O homofóbico dentro de cada um

Sobretudo e fundamentalmente, o atentado em Orlando é um caso de homofobia

por Mauricio Moraes, do Carta Capital 

O atirador que matou 49 pessoas e deixou mais de 50 feridas em uma boate gay em Orlando, nos Estados Unidos, tinha um homofóbico dentro de si. Assim como você, que lê esse texto, também tem sua dose de homofobia. E até eu mesmo, que sou gay e já enfrentei a minha.

É compreensível, afinal nossa sociedade foi construída sob uma perspectiva patriarcal, heteronormativa. Incompreensível é não querer desconstruir esses valores e aceitar o mundo como ele é, diverso.

O massacre em Orlando tem, sim, a ver com a cultura de armas nos Estados Unidos. Tem, sim, a ver com fundamentalismo religioso. Mas, sobretudo e fundamentalmente, tem a ver com a homofobia, com a transfobia e qualquer aversão à diversidade sexual. E a repercussão da tragédia só reforça essa ideia.

Ninguém nasce homofóbico. A homofobia se aprende em casa, na escola, nas ruas, nas igrejas, nas mesquitas e nas sinagogas. É aquela obsessão dos pais de que rosa é de meninas e azul é de meninos. É a bronca dos professores se a criança brinca de carrinho ou de boneca. É o sermão do padre ou do pastor falando que viver a homossexualidade é viver no pecado. É o bullying que os LGBTs sofrem ou já sofreram algum dia, com piadas infelizes, agressão verbal e física.

O primeiro desafio de qualquer um antes de sair do armário é enfrentar a própria condição homossexual, é perceber que não existe nada de errado consigo. Daí não é de se estranhar o alto nível de depressão e suicídio entre adolescentes LGBTs.

Aí começa o processo de desconstrução da homofobia plantada em cada um de nós. Mas grande desafio é enfrentar a homofobia de cada dia, presente nas sutilezas de gestos e palavras, nas lampadadas na cabeça ou nos tiros que matam mais de 300 LGBTs por ano no Brasil, vitimizando sobretudo as transexuais.

É urgente a desconstrução do ódio contra a diversidade. É preciso debater, sim, as questões de gênero nas escolas, em casa, nas igrejas. Não se trata de ensinar ninguém a ser LGBT, mas de respeitar a existência de cada um na sociedade. É preciso enfrentar o potencial homofóbico que todo mundo carrega dentro de si.

A notícia de que o atirador de Orlando frequenta boates e aplicativos gays já foi o pretexto para que alguns apontassem a sexualidade do assassino como razão principal do ataque. Se é possível que a homofobia internalizada do rapaz o motivou a cometer o crime, é certo que a homofobia arraigada na sociedade chancelou sua atitude.

Quantas vezes ele escutou seu líder religioso dizer que gays eram pecaminosos? Quantas vezes sofreu bullying no colégio? Quantas vezes apanhou dos pais? Quantas piadas homofóbicas escutou no trabalho?

Por isso, é importante que a sociedade fale sobre homofobia. E a dificuldade de enfrentar o tema ficou visível na repercussão do atentado. Muitos jornalistas, ativistas e lideranças políticas falaram sobre a farta disponibilidade de armas nos Estados Unidos, ressaltaram a religião do atirador, mas resistiam em dizer de forma contundente que se tratava de um ataque sobretudo homofóbico.

Na TV inglesa, o ativista Owen Jones deixou o estúdio da SkyNews depois que dois apresentadores insistiam em negar o caráter primordialmente homofóbico do atentado. O mesmo se pode dizer da nota do Itamaraty e do presidente interino Michel Temer, que sequer citaram que o ataque foi a um clube gay.

O massacre tampouco gerou a comoção vista nos recentes atentados em Paris e, em muitos casos, rendeu na internet comentários incitando a morte de LGBTs. Em todos os casos, homofobia explica.

À medida que os LGBTs vem conquistando direitos e vem aos poucos deixando a condição de cidadãos de segunda classe percebe-se uma reação virulenta de grupos conservadores e fundamentalistas religiosos.

De repente, viramos o bode expiatório da sociedade, culpados de todas as mazelas. Somos destruidores de famílias, espalhamos doenças, somos pedófilos, desestruturamos os costumes e agora espalhamos a tal “ideologia de gênero”, o último factoide da temporada.

É fácil apontar responsáveis pelo discurso de ódio, como o deputado fascista Jair Bolsonaro. Difícil, mas necessário, é desconstruir a homofobia arraigada dentro de si. Aquela que não se traduz em comentários e ações discriminatórias no dia a dia, mas aquela que é suficiente para espalhar, ainda que sem perceber ou em doses homeopáticas, a cultura homofóbica na sociedade.

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