Assuntos sobram: o beijo de amor de Félix e Niko, o trágico e violento desaparecimento do cineasta Eduardo Coutinho (que dói em mim), o cinegrafista atingido mortalmente por um rojão durante uma manifestação no Rio, a filha de Woody Allen insistindo em acusá-lo de abuso sexual e pedofilia (ela espera ser ouvida, ele desmente tudo, mas acho muito importante prestar atenção quando alguém, qualquer pessoa, faz esse tipo de denúncia), médicos cubanos desertores, a patética e incansável torcida do contra, o prefeito de um município amazonense acusado de aliciar meninas para orgias sexuais, o crescimento exponencial da violência e da insegurança em Brasília e até mesmo a suposta crise conjugal de Obama e Michelle. E muitos mais.
por Júnia Puglia,
Mas há um que se acavalou no meu cangote e fica ali cafungando seus acres vapores: os assassinatos de homossexuais, transexuais e travestis. Morrem atacados na rua, em suas casas e escolas porque são diferentes. Não uma diferença qualquer, mas uma diferençona bem grandona, que agride, ofende, incomoda mais que qualquer outra, ao que parece.
Enquanto milhões de espectadores se deleitavam com a tal cena do beijo gay na TV Globo, há alguns dias, outros milhões bufavam de raiva pela ousadia da cena. São os que acreditam poder parar o tempo. Ou que creem que a honra, a virtude e o caráter dependem da aparência condizente com o sexo biológico ou do uso certo ou errado que se faça da genitália. Gente que não entende nada, absolutamente nada, de amor, acolhimento, compaixão, compreensão, respeito. Alguns até acham que entendem, mas, para colocar suas virtudes em ação, exigem que os “diferentes” desistam de si mesmos e se tornem iguais a eles.
Se de fato amassem os “diferentes”, defenderiam sua vida e seu direito de vivê-la, independentemente de qualquer outra coisa. Não se calariam diante das centenas, talvez milhares de assassinatos de gays, lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros que acontecem no nosso país todos os anos. Pessoas agredidas, humilhadas, expulsas das escolas, igrejas, famílias e comunidades. Pessoas que poderiam estar compartilhando conosco sua inteligência, capacidades, potencial intelectual e sensibilidade, mas são impedidas. Em muitos casos, sadicamente confinadas no mercado sexual, e discriminadas também por isto. São atacadas com ódio, desfiguradas, submetidas a “tratamentos” toscos. Assassinadas. Assassinados.
No último fim de semana, fui a um restaurante muito tradicional de Pirenópolis, aqui em Goiás, onde já estive inúmeras vezes. Havia lá um garçom antigo, sabidamente gay, que sempre atendia a todos com eficiência e cortesia, equilibrando bandejas enormes pelo salão. Notando sua ausência, perguntei por ele:
— O Fulano não está mais aqui?
— Ih, a senhora não sabia? O Fulano morreu.
— É mesmo? Puxa, que pena! Morreu de que?
— De morte matada.
Fonte: Notat de Rodapé