O presidente negro: Nilo Peçanha

Enviado por / FonteDo Museu Afro

Nascido em Campos de Goytacazes, RJ, em dois de outubro de 1867, Nilo Peçanha é tido como o primeiro e único afrodescendente a ter assumido a presidência do Brasil. Filho primogênito de Sebastião de Sousa Peçanha, padeiro, conhecido como Sebastião da Padaria e Joaquina Anália de Sá Freire, moça oriunda de uma família que detinha relativa influência política no norte fluminense, Peçanha teve uma infância humilde vivida na periferia da sua cidade natal.

Mais tarde, formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Recife e, de volta a Campos, exerceu a advocacia e o jornalismo, defendendo as causas da abolição e da república. Com a mudança na forma de governo, da Monarquia para a República, foi eleito deputado da Assembleia Nacional Constituinte, pelo Partido Republicano, em 1890, de modo que o início da carreira política de Peçanha confunde-se com o advento da democracia no país. Ao fim dos trabalhos da constituinte, realizou dois mandatos como deputado estadual pelo Rio de Janeiro, entre 1891 e 1903.

Elegeu-se presidente do Estado do Rio de Janeiro em 1903, quando inaugurou o famoso Palácio do Ingá, em Niterói. Sua administração foi considerada impecável. Em 1906, um ano e meio antes de terminar seu mandato como chefe do executivo estadual fluminense, foi eleito vice-presidente do Brasil na chapa de Afonso Pena e em 1909 assumiu a presidência do país, após a morte do político mineiro. Permaneceu como presidente até o fim do mandato, período que durou 17 meses, sendo que o seu lema de governo era “Paz e Amor”. Entre suas medidas, podem ser destacadas a criação da Escola de Aprendizes Artífices na cidade de Campos, que, por sua vez, deu origem ao renomado Centro Federal de Educação Tecnológica da cidade e a assinatura da primeira Legislação Nacional de Trânsito do país.

Após terminar o mandato como presidente, viajou a Europa e afastou-se temporariamente da política. Em 1912, de volta ao Brasil e à carreira, Peçanha elegeu-se Senador pelo estado do Rio de Janeiro e dois anos depois foi eleito novamente chefe do executivo fluminense, cargo que ocupou até 1917, quando foi nomeado Ministro das Relações Exteriores do Brasil. Em seus dois mandatos como chefe do executivo fluminense, Peçanha ficou marcado pelo empenho na revitalização da economia do estado, por investimentos em educação profissionalizante e estímulo aos pequenos produtores rurais do estado.

Em 1922 candidatou-se a presidência da República, em chapa composta pelo vice José Joaquim Seabra. O movimento iniciado com a candidatura foi cunhado Reação Republicana, liderado por Peçanha e formado por representantes dos estados de segunda grandeza (RJ, PE, BA e RS), desfavorecidos pela política da Primeira República, que privilegiava os dois grandes estados de São Paulo e Minas Gerais. De modo geral, o movimento protestava contra o imperialismo destas oligarquias e investiu a candidatura de um forte apelo popular. Para muitos biógrafos do político, a prática de Peçanha inaugurou um novo modo de fazer política. Designado de nilismo, esta nova prática, na visão destes biógrafos, rompia com os velhos modos de fazer política baseados nas oligarquias rurais estaduais. Pesquisas mais recentes, no entanto, chamam a atenção para compromissos do político com as classes dominantes e o caráter limitado das reformas pretendidas pela Reação Republicana. Ainda assim, a penetração do nome de Nilo Peçanha nas camadas urbanas foi sensível, devido, sobretudo, a sua grande capacidade de comunicação com esses setores. O momento é apontado como o ponto culminante da carreira politica de Nilo Peçanha. Mas apesar do nilismo, o político não conseguiu estruturar uma organização partidária própria. Expressão, em certa medida, do seu personalismo, que não favoreceu este processo. No plano nacional, a candidatura mostrou-se como uma alternativa ao poder de dominação de São Paulo e Minas Gerais, mas não obteve êxito nas urnas e foi derrotada pelo mineiro Arthur Bernardes. Após a derrota na eleição presidencial, Nilo Peçanha afastou-se definitivamente da cena política do país, até falecer em 1924.

Nilo foi um dos maiores políticos brasileiros do século XX e é considerado o maior estadista fluminense da República. Hábil com as palavras, sua arte política foi descrita por Gilberto Freyre como a de um jogador de futebol que se vale da malícia e da negaça para ganhar o jogo. Defensor ferrenho da liberdade, a trajetória de vida privada e pública do político foi marcada por inúmeros obstáculos gerados por uma sociedade que via a sua cor de pele como um fator negativo. As dificuldades e preconceitos impostos pela sociedade racista, aos negros e mestiços, fez com que o político negasse constantemente suas origens africanas através de discursos e maquiagens que escondiam sua pele escura nas fotografias. Anita, a esposa de Peçanha, por exemplo, teve de contrariar a mãe para conseguir se casar, já que esta se recusava a aceitar o casamento da filha, originária de uma família da aristocracia, com alguém “mulato” e pobre. A sogra manteve-se afastada do casal até a data da sua morte. Nos contextos das disputas políticas, o advogado era constantemente descrito como “mulato”, motivo pelo qual foi ridicularizado e atacado em charges. Há quem afirme que a elite da sua cidade natal o chamava de “o mestiço do morro do coco”.

Atualmente, arquivos e objetos pessoais do ex-presidente compõem o Arquivo Nilo Peçanha, localizado no Museu da República, antigo Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, com acesso disponível ao público.

Bibliografia:
CÔRTE, Andréa Telo da (org). Nilo Peçanha e o Rio de Janeiro no cenário da federação. Niterói, RJ: Imprensa Oficial, 2010.

CÔRTE, Andréa Telo da (org). Política, Economia e Finanças: Nilo Peçanha.2ª Edição. Niterói, Imprensa Oficial: 2010.

SILVA, Hélio e CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. Os Presidentes: Nilo Peçanha. 7º Presidente do Brasil. São Paulo, Grupo de Comunicação Três, 1983.

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