Trans que assessora o secretário de direitos humanos da Prefeitura conta que começou a se vestir de mulher há 10 anos, depois de estudar e trabalhar, e assim escapou da prostituição
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O nome social que ela escolheu tem toque de realeza: Noelia Presley. “Sou neta do Elvis”, brinca. Quando uma trans adota a identidade feminina, ela explica, pode escolher o nome e o sobrenome que quiser. Só não pode tirar o nome da família. Assim, mesmo a contragosto, Noelia escreve seu nome todo no papel: Noelia Presley Dias de Sousa.
Essa questão legal de manter o nome da família, ela segue explicando, é garantia de que a pessoa que adotou outro nome receba alguma herança familiar, se esse for o caso. “Não quero receber nada. Não quero que meus pais morram e nem que me deixem nada. Eu trabalho”, diz Noelia.
O trabalho a que ela se refere é ser secretária de Eduardo Suplicy, atual Secretário dos Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo. Noelia divide a função com outra secretária, Sandra Cristina Ferreira Batalha, que já trabalhava na secretaria desde o início da gestão Fernando Haddad. Noelia foi para a secretaria junto com a chegada de Suplicy, em fevereiro. “Ele trabalha muito, é super ativo, inclusive sábado, domingo e feriado”, conta ela. “É normal, tranquilo, mas quando tem de dar bronca também dá. Eu nunca levei uma bronca, mas ele pede detalhes e explicação das coisas.”
Cuidar da agenda dele significa administrar pedidos de palestras, presenças em eventos, encontros com autoridades e com estudantes. “A demanda é muito grande, todo dia tem gente aqui e ele tem compromissos internos e externos. Os almoços nunca são apenas almoços, são reuniões na hora do almoço.”
“Noelia é atenciosa, respeitosa, eficiente. O ritmo de trabalho é muito intenso, não tem hora do dia em que não haja problemas. Veja, são 12 milhões de habitantes em São Paulo, a cada momento os direitos humanos estão sendo desrespeitados (Eduardo Suplicy)
Sobre a secretária, Suplicy diz: “Noelia é atenciosa, respeitosa, eficiente. Compartilha na secretaria o trabalho de receber os telefonemas e marcar audiências e palestras. O ritmo de trabalho é muito intenso, não tem hora do dia em que não haja problemas. Veja, são 12 milhões de habitantes em São Paulo, a cada momento os direitos humanos estão sendo desrespeitados.”
10 anos usando maquiagem
Noelia nunca se prostituiu. Ela conseguiu, de uma maneira ou de outra, fazer as coisas no tempo certo. Primeiro estudou, depois começou a trabalhar, guardou um dinheirinho, e só aí fez a transição. “Não foi sorte, nem calma para esperar a hora certa, nem cabeça para planejar tudo com antecedência. Foram as oportunidades que eu tive”, diz ela, que conhece bem a realidade que leva a maioria de trans e travestis para a prostituição. “Não posso supor que nunca faria. A gente nunca sabe o que é capaz de fazer quando precisa.”
“Não posso supor que nunca faria (ser prostituta). A gente nunca sabe o que é capaz de fazer quando precisa.
Já criança, Noelia se via como menina. “Dentro de mim, a vida toda sempre fui Noelia, só não sabia”, diz. “Gostava de ser mulher. Tinha um corpo de homem e pensamentos de mulher.” Ainda no Recife, onde nasceu, ela começou a assumir a forma feminina dez anos atrás. “Foi um pouquinho complicado, as pessoas não estavam esperando isso, talvez. No primeiro momento teve um impacto negativo. Para os outros, para mim não. Eu já me sentia mulher, só coloquei roupa de mulher.”
O plano de vir para São Paulo começou a tomar forma há cinco anos. Ela trabalhou, guardou dinheiro, e deixou o Recife um ano e meio atrás. “Primeiro fiquei na casa de amigos, tinha um pouco de medo de ficar sozinha. Depois comecei a andar, fui conhecendo gente. Queria trabalhar e não sabia como e nem onde.”
Conheceu o Pot – Programa Operação Trabalho, da Prefeitura de São Paulo -, e conseguiu um emprego como recepcionista na Coordenação LGBT da Prefeitura. “Fui super bem recebida por todos. O pessoal de lá foi muito legal comigo. Toda a equipe me deu a maior força”, lembra. “Quando surgiu a oportunidade de uma trans trabalhar no gabinete auxiliando o Suplicy e o Sotilli (Rogério Sotilli, secretário-adjunto de direitos humanos), fui indicada como alguém que teria capacidade de assumir esse cargo. O trabalho é mais ou menos o mesmo que eu fazia antes, quando cuidava da agenda do coordenador, Alessandro Melchior. A diferença é que na coordenação todo mundo é LGBT, aqui na secretaria só tem eu.”
Nem periguete e nem evangélica
Noelia mora sozinha na avenida São João, a “três paradas do metrô” do trabalho, no Pátio do Colégio. O salário é suficiente para pagar o aluguel, fazer as compras e às vezes cometer uma extravagância. “Gosto de comer o que tenho vontade, comida para mim não tem preço”, confessa. Gosta de sapatos e de roupa nova também, mas não perde a cabeça com desejos de consumo. “Sou controlada.”
“Não sou tão vaidosa. De brinco estou sempre, às vezes uso colar. Sou informal, nem periguete e nem evangélica
Ela se cuida, “para não sair da linha”. “Cozinho tudo integral, soja, comida saudável. Não bebo, não fumo e nem uso drogas. Acho importante ter corpo e mente saudáveis”, diz ela. Durante a semana, entre 11 horas e meia-noite já está na cama. “Não sou muito noturna, não sou fã de ficar na rua até de manhã. Às vezes saio com as amigas, vamos ao cinema ou tomar um lanche, coisas light.” Uma vez ou outra, aos sábados, dá “uma esticadinha”.
Seu estilo de vestir é discreto, de um jeito que ela define como “nem periguete e nem evangélica”. “Não sou tão vaidosa. De brinco estou sempre, às vezes uso colar. Sou informal.”
“Acho a novela Babilônia genial. Essa situação é uma coisa que acontece e se alguém tem alguma dúvida, está aí a televisão para mostrar. Tem gente que parece que vive em Marte, que acha que essas coisas não existem ou não deveriam existir
A vida está boa. Noelia conta que não sofre preconceito no ambiente de trabalho, mas que na rua ouve coisas desagradáveis. “Em geral eu ignoro. Me ofende, claro, e acho que as pessoas não têm o direito de me agredir. Mas tento pensar que o problema não está em mim, está nelas. Elas que procurem saber o que é em mim que as incomoda.”
Quando um bêbado na rua fala alguma coisa, ela perdoa. “O que me revolta mais é quando alguém que teve informação e educação me recrimina.”
Sobre a novela “Babilônia” e a polêmica do casal gay de senhoras, ela é a favor. “Acho a novela genial. Essa situação é uma coisa que acontece e se alguém tem alguma dúvida, está aí a televisão para mostrar. Tem gente que parece que vive em Marte, que acha que essas coisas não existem ou não deveriam existir. Nesse caso acho que a TV é um bom meio de informação.”