“Negro não é só melanina, é atitude política”, diz Ferréz em Frankfurt

Os questionamentos sobre o que poderia ser visto como racismo na lista de escritores brasileiros na Feira de Frankfurt, levantados pela imprensa alemã deixaram de lado um grande defensor das causas negra e da periferia no Brasil, o escritor Ferréz, um dos autores levados ao maior evento editorial do mundo pelo governo brasileiro.

A imprensa alemã destacou ao longo das últimas semanas que o romancista Paulo Lins, autor de “Cidade de Deus”, era o único negro da lista — ao que Lins respondeu, em entrevista à Folha, que “se há racismo não é na seleção de autores, e sim na sociedade, que permite a poucos negros serem escritores, jornalistas, engenheiros ou médicos”.

Neste sábado (12), após contar em debate no pavilhão brasileiro que foi confundido na Alemanha com árabe ou judeu, por causa da barba longa e do rabo de cavalo, Ferréz disse à Folha: “Sou mais negro que ele [Paulo Lins], falo mais do negro que ele. Ser negro não é só raça ou melanina, é atitude política perante o mundo. Nesse sentido, o Marçal [Aquino] é negro, o Lourenco [Mutarelli] é negro”, disse.

Filho de negro com branca, Ferréz disse não ter se incomodado por ter sido deixado de fora do debate. “Paulo Lins defendeu muito bem a causa.”

Durante o debate, contou que percebeu reações de identificação de minorias étnicas durante a passagem por Frankfurt, quando visitou escolas. “Um menino negro de 17 anos, com a camiseta do [rapper] Tupac, falou pra mim: ‘Respect’. Não precisa nem de tradução, né?”

Ferréz, que acabou de ter contos traduzidos na Alemanha, se surpreendeu ao saber que a letra de seu rap “Judas”, de 2001, vem sendo estudada em escolas alemãs.

“Nem faço mais rap. Acho que ensinam isso para as crianças daqui desistirem da leitura, já que elas não entendem, igual fazem com ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ no Brasil”, brincou, para um auditório lotado — com a abertura da feira para o público geral, neste final de semana, pela primeira vez o espaço de debates do pavilhão brasileiro se encheu de estrangeiros.

ANGÚSTIA

Na conversa com ele e a escritora Patrícia Melo, a mediadora tentou encontrar pontos em comum nas duas obras, questionando-os sobre como retratam o medo e a angústia.

“O exercício literário é um exercício de resistência, de olhar criticamente para a sociedade, localizar contrastes e diferenças sociais”, argumentou a autora de “Inferno”. “A angústia social se junta à angústia do autor com a busca por formas, de respostas para sua própria prosa.”

Ferréz disse sentir falta de autores que ambicionem escrever para o Brasil, em vez de para o mundo. “Quero formar leitores. Nesse sentido me igualo ao Evangelho, quero salvar pela palavra. É importante participar do processo de educação num país em que 70% do povo não lê direito, enquanto as as pessoas estão lá falando de alta literatura.”

Já Patricia afirmou não ter o costume de pensar em quem é o leitor. “O leitor é uma figura metafísica, de repente entra na sua vida. O Ferréz é engajado socialmente, faz um trabalho importante com crianças. Não tenho tanto esse engajamento, minha ideia de leitor é mais de me olhar no espelho, para a leitora que também sou.”

No final da tarde de hoje (12), Patricia Melo receberia um prêmio literário alemão, o LiBeraturpreis, dado a cada ano pelo instituto litprom a uma mulher da África, Ásia, América Latina ou países árabes. Ela foi a escolhida pela edição alemã de seu livro “Ladrão de Cadáveres”, que, segundo o júri, é “um romance elegante, malicioso, sarcástico sobre as mudanças dos padrões de moral”. Lançado na Alemanha, o romance ocupou, em junho, o primeiro lugar no ranking da revista semanal alemã “Die Zeit” que publica mensalmente um ranking com os melhores livros policiais.

VIOLÊNCIA

Ferréz criticou, em entrevista à Folha, a violência da polícia no governo Alckmin ao ser informado sobre investigação do Ministério Público de São Paulo, que revelou que a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) planejou a morte do governador.

“Não tem que matar, o que tem que fazer é convencer o Alckmin a fazer a polícia parar de matar”, disse.

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