O Alzheimer, descrito Pelo paciente

Sou médico aposentado e professor de medicina. E tenho Alzheimer.

Do Conti Outra
Antes do meu diagnóstico, estava familiarizado com a doença, tratando pacientes com Alzheimer durante anos. Mas demorei para suspeitar da minha própria aflição.

Hoje, sabendo que tenho a doença, consegui determinar quando ela começou, há 10 anos, quando estava com 76. Eu presidia um programa mensal de palestras sobre ética médica e conhecia a maior parte dos oradores. Mas, de repente, precisei recorrer ao material que já estava preparado para fazer as apresentações. Comecei então a esquecer nomes, mas nunca as fisionomias. Esses lapsos são comuns em pessoas idosas, de modo que não me preocupei.

Nos anos seguintes, submeti-me a uma cirurgia das coronárias e mais tarde tive dois pequenos derrames cerebrais. Meu neurologista atribuiu os meus problemas a esses derrames, mas minha mente continuou a deteriorar. O golpe final foi há um ano, quando estava recebendo uma menção honrosa no hospital onde trabalhava. Levantei-me para agradecer e não consegui dizer uma palavra sequer.

Minha mulher insistiu para eu consultar um médico. Meu clínico-geral realizou uma série de testes de memória em seu consultório e pediu depois uma tomografia PET, que diagnostica a doença com 95% de precisão. Comecei a ser medicado com Aricept, que tem muitos efeitos colaterais. Eu me ressenti de dois deles: diarreia e perda de apetite.
Meu médico insistiu para eu continuar. Os efeitos colaterais desapareceram e comecei a tomar mais um medicamento, Namenda. Esses remédios, em muitos pacientes, não surtem nenhum efeito. Fui um dos raros felizardos.

Em dois meses, senti-me muito melhor e hoje quase voltei ao normal.
Demoramos muito tempo para compreender essa doença desde que Alois Alzheimer, médico alemão, estabeleceu os primeiros elos, no início do século 20, entre a demência e a presença de placas e emaranhados de material desconhecido.

Hoje sabemos que esse material é o acumulo de uma proteína chamada beta-amiloide. A hipótese principal para o mecanismo da doença de Alzheimer é que essa proteína se acumula nas células do cérebro, provocando uma degeneração dos neurônios. Hoje, há alguns produtos farmacêuticos para limpar essa proteína das células.

No entanto, as placas de amiloide podem ser detectadas apenas numa autópsia, de modo que são associadas apenas com pessoas que desenvolveram plenamente a doença. Não sabemos se esses são os primeiros indicadores biológicos da doença.

Mas há muitas coisas que aprendemos. A partir da minha melhora, passei a fazer uma lista de insights que gostaria de compartilhar com outras pessoas que enfrentam problemas de memória: tenha sempre consigo um caderninho de notas e escreva o que deseja lembrar mais tarde.

Quando não conseguir lembrar de um nome, peça para que a pessoa o repita e então escreva. Leia livros. Faça caminhadas. Dedique-se ao desenho e à pintura.

Pratique jardinagem. Faça quebra-cabeças e jogos. Experimente coisas novas. Organize o seu dia. Adote uma dieta saudável, que inclua peixe duas vezes por semana, frutas e legumes e vegetais, ácidos graxos ômega 3.

Não se afaste dos amigos e da sua família. É um conselho que aprendi a duras penas. Temendo que as pessoas se apiedassem de mim, procurei manter a minha doença em segredo e isso significou me afastar das pessoas que eu amava. Mas agora me sinto gratificado ao ver como as pessoas são tolerantes e como desejam ajudar.

A doença afeta 1 a cada 8 pessoas com mais de 65 anos e quase a metade dos que têm mais de 85. A previsão é de que o número de pessoas com Alzheimer nos EUA dobre até 2030.

Sei que, como qualquer outro ser humano, um dia vou morrer. Assim, certifiquei-me dos documentos que necessitava examinar e assinar enquanto ainda estou capaz e desperto, coisas como deixar recomendações por escrito ou uma ordem para desligar os aparelhos quando não houver chance de recuperação. Procurei assegurar que aqueles que amo saibam dos meus desejos. Quando não souber mais quem sou, não reconhecer mais as pessoas ou estiver incapacitado, sem nenhuma chance de melhora, quero apenas consolo e cuidados paliativos.

Arthur Rivin
(Foi Clínico-Geral e é Professor Emérito da Universidade da Califórnia)

+ sobre o tema

Coletivos da área da Saúde se mobilizam contra “projeto higienista” para Cracolândia

Diversas entidades, coletivos e pessoas autônomas aderem a carta...

EUA: relatório afirma que gays negros são mais vulneráveis ao HIV

"É a pior epidemia em todo o mundo desenvolvido,...

Reportagem do Correio é elogiada por ministra

Por: Kubitschek Pinheiro   O jornalista Edson Verber,...

Cartilhas orientam famílias de adolescentes em conflito com a lei

Quando um adolescente é apreendido pela polícia, suspeito de...

para lembrar

Especialistas avaliam que há racismo na produção audiovisual

Convencionou-se chamar de negros a soma dos grupos populacionais...

Comissão Arns exige investigação de massacre em favela do Rio

Grupo de intelectuais, juristas e lideranças políticas de governos...

Seríamos todos nós um pouco racistas?

MILLY Emprestei esse título de um texto publicado no NY Times semana...
spot_imgspot_img

Mulheres negras e homens brancos: as desigualdades de candidaturas e bens nas eleições

Homens brancos declararam, em média, R$ 7,3 milhões, enquanto mulheres pretas declaram R$ 848 mil em média. Apenas 4,5% das candidaturas às prefeituras de...

Outubro Rosa: mulheres têm exames gratuitos na rodoviária de Brasília

A chegada do décimo mês do ano, nesta terça-feira (1°), marca o início do Outubro Rosa, mês dedicado à conscientização da sociedade e dos...

Mulheres negras são quase o dobro de vítimas de câncer agressivo, diz estudo do Inca

Um estudo do Instituto Nacional do Câncer (Inca) divulgado nesta terça-feira (1º) em um evento na sede em Vila Isabel, na Zona Norte do...
-+=