Montevidéu Já Foi uma Cidade Negra

Por: Mário Maestri*

Em 21 e 22 de setembro, participei como convidado, do 23º Congresso de História da Associação dos Professores de História do Uruguai – APHU -, em Montevidéu. A temática geral do evento foi “Nuestra Historia y sus distintos escenarios”, com destaque para a tradição histórica da revolução artiguista. Historiadores argentinos, paraguaios e, sobretudo, uruguaios participaram do evento.

Entre as conferências apresentadas destacou-se a sobre os “Seqüestros, tráfico e escravização de afro-fronteiriços” orientais, por estancieiros rio-grandenses, em 1850-80, do historiador uruguaio Eduardo Palermo, mestre em História pela Universidade de Passo Fundo. Tristes acontecimentos históricos celebrados com grosseira inconseqüência pelas tradicionais “Califórnias da Canção Nativa” do Rio Grande do Sul.

O evento foi realizado no salão nobre da Biblioteca Nacional uruguaia, localizada na tradicional avenida 18 de Julio, praticamente diante da rua Tristan Narvajo, principal concentração da capital oriental de pequenos, médios e grandes sebos, onde, graças ao deus dos leitores, os livros usados não são tidos pelos livreiros como valiosas antiguidades vendidas a preço de ouro, como comum em Porto Alegre!

A mesma rua, sede de várias lojas de antiguidade, há décadas é palco da mais tradicional feira popular de Montevidéu. Todos os domingos, o portentoso mercado popular invade as ruas adjacentes, oferecendo, além de verduras, comestíveis, livros, móveis, roupas, gravuras, ferramentas, etc., novos e velhos, os mais diversos e imagináveis produtos, úteis e absolutamente inúteis, a preços mais do que acessíveis.

Por trinta reais, comprei na feira um pequeno e belo busto em bronze do general José Gervásio Artigas, com direito a longa exposição dos fatos e feitos do “general de hombres livres”, por parte do indignado feirante que não compreendera a brincadeira infeliz que fiz, ao indagar quem era o homenzinho em questão.

Tendo a APHU como principal escopo a formação dos professores em história, ela promove anualmente congressos, em diversos pontos do Uruguai, que objetivam a formação e a atualização permanente dos seus associados, em geral professores da rede pública de ensino. Sua direção é constituída principalmente por professores aposentados – com forte destaque para as professoras -, muitos dos quais tradicionais militantes e sindicalistas, dispondo de tempo para a organização das atividades e eventos, em favor de seus colegas.

O 23º Congresso concluiu-se com o passeio histórico guiado pelo historiador Alejandro Giménez Rodríguez, membro da direção da APHU, que percorre os principais monumentos referentes às antigas fortificações de Montevidéu, com destaque para as ruínas da antiga muralha, descobertas recentemente, transformadas em local de visita e de informação histórica.

Ao final do passeio, grupo musical afro-oriental, vestindo os rústicos trajes da população negra oriental do passado, realizou apresentação de candombe, em sensível regate das importantes raízes negras da capital oriental. Ainda nos anos 1830, talvez mais de trinta por cento da população de Montevidéu fosse constituída de africanos e afro-descendentes escravizados, libertos e livres.

Mário Maestri, 64, professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF. E-mail: [email protected]

 

 

Fonte: Pravida.ru

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