O voo do besouro – O Filme

Superprodução brasileira conta a história de um famoso capoeirista baiano do começo do século passado

Fonte: Folha de São Paulo –

Deuses orixás que parecem Xerxes, o rei persa de “300”. Lutas em cima de árvores que lembram “O Tigre e o Dragão”.

E um senso de vingança puramente “Kill Bill”. São muitas as referências pop de “Besouro”, o filme nacional de maior orçamento a ser lançado neste ano, mas nada mais brasileiro do que seu enredo, com capoeira, candomblé e escravidão.

O longa tem estreia no próximo dia 30, em 150 salas de cinema, e vem cercado de expectativas, principalmente após uma popular campanha na internet que atraiu milhares de pessoas para um blog e um canal dentro do YouTube, repleto de vídeos de bastidores e trailers.

 

“É um fenômeno de internet que nunca aconteceu com um filme brasileiro”, diz Paulo Sérgio Almeida, diretor do Filme B, que analisa números do cinema no país. “Tem chance de sucesso, sim, é um filme de ação com as técnicas mais apuradas do mundo. Mas, mercadologicamente, o problema é que se passa no [começo do] século passado e sem ator conhecido.”

De fato, os três protagonistas são estreantes. Ailton Carmo, 22, é professor de capoeira e guia turístico de Lençóis (BA). Ele faz o vaidoso Besouro Mangangá, um dos maiores capoeiristas da história, que fez sua fama no Recôncavo Baiano, nos anos 20. No filme, ele tem um melhor amigo, Quero-quero (o também capoeirista profissional Anderson Santos de Jesus), com quem vai disputar o amor de Dinorá (a estudante de teatro Jessica Barbosa).

“Tem gente que ainda vê a capoeira como coisa de malandro, como se bandidos estivessem ali”, diz Ailton, que tem 16 anos de capoeira e costuma ir à Bélgica para dar aula. “O filme vai ajudar não só a capoeira, mas outras coisas de nossa cultura também, como o candomblé.”

Outro estreante no time é o próprio diretor, o carioca radicado em São Paulo João Daniel Tikhomiroff, 59, premiado publicitário com mais de 40 Leões de Ouro no festival de publicidade de Cannes. Filho de um dos dirigentes do estúdio americano Universal no Brasil, ele fez curtas e foi montador quando adolescente, até que, aos 21 anos, foi parar na publicidade para levantar dinheiro para um longa, nunca acabado.

Agora, ele se cercou de profissionais conhecidos do cinema para fazer “Besouro”, escalando gente como a preparadora de elenco Fátima Toledo, o diretor de fotografia equatoriano Enrique Chediak e o chinês coordenador de cenas de ação Huen Chiu Ku (leia ao lado).

“O Brasil não tem tradição de filmes de ação. Então eu fiquei pensando: “Como faz Tarantino nos seus filmes? Como foi feito “Matrix’?”. Aí descobrimos os chineses”, explica João Daniel, que ainda tem Gilberto Gil assinando a canção-tema do filme.

As filmagens foram feitas em quatro locações na Bahia, buscando a natureza exuberante da região, como a turística Lençóis ou Xique-Xique do Igatu, com 360 habitantes.

Orixás

feijoada-no-paraiso“Besouro” foi inspirado no livro “Feijoada no Paraíso”, de 2004, do cartunista e publicitário carioca Marco Carvalho. A editora Record leva às livrarias nesta semana uma nova edição, com fotografias do filme.

“Fiquei fascinado porque o livro é baseado em lendas do Besouro. As pessoas realmente acreditavam que ele voava”, diz o diretor. Besouro é um inseto que, por suas características, não deveria voar, mas voa, assim como o capoeirista.

A capoeira, luta criada por escravos trazidos ao Brasil, chegou a ser proibida por decreto até os anos 30, quando passou a ser permitida desde que acompanhada por policiais e em lugares fechados. A liberação total só veio nas décadas seguintes e, em 2008, virou patrimônio cultural brasileiro.

Entre pequenas doses de didatismo, como uma voz em off que explica a situação dos negros 40 anos depois damarco5 abolição, o longa mistura ação com romance, incluindo alguma nudez -e muita fantasia. Orixás misteriosos pipocam na primeira parte do filme, quando Besouro descobre sua vocação para herói. Exu, com seu corpo gigante delineado, penteado pomposo e voz amplificada, lembra um pouco Rodrigo Santoro em cena de “300”.

A própria Jessica, 23, baiana que mora no Rio, se divide entre ser Iansã, orixá dos ventos e das cachoeiras, e Dinorá, capoeirista filha de doméstica. Ela estrela uma das cenas de ação mais impressionantes, que faz o público bater palmas no cinema: anda na parede para pegar impulso e dar uma bela voadora no coronel inimigo de Besouro. Em outra passagem, dessa vez romântica, Besouro e Dinorá namoram jogando capoeira, num jogo de corpo extremamente sutil.

