOS Mata Atlântica.
A mesa contou com a participação de Lídia Lins, da Rede Vozes Negras pelo Clima; Alexandria Gordon, da Organização das Mulheres para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (WEDO); e Luz Falivene, do grupo argentino 1.5°C e assessora técnica da Direção Geral de Ação Climática da cidade de Rosário, na Argentina. A mediação ficou a cargo de Thaynah Gutierrez, da secretaria executiva da Rede por Adaptação Antirracista.
A proposta da Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), prevista no Acordo de Paris, é fortalecer a resiliência de populações vulneráveis diante dos impactos das mudanças climáticas. No entanto, segundo as participantes do evento, esse objetivo só será eficaz se forem considerados marcadores sociais como raça, gênero e idade na definição de indicadores de forma a orientar diagnósticos e a formulação de políticas públicas. Desagregar dados significa a possibilidade de construção de políticas públicas voltadas a essas populações.
Atualmente, cerca de metade da população global – 3,6 bilhões de pessoas – vive hoje em condições altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, como secas, inundações, tempestades, ondas de calor e insegurança alimentar. E esse número tende a crescer com a aceleração das crises climáticas.
Portanto, discussões como essa são muito relevantes para que sejam prontamente identificados os mais impactados pelas injustiças climáticas. “Os eventos paralelos dão força e conteúdo sobre temas de negociação que precisam ser vocalizados”, afirmou Mariana Belmont, assessora de clima de Geledés. “Nós de Geledés buscamos articular com organizações parceiras esses espaços, reforçando a agenda racial nas discussões paralelas durante a Conferência de Bonn. Debater com convidadas de outros países e apresentar pontos urgentes para a população afrodescendente na agenda de clima para tantas pessoas foi um passo importante para a articulação que temos construído”, completou.
A agenda antirracista no campo climático ainda enfrenta resistência nos espaços de negociação formal, mas tem se fortalecido com eventos como este. Para Belmont, o número expressivo de participantes do encontro é um reflexo da demanda por abordagens mais inclusivas. “Recebemos mais de 150 pessoas no evento. É um sucesso e importante para a agenda racial”, destacou.
Uma das palestrantes, Lídia Lins, levou ao debate a experiência do Ibura Mais Cultura e do Observatório Popular de Injustiças Climáticas, em Pernambuco, que trabalham com a chamada Geração Cidadã de Dados — uma metodologia que parte da escuta e protagonismo das comunidades. “Contribuí com o debate trazendo a importância de incorporar a Geração Cidadã de Dados nos indicadores da meta global de adaptação, a partir da produção de dados territoriais, elaborados pelas próprias comunidades com protagonismo dos cidadãos que vivem nos territórios mais atingidos pelas mudanças climáticas”, explicou.
Segundo Lins, é fundamental garantir apoio técnico e financeiro para que países em desenvolvimento possam produzir seus próprios dados, com foco nas realidades locais e participação dos grupos mais vulneráveis. Ela também criticou a dependência exclusiva de dados oficiais. “Países que já possuem órgãos e agências de governo que produzem dados oficiais, como é o caso do Brasil, devem trabalhar em cooperação com as organizações sociais para coletar dados com maior capacidade de demonstrar o nível real de vulnerabilidade dos territórios e as soluções que podem ser empregadas para não incorrer no erro de investir em falsas soluções ou má adaptação”, afirmou.
A articulação internacional da mesa também trouxe contribuições importantes, com Alexandria Gordon, da WEDO, reconhecendo as desigualdades estruturais que atravessam os países do Sul Global. Já Luz Falivene compartilhou as experiências da cidade de Rosário, na Argentina, com políticas públicas intersetoriais que integram juventudes e mulheres nos processos de adaptação.
Para Thaynah Gutierrez, o evento foi um marco para consolidar o reconhecimento dos saberes comunitários como ciência legítima nos debates globais. “O evento foi extremamente importante para apontar a relevância da geração cidadã de dados na garantia de políticas efetivas e dados genuínos sobre os territórios mais vulnerabilizados”, afirmou. “São as comunidades, especialmente periféricas, negras, indígenas e quilombolas, que podem indicar as condições de seus territórios porque historicamente cuidam, protegem e adaptam esses territórios para permanecerem vivas.”
Thaynah defendeu ainda que a perspectiva comunitária seja integrada como critério técnico nas negociações sobre adaptação climática. “Temos um desafio em incorporar na agenda de GGA essa perspectiva comunitária, validando enquanto ciência e saber legítimo para produção de indicadores de adaptação. O evento nos ajudou a pensar estratégias e, nas próximas semanas, poderemos dialogar com os negociadores sobre essas propostas”, concluiu.
A formulação de indicadores e políticas climáticas com recorte racial e de gênero tem sido uma reivindicação contínua de Geledés nos diversos fóruns internacionais em que o instituto participa. Em Bonn, a visibilidade conquistada por este evento paralelo é uma demonstração de que a agenda racial continuamente ganha força nesses espaços internacionais.