“O João filmou a capoeira de um jeito mágico, de forma grandiosa, criativa. E Besouro voa mesmo”, diz Jessica, que aprendeu capoeira quando criança. “As pessoas não sabem, mas se fala muito do Besouro nos sambas, seja na Lapa [Rio], seja em São Paulo, como no Ó do Borogodó.”

 

 

Coreógrafo de “Kill Bill” fez cenas de lutas

Ele faz voar: a atriz norte-americana Uma Thurman, o astro indiano de Bollywood Akshay Kumar e agora os brasileiros de “Besouro” já foram envolvidos pelos cabos e armações de Huen Chiu Ku, o Dee Dee, 45. Nascido em Hong Kong, ele é responsável pelas cenas de (muita) ação e artes marciais de filmes como “Kill Bill” e o épico “O Tigre e o Dragão”, que levou quatro Oscar, incluindo o de melhor filme estrangeiro em 2001.

A experiência aplicada nos títulos de sucesso mundial vem de bem longe. Foi dublê em filmes de ação de Hong Kong na década de 1980, quando começou a desenvolver técnicas de “wire-fu”, o kung-fu cinematográfico cheio de acrobacias, voos e quedas, sustentado por cabos (wire, em inglês).

No percurso até coordenar as cenas de lutas de “Besouro”, trabalhou como dublê do astro chinês Jet Li e com o premiado diretor Ang Lee. Agora seu currículo também conta com conhecimentos em capoeira. “Eu só tinha visto algumas coisas sobre essa arte brasileira em vídeos”, disse à Folha por e-mail.
A quase ignorância se transformou: “Eu amo capoeira”. Não que tenha sido fácil colocar os cabos no já voador jogo brasileiro. “É um pouco difícil coreografar as lutas porque, normalmente, os oponentes não se tocam. É diferente da maioria das artes marciais.”

Se, no filme, a diferença da distância foi retirada na base, literalmente, da porrada, outra particularidade da luta brasileira foi celebrada. “Um dos desejos foi manter os aspectos de dança. É importante para mostrar a verdadeira capoeira jogada no Brasil. Eu só usei minha experiência técnica para aperfeiçoar alguns movimentos.”

Cena-Besouro

Porém, a experiência de Dee Dee e os cabos não foram sinônimo de refresco para os atores. “Tenho uma cena de luta com o coronel, na qual uso o cabo. Ele só te tira do chão, não faz mais nada”, conta a atriz Jessica Barbosa.

“Nos primeiros dias de treino, era difícil. Eu voltava para o hotel e ficava assistindo a “Kill Bill” e falava: “Caramba, eu fiz esse movimento hoje. Se ela [Uma Thurman] faz, eu também vou fazer”.”

Se Thurman filmar de novo com Dee Dee, pode ser Jessica a inspiração. “Sim, eu posso me ver usando capoeira no futuro, dependendo do tipo de filme que estiver trabalhando. O segredo das cenas de ação está exatamente em pegar estilos diferentes e misturar movimentos”, disse o chinês.

 

Besouro além do filme

Livros, músicas e até uma peça de teatro fazem referência ao capoeirista

Em “Mar Morto” (1936), de Jorge Amado, Besouro é descrito como “o mais valente dos negros do cais”.
“A estrela de Besouro pisca no céu. É clara e grande. As mulheres dizem que ele está espiando os malfeitos dos homens (barões, condes, viscondes, marqueses) de Santo Amaro. Está vendo todas as injustiças que os marítimos sofrem. Um dia voltará para se vingar”, escreve o baiano.

“Feijoada no Paraíso” (2002), de Marco Carvalho, tem o próprio capoeirista como narrador de contos carregados de gírias e termos da capoeira. O livro inspirou o diretor João Daniel Tikhomiroff.

A música “Lapinha”, de Paulo César Pinheiro e Baden Powell, sucesso na voz de Elis Regina em 1968, é uma homenagem a Besouro. A letra diz: “Adeus Bahia, zum-zum-zum/ Cordão-de-Ouro/ Eu vou partir porque mataram meu Besouro”

O compositor Paulo César Pinheiro criou, em 2006, o espetáculo teatral “Besouro Cordão-de-Ouro”, com 14 canções para berimbau.

A canção “Camafeu Guerreiro”, de Jorge Vercilo e Paulo César Feital, lembra a fama de brigão do capoeirista: “Para defender quem é puro eu brigo/ Um capoeira, um Besouro vivo”.

Diversas músicas para rodas de capoeira lembram o jogador. “Quem é você que acaba de chegar?/ Eu sou Besouro Preto/ Besouro de Mangangá”, diz um dos versos mais famosos da capoeira.

Gilberto Gil disse, em entrevista, que dona Canô, mãe de Caetano Veloso, moradora de Santo Amaro e contemporânea de Besouro, gostava de contar histórias sobre o capoeirista. Consta que Dona Canô viu o lutador no dia da morte, ensanguentado, em 1924.

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